Decretos de Bolsonaro fortaleceram e modernizaram arsenal dos bandidos, mostra estudo

Armas que Bolsonaro liberou e estimulou caíram nas mãos do crime (Foto: Reprodução - Instagram)

Medidas estimularam a violência e estão no centro daquela que, hoje, ineditamente, atinge as mulheres no Brasil – uma prova cabal de que o fascismo está no cerne da questão e que o discurso da extrema-direita na segurança pública não passa de uma farsa

O Instituto Sou da Paz fez um amplo levantamento sobre as consequências da flexibilização na compra e manejo de armas no Brasil durante o trágico governo de Jair Bolsonaro e chegou a resultados estarrecedores, certamente, associados de forma direta ao aumento da violência no país.

Uma demonstração cabal de que o fascismo, que esteve entranhado nas decisões de Bolsonaro, é a causa central da violência que, até os dias de hoje, mata e fere mulheres numa escala nunca vista no território nacional.

O levantamento analisou 255,9 mil apreensões na região Sudeste entre 2018 e 2023 e constatou, por exemplo, que armas recém-compradas migram ao mercado clandestino rapidamente, o que alterou o perfil do armamento apreendido pelas polícias no Sudeste, impulsionando a modernização do arsenal dos criminosos.

Intitulado “Arsenal do Crime: Análise do perfil das armas de fogo apreendidas no Sudeste”, o levantamento investigou 255,9 mil apreensões realizadas pelas polícias estaduais e pela Polícia Federal de 2018 a 2023. Os dados foram obtidos por meio da LAI (Lei de Acesso à Informação).

A quantidade de armas apreendidas sofre queda contínua desde a aprovação do Estatuto do Desarmamento, diz o estudo. Houve reversão em 2023, quando a região registrou 37.994 ocorrências do tipo ante 36.370 do ano anterior.

A política de flexibilização do acesso a armas no Brasil foi promessa de campanha de Bolsonaro, que, historicamente, condenava o Estatuto do Desarmamento, sob o falacioso argumento de que a lei impedia que as famílias se defendessem.

Em maio de 2019, a mudança legal mais notável na direção da flexibilização adotada por Bolsonaro foi a que envolvia o uso de pistolas 9mm, cuja compra foi facilitada através de norma editada pelo seu governo.

Na região Sudeste, entre todas as apreensões dessas armas modelos 9 mm respondiam por 28,5% das ocorrências em 2018, um ano antes da flexibilização, percentual que saltou a 50,5% em 2023. Seu uso até então era restrito às polícias e às Forças Armadas.

LULA REVERTE NORMAS QUE ESTIMULAM A VIOLÊNCIA

Ao assumir o governo, em 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva revogou as normas bolsonaristas, chamando-os de “criminosos decretos de ampliação do acesso a armas e munições, que tanta insegurança e tanto mal causaram às famílias brasileiras”.

A pesquisa aponta que o crescimento redesenha as características do arsenal clandestino. Apreensões de revólveres caíram de 42,2%, em 2018, para 37,6%, em 2023, à medida que as de pistolas foram de 25,1% para 35,9% no mesmo período.

Tal padrão se repete em São Paulo, onde ocorrências do gênero envolvendo pistolas saíram de 25,6% para 33,4% no primeiro e no último ano, respectivamente, enquanto a apreensão de revólveres caiu de 47,4% para 43,5%.

A participação das armas 9 mm no total de pistolas apreendidas no estado, enquanto isso, escalou de 8,4% para 37,2% no período analisado. Foram 273 apreensões no primeiro ano da série e 1.305 no último.

Outro dado do levantamento aponta que as armas apreendidas estão mais novas. Em 2018 houve 170 apreensões de modelos fabricados até dois anos antes da respectiva ocorrência, número que em 2023 chegou a 843 somente em território paulista.

De acordo com o Instituto, o aumento “traz um indicativo forte de que armas recém-adquiridas no mercado legal estão migrando rapidamente para o universo criminal”.

Fuzis também entram nessa conta: foram 4.444 apreensões no Sudeste, 910 das quais em São Paulo. O estado vem registrando aumento: os fuzis abrangiam 0,9% das apreensões em 2018 e em 2023 corresponderam a 1,5%.

