Moro, acusado por ele de ter aceitado substituição na PF em troca de vaga no STF, citou reunião ministerial de abril de 2020 como prova inconteste de que o interrogado mentiu. E afirmou: “não troco princípios por cargos”
O depoimento de Jair Bolsonaro à Policia Federal, prestado na quarta-feira (3), sobre o inquérito que investiga as denúncias do ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro, segundo as quais o Planalto tentou interferir na Polícia Federal com o objetivo de controlá-la, não poderia ser diferente do que se conhece do declarante. Uma das características mais marcantes de Bolsonaro, além de sua índole golpista e antidemocrática, é não dizer a verdade.
Apresentando sempre versões contrárias ao que realmente faz, ou pretende fazer, o interrogado negou o tempo todo que tenha agido para aparelhar a Polícia Federal. No entanto, as pressões feitas sobre ministro da Justiça, que vieram a público por decisão da Justiça, para trocar, sem nenhuma justificativa plausível, a direção geral do órgão e, particularmente, a Superintendência do Rio de Janeiro, desmentem as afirmações feitas no depoimento de que ele não interferiu nessas mudanças.
Bolsonaro chegou a nomear para a Direção Geral da PF o delegado Alexandre Ramagem, amigo pessoal de seus filhos e responsável pela segurança de sua campanha eleitoral. Ramagem comandava a Abin, órgão de espionagem do governo. O nome de Ramagem só não foi confirmado no cargo por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que considerou haver fortes indícios de tentativa de aparelhamento do órgão por parte do presidente. Bolsonaro queria colocar Ramagem no lugar do então diretor geral, Maurício Leite Valeixo, que havia sido indicado por Moro.
REUNIÃO MINISTERIAL DE 22 DE ABRIL DE 2020
Com o claro objetivo de confundir os investigadores, Bolsonaro acusou o ex-ministro da Justiça de ter aceitado a substituição da direção geral da corporação em troca da promessa de sua nomeação futura para o Supremo Tribunal Federal (STF). A decisão do próprio STF, tomada pela Corte em 2020, de tornar pública a reunião ministerial de 22 de abril daquele ano, revela exatamente o contrário do que ele disse agora em seu depoimento. As pressões pelo aparelhamento da PF foram explícitas e chocaram o país. As provas contidas no celular de Moro, e que foram apresentadas á época, mostrando a pressão de Bolsonaro pelo aparelhamento da PF, são arrasadoras.
A reunião ministerial, além de outras baixarias, como as falas claramente golpistas de Bolsonaro, ou o “passar de boiadas” para o desmatamento e, também, os xingamentos, ameaças e ataques – apoiadas por Bolsonaro – do então Ministro da Educação aos ministros da Suprema Corte, revelou que Jair Bolsonaro não pensava mesmo em outra coisa a não ser aparelhar a Polícia Federal, acobertar seus filhos, que são investigados por crimes contra o erário, e preparar um golpe de Estado no Brasil.
Assista à reunião ministerial que desmente depoimento de Bolsonaro
“NÃO TROCO PRINCÍPIOS POR CARGOS”
Sérgio Moro rebateu em nota as declarações de Bolsonaro à PF. “Sobre o depoimento do Presidente da República no inquérito que apura interferência política na Polícia Federal, destaco que jamais condicionei eventual troca no comando da PF à indicação ao STF. Não troco princípios por cargos”, disse o ex-ministro. “Se assim fosse, teria ficado no governo como Ministro. Aliás, nem os próprios Ministros do Governo ouvidos no inquérito confirmaram essa versão apresentada pelo Presidente da República”, prosseguiu Moro.
O ex-juiz usou também os fatos que vieram a público na reunião ministerial de abril de 2020 para rebater as afirmações de Bolsonaro. “Quanto aos motivos reais da troca”, acrescentou Sérgio Moro, “eles foram expostos pelo próprio Presidente na reunião ministerial de 22 de abril de 2020 para que todos ouvissem”. Moro questionou em nota o fato de Bolsonaro ter dado o depoimento na ausência de seus advogados. “Também considero impróprio que o Presidente tenha sido ouvido sem que meus advogados fossem avisados e pudessem fazer perguntas”, destacou.
Paralelo às tentativas de controlar a Policia Federal, Bolsonaro também agiu no sentido de neutralizar outros órgãos de investigação e controle do Estado. Seu objetivo era, e continua sendo, desmontar toda a estrutura de combate à corrupção. Além de acobertar seus filhos e cúmplices desse crimes, Bolsonaro viabilizou uma situação onde as atividades criminosas foram encobertas. Ele passou a perseguir todos que denunciam corrupção em seu governo.
