Os depoimentos de aliados de Jair Bolsonaro no processo que pode levá-lo à inelegibilidade confirmam a responsabilidade do ex-presidente sobre os crimes praticados na reunião com embaixadores estrangeiros, em julho de 2022, e estão sendo usados pelos ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Em um grupo de zap, Bolsonaro zombou da Justiça Eleitoral e classificou com “vergonha” as provas do seu crime que foram expostas pelo relator da ação que pede sua inelegibilidade, ministro Benedito Gonçalves, e por outros ministros do TSE.
Bolsonaro enviou aos deputados um vídeo contendo um trecho da sustentação oral de seu advogado, Tarcísio Vieira de Carvalho, durante o julgamento. Na mensagem, o ex-presidente escreveu: “Sustentação oral. Inelegibilidade de Bolsonaro. Documento apócrifo. Estado de Defesa. Vergonha como prova…”.
No entanto, são seus ex-ministros, em depoimentos no TSE, que mostram que a reunião com embaixadores foi ilegal e foram iniciativa eleitoreira sua.
As testemunhas, ex-ministros do governo Bolsonaro, confirmaram que a iniciativa para a reunião, na qual Jair disseminou mentiras sobre o processo eleitoral brasileiro, partiu do gabinete presidencial e não contou com colaboração dos Ministérios.
A defesa de Jair Bolsonaro diz que o evento era parte das atividades normais do presidente da República, como as relações exteriores, mas essa tese foi enfraquecida por seus próprios aliados.
O ex-ministro das Relações Exteriores, Carlos França, confirmou que o evento não tinha, na verdade, nenhuma relação com as relações externas do Brasil. Tanto assim que o Itamaraty não foi consultado sobre nada relativo ao conteúdo do discurso mentiroso de Bolsonaro.
Sobre os slides usados pelo ex-presidente, França disse que “nós [Ministério das Relações Exteriores] não tivemos acesso a esse material e não fomos acionados para revisar esse material”.
“Não, não houve participação do Itamaraty na substância desse evento”, enfatizou no depoimento.
França disse que o Itamaraty ajudou somente em questões “logísticas”, como, por exemplo, “colocando tradução simultânea”.
O evento surgiu “por iniciativa” de Jair Bolsonaro, confirmou o ex-ministro Carlos França.
O ex-chanceler ainda disse que lhe “despertou preocupação” o uso do Palácio da Alvorada para o evento, já que lá haveria um “caráter oficial ou de promoção do presidente que também era candidato”.
Jair Bolsonaro está sendo julgado por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação pela reunião, que foi transmitida pelas redes sociais e pela TV Brasil.
O relator do caso, ministro Benedito Gonçalves, afirmou que o ato teve caráter eleitoreiro, uma vez que os ataques ao sistema eleitoral era parte da estratégia de campanha de Bolsonaro, que se colocou como “vítima” de um sistema supostamente corrompido.
Jair Bolsonaro citou no discurso aos embaixadores e telespectadores que as eleições de 2018 teriam sido fraudadas, usando como “prova” uma investigação da Polícia Federal sobre uma suposta invasão hacker nos sistemas do TSE.
TORRES
Também seu ex-ministro da Justiça, Anderson Torres, disse em depoimento que nunca recebeu informações da Polícia Federal sobre nenhuma fraude no processo eleitoral.
“A Polícia Federal nunca apresentou, pelo menos para mim, o resultado de alguma investigação que concluísse, que pudesse garantir que existia fraude na eleição”, disse.
Ciro Nogueira, ex-ministro da Casa Civil, confirmou que a iniciativa e realização da reunião foi toda por parte do gabinete de Jair Bolsonaro.
Questionado se “foi incumbido de tratar algum tema dessa reunião sobre sistema de votação?”, Ciro Nogueira respondeu que “não”.
“Eu não disse que foi uma reunião normal, mas também não vejo nenhuma agressão ao sistema eleitoral. Acho que foi uma reunião, do meu ponto de vista, que poderia ter sido evitada, eu concordo. Eu não era favorável a ela”, continuou.
O trecho do depoimento foi usado pelo ministro Floriano de Azevedo Marques em seu voto a favor da cassação dos direitos políticos de Jair Bolsonaro e confirmação de sua inelegibilidade por oito anos, devido ao abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação.
O julgamento no TSE foi suspenso e retoma nesta sexta-feira (30). Até agora, só o ministro Raul Araújo abriu divergência e votou a favor de Bolsonaro. Os ministros Floriano de Azevedo Marques e André Ramos Tavares votaram com o relator. Faltam ainda Cármen Lúcia (vice-presidente do TSE), Nunes Marques e, por último, Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal.