Ex-comandante falou da minuta que lhe foi apresentada por Bolsonaro. Presidente tentou convencer os comandantes das três forças a aderirem ao golpe. O então chefe do Exército rechaçou o plano e ameaçou prender o golpista
O depoimento do ex-comandante do Exército, general Freire Gomes à Polícia Federal durou toda a tarde e entrou pela noite desta sexta-feira (1). Ele foi convocado na condição de testemunha no inquérito que investiga a tentativa de golpe de Estado planejado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e o seu entorno. Segundo o ajudante de ordem de Bolsonaro, tenente-coronel Mauro Cid, o presidente tentou – sem sucesso – convencer o comandante Freire Gomes a apoiar o golpe de Estado.
O depoimento do general faz parte da operação Tempus Veritatis, deflagrada pela Polícia Federal em 8 de fevereiro. Segundo fontes da PF, o militar respondeu a todas as perguntas que foram feitas pelos investigadores até as 22h. Na semana passada prestaram depoimento Jair Bolsonaro, o ex-ministro e candidato a vice-presidente em 2022, general Braga Netto; o presidente do PL, Valdemar Costa Neto; o ex-comandante da Marinha Almir Garnier; e o ex-ministro da Justiça, Anderson Torres.
Segundo o relato feito por Mauro Cid à PF, Bolsonaro se encontrou com os comandantes das três armas no dia 7 de dezembro de 2022. O presidente estava de posse de uma minuta do golpe. A minuta previa a decretação do estado de defesa, a intervenção no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a anulação das eleições e a prisão de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e de líderes políticos, entre eles o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco.
A intenção de Bolsonaro ao reunir os comandantes militares era obter o apoio dos três militares para sua trama golpista. Participaram também deste encontro o assessor da Presidência, Felipe Martins, e o advogado Amauri Feres Saad, este último apontado como autor da “minuta do golpe”.
Mauro Cid, que fez acordo de colaboração premiada, relatou à Polícia Federal que, após ouvir a proposta de Bolsonaro, o general Freire Gomes se recusou a apoiar a medida e ainda ameaçou o presidente de prisão caso ele insistisse com seu plano.
O ajudante de ordem disse também que o comandante da Aeronáutica, brigadeiro Carlos Eduardo Baptista Júnior, se manteve em silêncio e que o comandante da Marinha, Almir Garnier, declarou apoio à trama de Jair Bolsonaro.
Assista a reunião dos golpistas flagradas pela PF
A recusa de Freire Gomes em apoiar o golpe provocou grande irritação entre os comparsas de Bolsonaro, com destaque para o general Braga Netto, que era vice na chapa presidencial. Braga Neto chegou chamar o general de “cagão”, numa troca de mensagens obtida nas diligências da Polícia Federal. A partir do encontro em que recusou a apoiar o golpe, o comandante do Exército passou a ser violentamente hostilizado pelas milícias digitais de Bolsonaro.
Em uma mensagem de Braga Neto dirigida a Aílton Gomes, de 22 de dezembro, o general dizia: “Meu amigo, infelizmente tenho que dizer que a culpa pelo que está acontecendo e acontecerá é do general Freire Gomes. Omissão e indecisão não cabem a um combatente. É um cagão”. Aílton Gomes responde a Braga defendendo entregar a cabeça dele. “Então vamos continuar a pressão e se isso não se confirmar, vamos oferecer a cabeça dele aos leões”, disse. Braga Neto replica: “oferece a cabeça dele. Cagão”.
Na avaliação dos investigadores, o general Freire Gomes teve papel importante para evitar o uso das tropas do Exército na concretização da aventura golpista. Sua recusa foi decisiva para impedir a virada do Alto Comando da ForcFAA.
Freire Gomes já havia sido questionado antes sobre o motivo que o levou a não denunciar o presidente da República quando foi abordado por ele com o objetivo de obter seu apoio para uma trama claramente ilegal.
O general afirmou que preferiu trabalhar para impedir efetivamente o golpe ao invés de fazer a denúncia e dar início a uma crise institucional que, segundo ele, poderia acabar ajudando os planos de desestabilização do presidente.
No depoimento desta sexta-feira, na condição de testemunha, como ele tem que dizer a verdade, poderá dar detalhes sobre toda a trama e sobre sua decisão, que efetivamente inviabilizou os planos criminosos de Jair Bolsonaro.
Ele também deverá responder às dúvidas levantadas pelo general golpista, Estevam Theophilo, responsável pelo acionamento dos “kids pretos”, que, em seu depoimento, confirmou que teria participado de uma reunião de golpistas mas disse que foi a mando do general Freire Gomes. Há avaliações entre aliados de Gomes que o general Theophilo, que não explicou aos investigadores sua decisão de aderir aos golpe de Bolsonaro, tenta se vingar de Freire Gomes, arrastando-o para a trama.
Segundo investigadores, o general Theophilo relatou que não tinha poder para dar ordens para tropas, apenas coordenar as suas ações depois de acionadas. Segundo ele, era necessária uma ordem para que as tropas entrassem em ação.
A partir daí, ele faria o trabalho de coordená-las. Ou seja, o general, que decidiu por si mesmo apoiar o golpe, estava, segundo ele, esperando apenas uma decisão, insinuando que seria de seu superior, o general Freire Gomes, para acionar as tropas. O desenrolar dos fatos mostram que, apesar da pressão de Bolsonaro, a ordem de seu superior não foi dada e o golpe fracassou.
Todos os envolvidos na trama golpista serão investigados e punidos com todo rigor da lei. A constituição está acima de todos principalmente dos fascistas falsos e mentirosos.