Foi assim em relação ao servidor do Ministério da Justiça, Luis Ricardo Miranda, irmão do deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), que denunciou um esquema milionário de propina na compra da vacina indiana Covaxin e que, agora, teve que fugir do país e ser colocado no programa de proteção à testemunhas por estar sendo ameaçado de morte. Seu irmão também sofreu ameaças, até de perda do mandato, por ter denunciado o governo.
COAF FOI DESMONTADO
Foi assim também em relação ao Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), órgão do Ministério da Justiça que controla e ajuda coibir atividades criminosas como lavagem de dinheiro. O Coaf descobriu o desvio de cerca de R$ 6 milhões da Assembleia Legislativa do Rio, através do crime de “rachadinha” por parte de Flávio Bolsonaro. Seu pai, Jair, praticamente liquidou com órgão, colocando-o no terceiro escalão do Banco Central.
Outra medida de Bolsonaro com o mesmo objetivo de esconder a corrupção, que está campeando no governo, foi a pressão sobre a Receita Federal. Bolsonaro não sossegou enquanto não trocou a direção do órgão que havia colaborado com as investigações do Ministério Público do Rio sobre a lavagem de dinheiro conduzida por Flávio Bolsonaro e feita através de compra e venda de imóveis e da loja de chocolate que ele usava para esse fim, localizada num shopping na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Servidores da Receita foram pressionados até pela Abin.
Em suma, as acusações que Bolsonaro faz a Sérgio Moro, neste episódio, mesmo sendo aplaudidas por alguns setores políticos interessados no desgaste do ex-juiz, não se sustentam. Bolsonaro mentiu ao país quando disse, em sua campanha eleitoral, que sua prioridade era combater a corrupção. Ele venceu a eleição com esse discurso, mas o seu objetivo real era acobertar a corrupção no país, através do esvaziamento dos órgãos de controle e da criação de leis mais brandas contra o roubo. Assim, ele vende a narrativa falsa de que não rouba. Essas são as reais intenções de Bolsonaro em seus depoimento.
Leia o depoimento na íntegra
1 – Por quais motivos pediu ao ex-ministro Sérgio Moro para que fosse trocado o Diretor-Geral da PF, Maurício Valeixo?
RESPOSTA: Que confirma que em meados de 2019 solicitou ao ex-ministro Sergio Moro a troca do diretor-geral da Polícia Federal, Valeixo, em razão da falta de interlocução que havia entre o presidente da República e o diretor da Polícia Federal; Que não havia qualquer insatisfação ou falta de confiança com o trabalho realizado pelo DPF Valeixo, apenas uma falha de interlocução; Que sugeriu ao ex-ministro Sergio Moro a nomeação do DPF Ramagem para a Direção-Geral; Que indicou o DPF Ramagem em razão da sua competência e confiança construída ao longo do trabalho de segurança pessoal do declarante durante a campanha eleitoral de 2018; Que ao indicar o DPF Ramagem ao ex-ministro Sergio Moro, este teria concordado com o presidente desde que ocorresse após a indicação do ex-ministro da Justiça à vaga no Supremo Tribunal Federal; Que conheceu o DPF Ramagem após o 1° turno quando ele assumiu a coordenação da segurança do então candidato Jair Bolsonaro: Que salvo engano os filhos do declarante também conheceram Ramagem somente quando ele assumiu a segurança do declarante; Que nunca teve como intenção, com a alteração da Direção Geral, obter informações privilegiadas de investigações sigilosas ou de interferir no trabalho de Polícia Judiciária ou obtenção diretamente de relatórios produzidos pela Polícia Federal.
2— Na reunião de ministros do dia 22/04/2020, o presidente fez a seguinte declaração. O que quis dizer quando disse “eu tenho a PF que não me dá informações”?
RESPOSTA: Que o declarante quis dizer que não obtinha informações de forma ágil e eficiente dos órgãos do Poder Executivo, assim como da própria Polícia Federal; Que quando disse “informações” se referia a relatórios de inteligência sobre fatos que necessitava para a tomada de decisões e nunca informações sigilosas sobre investigações.
3 – Conforme o ex-ministro Sérgio Moro, a motivação para a troca do DG/PF seria porque o presidente “precisava de pessoas de sua confiança, para que pudesse interagir, telefonar e obter relatórios de inteligência”. Confirma tais motivações?
RESPOSTA: Que, pelo seu entendimento, necessitava da mudança da Direção Geral da Polícia Federal, como dito, para maior interação; Que nunca obteve, de forma direta, relatórios de inteligência produzidos pela Polícia Federal; Que perguntado se possui acesso ao SISBIN, coordenado pela Abin, disse que não; Que muitas informações relevantes para a sua gestão chegavam primeiro através da imprensa, quando deveriam chegar ao seu conhecimento por meio do Serviço de Inteligência.
