A Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) divulgou nota criticando a aprovação do projeto de lei (PL) 7596/17, sobre abuso de autoridade, na Câmara dos Deputados.
O PL foi aprovado na quarta-feira (14) em regime de urgência por votação simbólica, ou seja, sem voto nominal. O projeto prevê, em alguns casos, pena de prisão para promotores e juízes.
“O texto, da forma que foi aprovado, vai causar sérios prejuízos ao combate à criminalidade organizada e ao desvio de recursos públicos no país”, advertem os delegados na nota.
“Os Delegados de Polícia são os primeiros garantidores dos direitos individuais do cidadão e por isso buscam a atuação de forma técnica, equilibrada, isenta e republicana dos órgãos de investigação. Porém, ao não detalhar condutas de forma clara e determinada, o texto deixa sob o risco da subjetividade e da falta de critério definido atuações legítimas, que podem ser taxadas como abuso de autoridade. Certamente, se for sancionado, esse projeto vai gerar danos irreparáveis ao sistema de investigação, na medida em que funcionará como uma espada sobre as cabeças das autoridades que desagradarem os detentores do poder político e econômico que venham a se envolver em atividades criminosas”, diz trecho da nota.
“Tudo que o Brasil não precisa neste momento é de uma espécie de estatuto da criminalidade, que intimide autoridades estatais no regular desempenho de suas funções e proteja criminosos. Ao contrário, a sociedade brasileira espera que haja investimento e autonomia nos órgãos de controle do Estado e que a legislação fomente a prevenção e a repressão às organizações criminosas, protegendo as instituições”, prossegue.
“A proposta segue agora para o Presidente da República, do qual a ADPF espera o veto, principalmente por sua eleição ter sido fruto do inconformismo da sociedade brasileira com a corrupção e a criminalidade organizada”, conclui.
A força-tarefa da Operação Lava Jato classificou o projeto como “retrocesso” em nota emitida na quinta-feira (15).
“O projeto de lei de abuso de autoridade aprovado pelo Congresso é um retrocesso no combate à corrupção porque enfraquece as instituições ao permitir que policiais, procuradores, promotores e juízes que atuam de modo legal respondam pessoalmente a representações, investigações e processos, colocando em risco sua estabilidade, sua segurança, sua profissão e suas vidas”, diz a Lava Jato.
A lava Jato alerta que o PL aprovado põe em risco as autoridades “especialmente quando o caso envolve interesses poderosos”. Segundo o comunicado da força-tarefa o uso de palavras vagas e imprecisas no texto aprovado “cria o risco de prisão e de perda do cargo para agentes públicos mesmo quando atuam de modo legítimo”.
“Direito não é matemática e os riscos a que os agentes públicos ficarão sujeitos abre comportas para a injustiça e a impunidade daqueles no topo da pirâmide do dinheiro e do poder”, afirma.
“A punição incerta pelas mãos da vingança privada coloca em risco a segurança mais básica que o estado de direito deve conferir aos agentes estatais para atuarem na posição de investigador, acusador e juiz: a de que não sofrerão retaliações quando trabalharem de modo diligente em seu dever, independentemente de quem é o investigado ou réu”, destaca a nota.
