
Política monetária suicida que vem sendo praticada pelo Banco Central tem se baseado em “expectativas do mercado financeiro”, afirma Maria Lucia Fattorelli, Coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida
Durante a última reunião da diretoria do Banco Central no denominado Comitê de Política Monetária (Copom), os 9 diretores (7 indicados por Lula) decidiram elevar a taxa básica de juros Selic para o abusivo patamar de 14,25% ao ano, gerando uma despesa extra com juros da dívida pública de cerca de R$ 55 bilhões anuais, além de afetar negativamente toda a economia do país.
Essa política monetária suicida que vem sendo praticada pelo Banco Central tem se baseado em “expectativas do mercado financeiro” divulgadas no boletim Focus, seguido à risca pelos diretores do Banco Central.
Alegam que a inflação está alta. De fato a inflação tem subido nos últimos meses, porém, o Banco Central deveria analisar a natureza da inflação que existe no Brasil, pois está aplicando remédio errado!
A inflação tem subido devido à elevação dos preços administrados pelo próprio governo (combustíveis, energia elétrica, planos de saúde etc.), e por causa da elevação no preço de alimentos.
Em um país privilegiado como o Brasil (terras férteis, clima favorável, água doce e gente para trabalhar), a alta do preço de alimentos decorre de erros de política agrícola e agrária, pois não cuidam de estoques reguladores; faltam incentivos para a pequena agricultura que de fato produz comida para o povo brasileiro, por exemplo, mas incentivam o grande agronegócio de exportação que produz commodities para exportação e usufrui de isenções tributárias, recebe incentivos fiscais, além de provocar dano ambiental gravíssimo, derrubando florestas, contaminando o solo e as águas, usando água bruta descontroladamente e provocar seca subterrânea.
Esses preços (administrados e de alimentos) que têm provocado alta da inflação no Brasil não se reduzem quando os juros sobem. Pelo contrário, muitos deles até aumentam, devido ao impacto dos custos financeiros na formação dos preços.
A diretoria do Banco Central vem reiteradamente alegando que a alta dos juros seria necessária para combater a elevação da inflação, o que não tem qualquer justificativa técnica, econômica ou científica, pois, como dito acima, o tipo de inflação que existe no Brasil não é combatido pela alta dos juros!
Há algum tempo, o Banco Central passou a alegar também que estaríamos tendo uma “demanda aquecida” no Brasil, o que estaria provocando elevação de preços. Ora, onde estaria essa demanda aquecida, se a imensa maioria da população brasileira, segundo o IBGE, tem renda de até 2 salários-mínimos??? Os banqueiros que dirigem o Banco Central só podem estar se referindo à demanda aquecida por iates de luxo, jatinhos e Porsche, produtos de alto luxo que têm fila de espera! Quem tem dinheiro para comprar tais produtos vive de lucros distribuídos e é isento de imposto de renda. Iates e jatinhos de luxo também não pagam IPVA, graças a entendimento expresso pelo Supremo Tribunal Federal, mas quem tem um carro popular paga! O atraso na regulamentação da última reforma tributária sobre o consumo mantém essa injustiça.
O povo brasileiro não tem dinheiro nem para comprar produtos para suprir as suas necessidades básicas e, ainda por cima, está endividado, porque os salários da classe trabalhadora no Brasil são baixos demais! Não existe a alegada demanda aquecida!
O governo está até tentando dar uma força para esse discurso de “demanda aquecida” ao viabilizar endividamento ainda maior da classe trabalhadora brasileira por meio de empréstimo consignado, permitindo o uso do FGTS como garantia! Mais um absurdo! Em vez de melhorar as condições salariais, essa medida vem na linha do pacote de cortes de gastos apresentada pelo governo no final de 2024, quando restringiu ainda mais os reajuste do já baixíssimo salário-mínimo vigente no Brasil a míseros 2,5% reais por ano e cortou o abono salarial de trabalhadoras e trabalhadores que recebem entre 1,5 e 2 salários-mínimos. Encurraladas, essas pessoas acabam se endividando para dar conta de sobreviver minimamente.
A recente medida (PL 1.087/2025) que visa isentar de imposto de renda quem recebe até R$ 5.000,00 ao mês é muito importante para reduzir, pelo menos um pouco, a imensa injustiça social que existe no Brasil.
É preciso ressaltar, no entanto, que a faixa de isenção do imposto de renda já deveria estar acima de R$ 5 mil, caso os sucessivos governos não tivessem interrompido a atualização monetária automática da tabela de incidência do imposto de renda das pessoas físicas (IRPF). A defasagem supera 150% desde o ano passado. E a tabela que vigora para 2025 é a mesma de 2024, ou seja, o conjunto da classe trabalhadora sofre um tremendo confisco, pois paga imposto de renda sobre meros reajustes inflacionários de seus salários.
Trabalhadoras e trabalhadores que recebem acima de R$ 7 mil ao mês continuarão a pagar imposto de renda à alíquota de 27,5% e não usufruirão da redução decorrente da isenção para quem ganha até R$ 5 mil. Isso ocorre porque, pela primeira vez, a coluna da “parcela a deduzir” da tabela de incidência do imposto de renda das pessoas físicas não fará o ajuste para que toda a classe trabalhadora seja tributada em cada faixa de renda de maneira isonômica. Esse defeito do PL 1.087/2025 precisará ser corrigido pelo Congresso Nacional. O mesmo projeto que nega isonomia a trabalhadores e trabalhadoras que recebem acima de R$ 7 mil e pagam 27,5% de imposto de renda, prevê tributar em apenas 10% quem recebe mais de R$ 50 mil de lucros! Não por acaso tem fila para comprar jatinho, iate e carro de luxo e a classe trabalhadora está na penúria!
Maria Lucia Fattorelli é coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida, membro da Comissão Brasileira Justiça e Paz (CBJP), organismo da CNBB; e coordenadora do Observatório de Finanças e Economia de Francisco e Clara da CBJP. Escreve mensalmente para o Extra Classe.
Reproduzido do Extra Classe