4 – Nas mensagens contidas no celular do ex-ministro Sérgio Moro, consta, em 23/04/2020, uma reportagem do site “O Antagonista”, intitulada “PF na cola de 10 a 12 deputados bolsonaristas”, encaminhada pelo presidente ao ex-ministro, seguida da mensagem “Mais um motivo para a troca”. Por que reforçou a necessidade da troca do DG/PF com a reportagem?
RESPOSTA: Que desconfiava que havia vazamento de informações sigilosas de investigações no âmbito da Polícia Federal para o site “O Antagonista”, revista “Crusoé” e outros meios de imprensa.
5 – A troca do DG/PF seria motivada, também, por uma eventual falta de empenho da PF na investigação sobre a tentativa de assassinato contra o presidente durante a campanha de 2018? Se reuniu com o delegado responsável pela investigação?
RESPOSTA: Que cobrou do ex-ministro Sergio Moro uma investigação mais célere e objetiva sobre o atentado que sofreu; Que não observou nenhum empenho do ex-ministro Sergio Moro em solucionar o assunto; Que houve uma apresentação do delegado responsável pela investigação do atentado com a presença do ex-ministro Sergio Moro; Que não fez nenhum tipo de pedido na direção da investigação ou qualquer outra interferência no andamento dos trabalhos.
6 – A troca do DG/PF seria motivada, também, por uma eventual falta de empenho da PF na investigação que visou esclarecer as declarações do porteiro do condomínio da residência do presidente, no Rio de Janeiro, o qual teria levantado falsas suspeitas do envolvimento do presidente no assassinato da vereadora Marielle Franco?
RESPOSTA: Que também cobrou do ex-ministro Sergio Moro um maior empenho na investigação sobre as declarações do porteiro do condomínio da sua residência no Rio de Janeiro; Que também não observou nenhum empenho ou preocupação do ex-ministro Sergio Moro em solucionar rapidamente o caso; Que soube pelo ex-ministro Sergio Moro que foi aberta uma investigação na Polícia Federal e que foi constatado um equívoco por parte do porteiro; Que também foi divulgado na impressa que o filho do declarante, Renan, teria namorado a filha do ex-policial militar acusado pelo assassinato da vereadora Marielle; Que posteriormente ficou esclarecido pelo próprio ex-ministro Sergio Moro que o ex-policial militar declarou que a sua filha nunca namorou o Renan, pois ela sempre morou nos Estados Unidos; Que esse esclarecimento veio à tona em razão dos insistentes pedidos do declarante para o ex-ministro Sergio Moro em solucionar rapidamente o caso; Que, portanto, não havia uma proatividade do ex-ministro Sergio Moro.
7 – Por quais motivos, em agosto de 2019, pediu ao ex-ministro Sérgio Moro para que fosse trocado o superintendente regional da PF no RJ? Sugeriu algum nome? Por quê? Qual o grau de amizade entre o presidente e o substituto? Havia a intenção de obter informações de investigações sigilosas presididas na SR/PF/RJ ou de interferência?
RESPOSTA: Que confirma que a partir de agosto de 2019 sugeriu ao ex-ministro Sergio Moro a troca do superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro; Que sugeriu a mudança porque o estado do Rio de Janeiro é muito complicado e entendia que necessitava de um dirigente da Polícia Federal local com maior liberdade de trabalho; Que não conheceu o então superintendente Ricardo Saadi; Que talvez o DPF Ricardo Saadi não tinha a completa independência para tomar as medidas necessárias para melhorar a gestão local; Que, no primeiro momento, não sugeriu nenhum nome ao ex-ministro Sergio Moro para assumir a Superintendência do Rio de Janeiro; Que posteriormente, em razão da resistência do ex-ministro Sergio Moro, sugeriu o nome de um delegado para a Superintendência do Rio de Janeiro; Que há uma vaga lembrança que esse nome seria o DPF Saraiva; Que não se lembra quem indicou o nome do DPF Saraiva ao declarante; Que no final de 2018 cogitou em indicar o DPF Saraiva como ministro do Meio Ambiente; Que não se lembra quem sugeriu o nome do DPF Saraiva; Que, da mesma forma, nunca buscou obter informações privilegiadas de investigações sigilosas em andamento na SR-PF-RJ ou de interferir, seja na gestão local ou em investigações em andamento.
8 – Conhecia o DPF Carlos Henrique Oliveira de Sousa, o qual sucedeu o DPF Ricardo Andrade Saadi como superintendente da SR/PF/RJ? Se reuniu com o DPF Carlos Henrique após a indicação para a gestão da SR/PF/RJ? Por quê? Qual o teor da conversa?
