“É um ataque contra a nossa reportagem, mas também contra a Polícia Federal e o STF, que disse que eu não posso ser investigado, muito menos denunciado pela minha reportagem”, disse o jornalista
O Ministério Público Federal (MPF) de Brasília apresentou na terça-feira (21) uma denúncia contra sete pessoas no caso dos hackers que invadiram celulares de autoridades brasileiras. A surpresa foi a inclusão, na denúncia, do jornalista Glenn Greenwald, fundador do site The Intercept Brasil, e que recebeu as informações dos conteúdos das mensagens captadas.
O procurador desconheceu que todo jornalista tem o direito constitucional de revelar denúncias recebidas de fontes anônimas e manter o sigilo sobre elas. A atuação de Glenn Greenwald neste episódio, portanto, não caracteriza nenhum crime. A denúncia contra ele não tem nenhum fundamento.
O pretexto do procurador da República Wellington Divino de Oliveira para incluir o jornalista na denúncia foi a existência de áudio encontrado no computador de Luiz Molição, um dos investigados da Operação Spoofing, em que ele conversa com Greenwald. Ele recebeu as informações e publicou uma série de reportagens baseadas nos diálogos envolvendo a força-tarefa da Operação Lava Jato e o ex-juiz Sergio Moro, hoje ministro da Justiça e Segurança Pública.
“É um ataque contra a imprensa livre, obviamente, contra a nossa reportagem, mas também contra a Polícia Federal e o STF, que disse que eu não posso ser investigado, muito menos denunciado pela minha reportagem, porque é uma aberração do direito constitucional de uma imprensa livre”, declarou Greenwald, em vídeo postado em rede social.
“Essa denúncia é inepta. Me parece que é retaliação política em função da Vaza Jato e do inconformismo do Ministério Público Federal”, disse o ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça Gilson Dipp. “Se o Ministério Público encontrou indícios contra Glenn Greenwald durante a investigação de outras pessoas, deveria ter solicitado à Justiça autorização para abrir um inquérito contra ele por esses fatos”, afirmou ainda.
Em nota, o The Intercept Brasil manifestou “perplexidade” e disse que a própria Polícia Federal analisou o diálogo citado na denúncia e concluiu não haver, contra o jornalista, indício de crime. “Nós do Intercept vemos nessa ação uma tentativa de criminalizar não somente o nosso trabalho, mas de todo o jornalismo brasileiro”, afirma o comunicado.
O procurador afirma que Molição “invadia terminais informáticos, aconselhava Walter sobre condutas que deveriam ser adotadas e foi porta-voz do grupo nas conversas com Greenwald”. A denúncia traz a transcrição de um diálogo que teria ocorrido entre Molição e Greenwald no dia 7 de junho de 2019, dois dias depois da imprensa brasileira noticiar uma tentativa de invasão do telefone do ministro Moro, e dois dias antes de o Intercept Brasil ter começado a publicar a série que revelava possíveis ilegalidades na Operação Lava Jato.
Conforme a transcrição que consta na denúncia, Molição manifesta preocupação de que as notícias de que várias autoridades estavam sendo hackeadas fossem usadas para “desmoralizar” o conteúdo das reportagens. Segundo ele, embora algumas pessoas relatassem naquele momento tentativa de invasão, o grupo teria obtido as conversas em outubro de 2018, acessando o conteúdo do Telegram que fica gravado na “nuvem” do aplicativo, fora dos aparelhos celulares. Não havia nenhuma relação entre a conversa e as novas tentativas de hackeamento.
O jornalista disse que não tem nada a ver uma coisa com a outra. “E nós vamos deixar muito claro que nós recebemos tudo muito antes disso (as notícias de hackeamento), e não tem nada a ver com isso, entendeu?” Em outro trecho do diálogo exposto na denúncia, Molição pergunta se deveria baixar mais conversas do Telegram de pessoas interceptadas antes da publicação das reportagens. Segundo a transcrição, o jornalista não responde a essa consulta e recomenda que o grupo apague o conteúdo que já lhe foi passado.
A investigação sobre a atuação do jornalista na obtenção de informações privadas de autoridades foi proibida por decisão de Gilmar Mendes após pedido do partido Rede, em uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental, devido a notícias publicadas na imprensa brasileira indicando que Greenwald estava sob investigação. Para Dipp, o procurador parece ter cometido abuso de autoridade ao apresentar a denúncia e pode ter de responder a uma representação contra ele no Conselho Nacional do Ministério Público.
Além da nota divulgada por Glenn Greenwald, os advogados Rafael Borges e Rafael Fagundes, que defendem o jornalista, também divulgaram posicionamento. Eles dizem que receberam com “perplexidade” a denúncia do MPF. “Trata-se de um expediente tosco que visa desrespeitar a autoridade da medida cautelar concedida na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 601, do Supremo Tribunal Federal, para além de ferir a liberdade de imprensa e servir como instrumento de disputa política”, dizem.