O que diz o PL sobre abuso de autoridade:
1) Obter prova em procedimento de investigação por meio ilícito (pena de um a quatro anos de detenção);
2) Pedir a instauração de investigação contra pessoa mesmo sem indícios de prática de crime (pena de seis meses a dois anos de detenção);
3) Divulgar gravação sem relação com as provas que se pretende produzir em investigação, expondo a intimidade dos investigados (pena de um a quatro anos de detenção);
4) Estender a investigação de forma injustificada (pena de seis meses a dois anos de detenção);
5) Negar acesso ao investigado ou a seu advogado a inquérito ou outros procedimentos de investigação penal (pena de seis meses a dois anos);
6) Decretar medida de privação da liberdade de forma expressamente contrária às situações previstas em lei (pena de um a quatro anos de detenção);
7) Decretar a condução coercitiva de testemunha ou investigado de forma manifestamente descabida ou sem prévia intimação de comparecimento ao juízo (pena de um a quatro anos de detenção);
8) Executar a captura, prisão ou busca e apreensão de pessoa que não esteja em situação de flagrante delito ou sem ordem escrita de autoridade judiciária (pena de um a quatro anos de detenção);
9) Constranger preso com violência, grave ameaça ou redução da capacidade de resistência (pena de um a quatro anos de detenção);
10) Deixar, sem justificativa, de comunicar a prisão em flagrante à Justiça no prazo legal (pena de seis meses a dois anos de detenção);
11) Submeter preso ao uso de algemas quando estiver claro que não há resistência à prisão, ameaça de fuga ou risco à integridade física do preso (pena de seis meses a dois anos de detenção);
12) Manter homens e mulheres presas na mesma cela (pena de um a quatro anos de detenção);
13) Invadir ou entrar clandestinamente em imóvel sem determinação judicial (pena de um a quatro anos de detenção);
14) Decretar, em processo judicial, a indisponibilidade de ativos financeiros em quantia muito maior do que o valor estimado para a quitação da dívida (pena de um a quatro anos de detenção);
15) Demora “demasiada e injustificada” no exame de processo de que tenha requerido vista em órgão colegiado, com o intuito de atrasar o andamento ou retardar o julgamento (pena de seis meses a 2 anos de detenção);
16) Antecipar o responsável pelas investigações, por meio de comunicação, inclusive rede social, atribuição de culpa, antes de concluídas as apurações e formalizada a acusação (pena de seis meses a 2 anos de detenção).
Ação penal
Os crimes de abuso de autoridade são de ação penal pública incondicionada, ou seja, o Ministério Público é o responsável por entrar com a ação na Justiça, sem depender da iniciativa da vítima. Se não for proposta a ação pelo MP no prazo legal, a vítima poderá propor uma queixa.
Divergência de interpretação
O texto diz que a divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas “não configura, por si só, abuso de autoridade”.
Efeitos da condenação
Uma vez condenado, o infrator:será obrigado a indenizar a vítima pelo dano causado pelo crime;
- estará sujeito à inabilitação para o exercício do cargo, mandato ou função pública por um a cinco anos;
- estará sujeito à perda do cargo, mandato ou função pública.
Penas restritivas de direitos
O condenado pelo crime de abuso de autoridade também pode ser condenado a penas restritivas de direitos, como:prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas;
suspensão do exercício do cargo, função ou mandato pelo prazo de um a seis meses, com perdas dos vencimentos e das vantagens;proibição de exercer funções de natureza policial ou militar no município onde foi praticado o crime e onde mora ou trabalha a vítima, pelo prazo de um a três anos.
Leis para julgamento dos crimes
O Código de Processo Penal e a lei que trata do processo nos Juizados Especiais Cíveis e Criminais serão usadas para o processo penal dos crimes de abuso de autoridade.
Mudanças na prisão temporária
Determina que o prazo (atualmente em 10 dias) deve constar do mandado de prisão, que também deve conter o dia em que o preso será libertado. E estabelece que, terminado o período, a Justiça deve colocar o preso em liberdade imediatamente, exceto se houver prorrogação da prisão temporária ou decretação da prisão preventiva.
Os alvos do projeto:
Podem ser enquadrados no crime de abuso de autoridade os seguintes agentes públicos:
- servidores públicos e militares;
- integrantes do Poder Legislativo (deputados e senadores, por exemplo, no nível federal);
- integrantes do Poder Executivo (presidente da República; governadores, prefeitos);
- integrantes do Poder Judiciário (juízes de primeira instância, desembargadores de tribunais, ministros de tribunais superiores);
- integrantes do Ministério Público (procuradores e promotores);
- integrantes de tribunais e conselhos de conta (ministros do TCU e integrantes de TCEs).
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