RESPOSTA: Que conheceu o DPF Carlos Henrique em uma reunião ocorrida no gabinete da Presidência quando ele foi indicado para assumir a Superintendência do Rio de Janeiro; Que o propósito dessa reunião foi para conhecê-lo melhor, ou seja, para que o novo superintendente de um dos estados mais importantes da federação fosse apresentado ao presidente da República.
9 – Em abril de 2020 houve uma nova troca com a exoneração do DPF Carlos Henrique como SR/PF/RJ. Foi o presidente que sugeriu essa nova mudança?
RESPOSTA: Que não sugeriu a nova mudança na Superintendência no Rio de Janeiro, ocorrida em abril de 2020.
10 – Soube, através do ex-ministro Gustavo Bebianno, de alguma investigação sigilosa em curso na SR/PF/RJ (Operação Furna da Onça) que teria como alvo Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro? Como soube?
RESPOSTA: Que não soube previamente nada sobre a operação Furna da Onça, antes da sua deflagração; Que todo assunto sobre essa operação, ficou sabendo através da impressa; Que conheceu Paulo Marinho através de Gustavo Bebianno; Que também nunca Paulo Marinho repassou ao declarante informações que ele (Paulo Marinho) teria recebido de um delegado de Polícia Federal da SR-PF-RJ sobre a Operação Furna da Onça.
11- Na reunião de ministros do dia 22/04/2020, o presidente fez a seguinte declaração quando disse “Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro, oficialmente, e não consegui!”, se referia a troca do SR/PF/RJ?
RESPOSTA: Que há um pequeno núcleo do GSI sediado no Rio de Janeiro, responsável pela segurança do declarante e de sua família; Que esse núcleo do GSI é formado por servidores lotados e alguns comissionados; Que achava que esse trabalho poderia ser melhorado, principalmente no acompanhamento do seu filho Carlos Bolsonaro, residente no Rio de Janeiro; Que portanto quando disse que queria trocar gente no Rio de Janeiro referia-se a sua segurança pessoal e da sua família.
12 – Por quais motivos pediu, em março de 2020, ao ex-ministro Sérgio Moro para que fosse trocada a superintendente Regional da PF em PE? Sugeriu algum nome? Por que essa pessoa? Qual o grau de amizade entre o presidente e o substituto? Havia a intenção de obter informações de investigações sigilosas presididas na SR/PF/PE e/ou interferência nos trabalhos de polícia judiciária?
RESPOSTA: Que confirma que sugeriu ao ex-ministro Sergio Moro a mudança da superintendente da PF de Pernambuco; Que sugeriu essa mudança em razão da baixa produtividade local e pelo fato da então superintendente ter, anteriormente, assumido o cargo de secretária estadual de Pernambuco, o que não daria a isenção necessária nos trabalhos locais; Que jamais sugeriu a mudança da gestão local com o intuito de obter informações sigilosas de investigações ou de interferência de trabalhos de Polícia Judiciária.
13 – 0 que entende por “interferência política” na PF? Interferiu na PF?
RESPOSTA: Que entende como interferência política pedidos políticos e não técnicos, de gestores de órgãos públicos com a intenção de haver influência política sobre os trabalhos desenvolvidos pelo órgão; Que jamais teve qualquer intenção de interferência política na Polícia Federal quando sugeriu ao ex-ministro Sergio Moro a alteração na gestão da Direção Geral ou em Superintendências Regionais; Que quando convidou o ex-ministro Sergio Moro, assim para todos os demais ministros, para fazer parte de sua equipe, concordou em “dar carta branca” para que cada um montasse sua equipe e os órgão vinculados com os nomes que entendessem, com poder de veto do declarante; Que tanto foi assim que o ex-ministro Sergio Moro trouxe para o seu ministério os profissionais que ele teve contato em Curitiba-PR; Que em determinado momento percebeu que o ex-ministro Sergio Moro estava administrando a pasta sem pensar no todo, sem alinhamento com os demais ministérios e o gabinete da Presidência; Que, por fim, gostaria de acrescentar que sempre respeitou e respeita a autonomia da Polícia Federal e que entende que mesmo com a alteração de dirigentes de unidades da PF não é possível interferir nas investigações em razão do sistema penal brasileiro e na cultura organizacional enraizada na instituição.
Perguntado se gostaria de acrescentaria algo, disse negativamente;
Passada a palavra aos advogados-gerais da União, não fizeram questionamentos;
Rgistra-se que uma cópia deste termo foi entregue aos advogados da União.
Nada mais havendo, este Termo de Declarações foi lido e, achado conforme, assinado pelos presentes.