O estudo constatou, ainda, que o número de armas artesanais no geral caiu durante período analisado. Essa modalidade de armas representa parte expressiva dos aparatos com maior poder de fogo, a exemplo do que ocorria em Santa Bárbara d’Oeste —onde uma fábrica clandestina foi fechada pela PF em operação que levou 11 pessoas a serem denunciadas neste ano. Investigações apontam que facções se utilizam desse tipo de fábrica para se armar.

ESTÍMULO AOS CACs, PEÇA ANGULAR NA POLÍTICA DE INCENTIVO VIOLÊNCIA

Um elemento foi angular na política de estímulo à violência no governo Bolsonaro: um dos decretos permitiu que CACs (Caçadores, Atiradores Desportivos e Colecionadores) comprassem por ano até 5.000 munições para armas de uso liberado e mil para as de uso restrito, como fuzis ou carabinas, por exemplo. O texto também foi revogado.

“Eram quantidades absurdas, fora de qualquer razoabilidade, o que possibilitou esquemas de ‘laranjas'”, afirma o consultor sênior do Sou da Paz, Bruno Langeani, coordenador da pesquisa sobre o Sudeste.

Relatório do TCU (Tribunal de Contas da União) emitido em 2023 mostrou que 2.579 pessoas mortas estavam registradas como CACs. Na ocasião, de acordo com o relatório do órgão, 9.387 pessoas com mandados de prisão estavam com o registro ativo para possuir armas. Outros 19.479 tinham processos de execução penal em aberto.

Para Langeani, o levantamento “é um raio-x do mercado criminal” e revela também que as armas ilegais estão mais presentes nas casas dos brasileiros e são usadas tanto por organizações como por cidadãos comuns, em crimes patrimoniais.

No Estado de São Paulo, 31,8% das armas foram apreendidas em ambiente residencial, embora ocorrências em vias públicas sejam as mais frequentes.

Outro dado do levantamento indica que “a malha rodoviária é um ponto relevante de apreensões, sugerindo que uma parcela significativa estava em trânsito, inclusive para o Rio de Janeiro ou estados do Nordeste”.

A capital paulista lidera as dez cidades paulistas com mais apreensões em números absolutos, com 14.842 armas capturadas de 2018 a 2023, mas não entra no ranking se considerados índices proporcionais, à frente do qual está o município de Guaratinguetá que, com 121 mil habitantes e 380 armas apreendidas no período, registrou 312,2 armas capturadas a cada cem mil habitantes, maior índice do estado, segundo a pesquisa.

A PM concentra 72% das 68.204 apreensões em São Paulo, percentual bastante superior aos 14,9% que registra a Polícia Civil, diferença que mostra fragilidades na política de segurança, diz Langeani.

“O estado não tem nenhuma delegacia especializada para combater tráfico de armas nem um trabalho de fiscalização específico contra grupos vulneráveis”, afirmou.

NARRATIVA DA DEFESA DA “LIBERDADE” TURBINOU A VIOLÊNCIA

Ao assinar os primeiros decretos flexibilizando as regras para armas, logo nos primórdios de seu desgoverno, Bolsonaro invocou a narrativa da defesa da liberdade da população decidir.

Afirmou ele, falaciosamente, à época: “Por muito tempo, coube ao Estado determinar quem tinha ou não direito de defender a si mesmo, à sua família e à sua propriedade”.

E foi mais longe ao afirmar que armar a população poderia evitar golpes de Estado, aliás, um golpe que ele próprio tentou perpetrar, levando-o à condenação e à prisão, junto com seu séquito golpista.

“Nossa vida tem valor, mas tem algo com muito mais valoroso do que a nossa vida, que é a nossa liberdade. Além das Forças Armadas, defendo o armamento individual para o nosso povo, para que tentações não passem na cabeça de governantes para assumir o poder de forma absoluta”, blasfemou.

O resultado, agora exposto no estudo do Instituto Sou da Paz, está aí: aumento da violência em níveis inéditos, notadamente contra as mulheres, numa prova insofismável de que o fascismo da forma como se manifestou no Brasil na última quadra histórica, com o advento do bolsonarismo – defensor da ditadura na política e do ultraliberalismo na economia – encontra-se no cerne dessa tragédia que tanta insegurança traz às famílias brasileiras, revelando que a atual narrativa da segurança pública dos representantes da extrema-direita não passa de uma grande farsa.

MARCO CAMPANELLA

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