A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão do Ministério Público Federal (MPF), afirmou que a declaração de Jair Bolsonaro sobre o desaparecimento de Fernando Augusto Santa Cruz Oliveira, pai do atual presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, durante a ditadura “reveste-se de enorme gravidade, não só pelo atrito com o decoro ético e moral esperado de todos os cidadãos e das autoridades públicas, mas também por suas implicações jurídicas”.
A PFDC emitiu uma nota repudiando a fala de Bolsonaro.
Na segunda-feira (29), Jair Bolsonaro afirmou que “um dia se o presidente da OAB [Felipe Santa Cruz] quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, eu conto para ele”. “Ele não vai querer ouvir a verdade. Eu conto para ele”.
“Não é minha versão. É que a minha vivência me fez chegar às conclusões naquele momento. O pai dele integrou a Ação Popular, o grupo mais sanguinário e violento da guerrilha lá de Pernambuco, e veio a desaparecer no Rio de Janeiro”, disse.
No documento, a Procuradoria lembra que não é a primeira vez que Bolsonaro celebra os crimes cometidos pela ditadura militar. Há duas semanas, Jair Bolsonaro afirmou que a jornalista Miriam Leitão mente quando diz que foi torturada na década de 1970, e que foi presa tentando se juntar à guerrilha do Araguaia.
“A jornalista estava grávida à época e foi submetida a sevícias diversas, durante 2 meses. Processada na Justiça Militar, foi absolvida. Naquela ocasião, o mandatário do Poder Executivo fez alusão a informações que contradizem as evidências até hoje colecionadas sobre as graves violações aos direitos humanos perpetradas a Miriam Leitão”, assinala a Procuradoria.
De acordo com o órgão do MPF, “o desaparecimento forçado é um dos delitos que merece a mais severa sanção, pois ele reúne, numa única conduta, diversas ações ilícitas, que se originam com a prisão ou detenção ilegal, perpassam a prática de tortura, falsidade sobre o paradeiro, subtração de provas, obstrução da Justiça e, quase sempre, culminam no homicídio e na ocultação de cadáver”.
A Procuradoria diz ainda que “raras situações provocam maior sofrimento” à família “do que o desaparecimento de um ente querido”.
Para o órgão, é grave a declaração de Bolsonaro porque “a responsabilidade do cargo que ocupa impõe ao Presidente da República o dever de revelar suas eventuais fontes para contradizer documentos e relatórios legítimos e oficiais sobre os graves crimes cometidos pelo regime ditatorial. Essa responsabilidade adquire ainda maior relevância no caso de Fernando Santa Cruz, pois o presidente afirma ter informações sobre um crime internacional que o direito considera em andamento”.
“De anotar, ademais, que a Lei não permite sigilo sobre esses dados (Lei nº 12.527/11, art. 21). A Constituição exige do Chefe de Estado que aja com moralidade, legalidade, probidade e respeito aos direitos humanos. A falta de cumprimento desses deveres, sobretudo em tema de direitos fundamentais e dignidade humana, não pode ser ignorada pelas instituições democráticas e republicanas”, diz o texto.
O MPF observa ainda que “qualquer autoridade pública, civil ou militar, e especialmente o Presidente da República, é obrigada a revelar quaisquer informações que possua sobre as circunstâncias de um desaparecimento forçado ou o paradeiro da vítima. Como referido, além de ser o comportamento ético e moral esperado de qualquer cidadão e especialmente de um agente do Estado, é um dever jurídico, inclusive passível de sancionamento em caso de desrespeito”.
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