LETICIA VALOTA
GABRIEL ROCHA
VICTOR NERY
Núcleo de Pesquisa e Divulgação em Evolução Humana (IEA- USP)
Museu de Arqueologia e Etnologia (USP)
Até recentemente, acreditávamos que apenas uma espécie hominínia teria sido capaz de habitar as regiões frias da Sibéria: os Neandertais. Isso porque apenas fósseis correspondentes a essa espécie haviam sido encontrados no local até então. O cenário mudou quando, em 2010, foi publicada uma análise de DNA retirado de uma falange distal (a ponta do dedo), encontrada na caverna de Denisova, na Rússia. Ao comparar essa amostra de DNA com amostras já existentes de DNA Neandertal, os cientistas descobriram que se tratava de uma espécie distinta, a qual foi denominada de Denisovanos. A espécie não possui nome científico, por enquanto, já que não é possível descrever uma espécie hominínia com base apenas em uma falange, uma parte pouco diagnóstica.
O fóssil foi datado entre 30 e 50 mil anos e, a partir da análise do DNA e posterior comparação com o DNA de Neandertais, passou-se a acreditar que os Denisovanos e Neandertais sejam espécies irmãs, dado o grau de semelhança entre ambas sequências genéticas. A separação entre as duas espécies, de acordo com o método do Relógio Molecular, deve ter ocorrido há 400 mil anos, na região da Eurásia. O método em questão permite que seja inferida a separação das duas espécies através do grau de disparidade genética entre elas.
A partir da comparação do material genético de Denisovanos e Neandertais com humanos modernos, pôde-se detectar que, além da ocorrência de cruzamento entre Neandertais e Homo sapiens, algo já antes hipotetizado, também houve cruzamento entre os Denisovanos e Neandertais, e entre os Denisovanos e o H. sapiens. Atualmente, verifica-se em populações do Sudeste Asiático quantidades significativas de DNA Denisovano, podendo chegar a 6%.
A caverna de Denisova não foi habitada apenas pelos Denisovanos; os Neandertais também a habitaram e em diversos momentos da sua história, inclusive simultaneamente aos Denisovanos. Isto é exemplificado pelo caso de Denny, uma antiga habitante da caverna, identificada através de um fragmento de osso, cujo DNA demonstrou ser um indivíduo híbrido, filha de mãe biológica Neandertal e pai Denisovano. Essa situação mostra como essas espécies são tão próximas, o que torna difícil nossa compreensão acerca dos dois grupos e da cultura material relativa a cada uma delas. Os objetos encontrados na caverna, sejam eles artefatos ósseos ou ornamentos corporais, são pouco diagnósticos e podem pertencer a qualquer uma das duas espécies. Um exemplo de artefato encontrado é um possível bracelete feito com clorita, um mineral verde, com um orifício no centro.
Mas, por que sem rosto? Como dito, os denisovanos são uma espécie conhecida apenas por pequenos fragmentos ósseos e por seu DNA. Isso significa que, oficialmente, não existe um esqueleto associado aos Denisovanos. Mesmo assim, talvez nós já o conheçamos e apenas estejamos os chamando pelo nome errado.
É o caso do recém descrito Homo longi. A espécie foi descrita através do crânio de Harbin, encontrado na China e datado em aproximadamente 146 mil anos. Sua classificação como uma nova espécie ocorreu devido a suas diferenças morfológicas com Neandertais e H. sapiens. Além do crânio de Harbin, diversos outros fósseis chineses foram classificados dentro da nova espécie.
É o caso da mandíbula de Xiahe, a partir da qual foi possível extrair não apenas uma proteína presente nela, mas também DNA mitocondrial recuperado do sedimento da caverna em que foi encontrada, ambos compatíveis com Denisovanos. Além do mais, há um dente presente na mandíbula de Xiahe que é similar ao único dente presente no crânio de Harbin. Dessa forma, se a mandíbula de fato pertencer a um Denisovano e o crânio de Harbin realmente pertencer à mesma espécie da mandíbula, talvez estejamos finalmente conhecendo o rosto dos Denisovanos.