
Ao determinar a abertura do inquérito, após participação do próprio Bolsonaro, Alexandre de Moraes concluiu que o episódio “é gravíssimo, pois atenta contra o Estado Democrático de Direito brasileiro e suas instituições republicanas”
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), recebeu, segundo o jornal Folha de S. Paulo, da delegada da Polícia Federal, Denisse Dias Ribeiro, um relatório dizendo que não há como incriminar ninguém pela realização e financiamento das manifestações bolsonaristas contra o Congresso Nacional, o STF e outras instituições democráticas.
O relatório, que não foi classificado como parcial e nem como final, como de praxe deve ser quando é entregue, foi apresentado no final de dezembro ao ministro Alexandre de Moraes, responsável por ele no STF.
Apesar de todas as evidências em contrário, a delegada diz que, “ao término de dezenas de diligências realizadas, não encontrou elementos suficientes para indiciar pessoas pela realização ou financiamento de atos antidemocráticos, por ora”.

Vários bolsonaristas fizeram questão de mostrar que estavam envolvidos nos atos pró-golpe, mas só a delegada não viu. Uma delas, inclusive foi presa, a ativista do grupo “300 do Brasil”, autointitulada Sara Winter, que fez questão de assumir que estava à frente das manifestações antidemocráticas contra o STF e o Congresso Nacional.
Ela se esforçou tanto que foi vista acampada preparando os atos, inclusive, recebendo a visita da deputada Bia Kicis (PSL-DF). Ela também foi flagrada ameaçando o ministro Alexandre de Moraes. Mas, estranhamente, segundo a delegada, ninguém pôde ser identificado.
Os autos do inquérito, aberto em abril de 2020, mirando os bolsonaristas que defenderam a volta do AI-5, e que, inclusive, bombardearam o STF com fogos de artifício, estão com a Procuradoria-Geral da República (PGR).

A decisão de Moraes de abrir o inquérito foi tomada logo após o próprio presidente Jair Bolsonaro participar de uma manifestação em Brasília, marcado por faixas e palavras de ordem contra o Congresso e a favor de um golpe e de uma intervenção militar. Ao determinar a abertura do inquérito, Moraes concluiu que o episódio é “gravíssimo”, pois atenta contra o Estado Democrático de Direito brasileiro e suas instituições republicanas.
No ato bolsonarista, organizado, por óbvio, pelos bolsonaristas, com a presença do próprio Jair Messias, e que a delegada da PF diz não ter visto bolsonarista nenhum, o presidente se une aos que pediam o fechamento do Congresso e do STF e diz: “(…) Acabou a época da patifaria!” “Nós não queremos negociar nada. Queremos é ação pelo Brasil”, disse Bolsonaro, aplaudido por centenas de manifestantes. “Chega da velha política!”, gritou.

“Contem com o seu presidente para fazer tudo aquilo que for necessário para que nós possamos manter a nossa democracia e garantir aquilo que há de mais sagrado em nós, que é a nossa liberdade. Todos no Brasil têm que entender que estão submissos à vontade do povo brasileiro”, prosseguiu Bolsonaro, referindo-se ao que eles chamavam de “ditadura do STF”. Seu filho, Eduardo Bolsonaro, tinha dito, inclusive, antes da posse, que fecharia o STF com um jipe e dois soldados.
O próprio procurador-geral da República, Augusto Aras, concluiu que os atos antidemocráticos foram cometidos “por vários cidadãos, inclusive deputados federais”. O envolvimento de parlamentares, que a delegada também não viu, foi até mesmo utilizado por Aras para justificar que a investigação, que corre sob sigilo, seja mantida no STF.

Uma das deputadas investigadas como financiadoras dos atos, Bia Kicis (PSL-DF), não escondeu de ninguém sua participação. A PGR apontou na época que quatro parlamentares divulgaram virtualmente os atos usando até mesmo a verba da cota parlamentar. São eles: Bia Kicis (DF), Guiga Peixoto (SP), Aline Sleutjes (PR) e General Girão (RN).
Outros seis deputados do PSL tiveram o sigilo quebrado a pedido do ministro Alexandre de Moraes: Daniel Silveira (RJ), Carolina de Toni (SC), Alê Silva (MG), Carla Zambelli (SP), Cabo Junio Amaral (MG), Otoni de Paula (RJ), além do senador Arolde de Oliveira (PSD-RJ).
Um outro organizador, Allan dos Santos, quando viu que a casa caiu, fugiu do Brasil para escapar das autoridades. Allan é dono do site bolsonarista Terça Livre, que fez intensa propaganda do golpe. Ele fugiu e a delegada não o encontrou, concluindo com isso que ele não pode ser incriminado.

A PGR apurou que não foram só deputados. Havia, ainda, uma relação de empresários, ativistas e assessores parlamentares na realização e financiamento das manifestações antidemocráticas.
A atuação de empresários, ativistas e assessores parlamentares, que a delegada também não viu, no financiamento, colaboração e organização dos eventos ilegais, estava sendo investigada no inquérito. Se tem gente que até já assumiu o movimento golpista, inclusive fugindo do país, como pode o relatório da delegada concluir que não pode incriminar ninguém? É no mínimo um “relatório” estranho.
S.C.