O delegado da Polícia Federal, Alexandre Saraiva, demitido do cargo de superintendente da PF no Amazonas pelo governo por denunciar o envolvimento do ministro da Meio Ambiente, Ricardo Salles, com madeireiros criminosos, afirmou que as provas contra o auxiliar de Bolsonaro são “contundentes”.
“As provas da Handroanthus são toras. Aquilo tem uma logística muito específica para ser movimentada e muito custosa. Aquilo não some da noite para o dia. Depois as caixas contando os documentos que foi ele mesmo [Ricardo Salles] que entregou. Tudo o que tinha que se provar, está provado. Os laudos estão prontos. São laudos contundentes. Está tudo ali”, disse, em entrevista concedida ao programa Roda Viva, da TV Cultura, na segunda-feira (7).
O delegado é autor da notícia-crime junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) denunciando a atuação corrupta de Ricardo Salles. Ele disse que fez isso por “obrigação”. Na denúncia, o delegado acusou Salles e seus aliados de obstruírem a maior investigação ambiental da Polícia Federal em favor de quadrilhas de madeireiros
“Ficou muito claro que havia ali um dever de informar o Supremo Tribunal Federal. Documentos que demonstravam a grilagem de terras de forma grotesca, mas ao mesmo tempo ardilosa”, afirmou.
Na notícia-crime – instrumento usado para alertar uma autoridade policial ou o Ministério Público da ocorrência de um ilícito -, o delegado apontou que o ministro do Meio Ambiente e o senador Telmário Mota de Oliveira (Pros-RR) “de forma consciente e voluntária, e em unidade de desígnios, dificultam a ação fiscalizadora do Poder Público no trato de questões ambientais, assim como patrocinam interesses privados (de madeireiros) e ilegítimos perante a administração pública, valendo-se de suas qualidades de funcionários públicos”.
A ação também citou o presidente do Ibama, Eduardo Bim, como aliado do ministro e do senador na questão, mas não pede ao STF investigação sobre ele.
No dia 19 de maio, a Polícia Federal deflagrou uma operação de busca e apreensão em endereços ligados ao ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e ao Ministério do Meio Ambiente. A operação, batizada de Akuanduba, foi deflagrada por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Alexandre de Moraes determinou a quebra dos sigilos fiscal e bancário de Salles e o afastamento preventivo de 10 agentes públicos ocupantes de cargos e funções de confiança no Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis) e no Ministério do Meio Ambiente. Um deles foi Eduardo Bim, presidente do Ibama.
Saraiva declarou no Roda Viva que a atuação criminosa de Salles “é claríssima e inédita”. “Isso nunca aconteceu”.
Ele afirmou ainda que a Polícia Federal é uma instituição sólida e sua substituição pelo colega Leandro Almada não vai comprometer os trabalhos de investigação da superintendência no Amazonas. “O meu substituto é pessoa da minha absoluta confiança. É uma instituição culturalmente e institucionalmente forte. Mesmo saindo uma pessoa, a engrenagem continua rodando. Não adianta você tirar um delegado”, comentou.
O delegado foi questionado sobre a entrevista concedida por Ricardo Salles ao Estadão em que o ministro duvidou da apreensão de madeira recorde feita pela PF no Amazonas e afirmou que as toras confiscadas eram regulares.
Saraiva reafirmou que o material tem origem ilegal. “Isso não é verdade. Não está tudo certinho. Está tudo errado e muito errado”, afirmou.
O delegado também colocou sob suspeita a decisão judicial que liberou parte do material apreendido. “São decisões, essas especificamente, muito estranhas. Por exemplo, deste mesmo juiz que, de férias, determinou a devolução de maquinário, sob pena de multa de R$ 200 mil para mim e para os agentes que estavam no local”, afirmou. “São decisões que não são parâmetro.”
Na avaliação de Saraiva, no estágio atual, a extração ilegal de madeira se tornou mais prejudicial à Amazônia do que a atividade agropecuária.
Para ele, que é doutor em ciências ambientais, o avanço do desmatamento preocupa ainda mais pela inércia do Ibama. “O Ibama não está trabalhando. Isso é inegável”, frisou.
O ex-superintendente da PF no Amazonas criticou a Lei Complementar 140, que transferiu da União para os Estados a atribuição para autorizar planos de manejo florestal e corte raso. “Foi muito ruim, mas essa mesma lei complementar concede ao Ibama a possibilidade de fiscalizar subsidiariamente. E isso o Ibama não vinha fazendo”, disse.
Para Saraiva, as mudanças introduzidas por Salles nas regras para aplicação de multas contra crimes ambientais são “péssimas”. “É uma coisa completamente desarrazoada. Não tem lógica”, disse. “Me parece que existe sim uma intenção clara [de Ricardo Salles] em tornar a fiscalização menos eficaz. É inegável”, avaliou.
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