“Foram 5 segundos que quis dar de alegria”, esclareceu o amigo de Bolsonaro
Fabrício Queiroz – que faltou a todos os depoimentos marcados pelo Ministério Público sobre a movimentação de R$ 1,2 milhão em sua conta, inclusive um repasse de R$ 24 mil para a mulher de Bolsonaro – declarou-se “revoltado” pela divulgação do vídeo onde aparece dançando, com a mulher e a filha, no hospital onde está internado.
“É muita maldade”, disse Queiroz, em outro vídeo, que divulgou no sábado, 12/01. “Foram cinco segundos que quis dar de alegria a uma tristeza que tomava conta dentro da enfermaria em que eu me encontrava”.
Queiroz divulgara uma fotografia em que aparece, abatido, de olhos fechados, em uma cama no hospital, onde, segundo ele, fora internado para extrair um câncer (foto ao lado).
A diferença para o vídeo de sua dança no hospital, realmente, é bastante grande.
Veja o vídeo:
Queiroz é um velho parceiro de Bolsonaro – e era motorista de um de seus filhos, Flávio, na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).
Na Operação Furna da Onça, realizada pela Polícia Federal (PF) para investigar delitos na Alerj, um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) mostrou que Queiroz, em uma conta no Banco Itaú, movimentou R$ 1 milhão, 236 mil e 838 reais em um ano.
Essa movimentação era (e é) inteiramente incompatível com sua renda. Nove funcionários do gabinete de Flávio Bolsonaro depositavam na conta de seu motorista (v. Queiroz recolhia de 9 e depositava para a esposa de Bolsonaro).
Queiroz faltou a dois depoimentos marcados pelo Ministério Público Federal, alegando razões de saúde. Por sua entrevista no SBT, onde frisa que estava “evacuando sangue” (“antes era pouquinho, mas, agora, depois disso tudo, veio sangue vivo”), poderia se acreditar que ele estava morrendo.
Porém, sua mulher, Márcia Aguiar, e suas filhas Nathália e Evelyn – todas funcionárias do gabinete de Flávio Bolsonaro que também depositavam na conta de Queiroz – também faltaram ao depoimento marcado pelo Ministério Público para a última na terça-feira, 08/01. Nenhuma delas, ao que se sabe, tem algum problema de saúde que as impossibilite de depor (v. Familiares de Queiroz não comparecem a depoimento e MPRJ reage).
Na quinta-feira, 10/01, foi o filho de Bolsonaro, Flávio, que faltou ao depoimento no Ministério Público. Disse ele que foi notificado apenas na segunda-feira. O Ministério Público esclareceu que Flávio Bolsonaro fora informado desde o dia 21 de dezembro da data do depoimento (v. Flávio Bolsonaro foge do MPRJ e não explica R$ 1,2 milhão achados com Queiroz).
Tanto Onyx Lorenzoni quanto seu chefe, Jair Bolsonaro, atacaram o Coaf pela divulgação dos depósitos e saques na conta de Queiroz. Bolsonaro até mesmo inventou uma acusação: a de que o Coaf teria quebrado o sigilo bancário de Queiroz sem autorização judicial (v. Bolsonaro ataca Coaf: “quebrou sigilo de Queiroz sem autorização judicial”).
Na verdade, o relatório do Coaf foi solicitado pela PF, com autorização judicial – e Bolsonaro sabia, pois isso aconteceu nas investigações empreendidas pela Operação Furna da Onça. Caso contrário, estaríamos diante de um completo estúpido na Presidência da República…
Mas o significativo é que ele preferiu atacar o Coaf por revelar uma falcatrua – ou, pelo menos, algo que tem todas as características de uma falcatrua.
O relatório do Coaf, aliás, foi dirigido à PF – e somente por estar anexado ao inquérito da PF foi descoberto. Mas pegaria muito mal para Bolsonaro atacar, ao modo de Lula, a PF. Assim, ele preferiu atacar o Coaf.
Quanto a Lorenzoni, que fugiu de uma entrevista coletiva quando foi perguntado sobre o caso Queiroz, disse: “onde é que estava o Coaf no mensalão? Onde é que estava o Coaf no petrolão? Esse é o ponto”.
Esse é o ponto que ele deveria ter esclarecido com seu colega de Ministério, Sérgio Moro, que utilizou-se amplamente dos relatórios do Coaf nas investigações da Operação Lava Jato.
O próprio Lorenzoni, que fez parte da CPI do Mensalão, deveria saber que, também nesse caso, os relatórios do Coaf foram intensamente utilizados – mas é provável que Lorenzoni não tenha prestado atenção. Estava mais interessado em aparecer na TV do que em investigar e achar a verdade sobre o caso.
Infelizmente, o ex-juiz Sérgio Moro não veio a público para iluminar a mente e a memória de seu colega.
DRAMA E DANÇA
Disse Queiroz: “fui submetido à cirurgia no dia 1º. Graças a Deus o tumor foi eliminado. Estou no pós-operatório aguardando tratamento médico. Tão logo acabe tudo isso estarei pronto para esclarecer qualquer dúvida do Ministério Público”.
Queiroz, que mora no Rio de Janeiro, está internado em São Paulo, em um dos hospitais mais caros do país, o Albert Einstein.
No último dia 27, depois de quase um mês de sumiço, ele aparecera em uma entrevista no SBT.
Nessa entrevista, declarou que “eu sou um cara de negócios. Eu faço dinheiro. Eu faço, assim, eu compro, revendo, compro, revendo. Compro carro, revendo carro. Eu sempre fui assim. Sempre. Eu gosto muito de comprar carro em seguradora. Na minha época, lá atrás, comprava um carrinho, mandava arrumar, vendia. Tenho segurança”.
No entanto, não afirmou que sua fábrica de dinheiro explicava a movimentação em sua conta. Sobre isso, disse ele, “só falo ao Ministério Público”, acrescentando que faltara ao depoimento no Ministério Público (aliás, duas vezes) porque estava muito mal de saúde. E disse que estivera internado – apesar de não se lembrar do nome do hospital (v. “Eu faço dinheiro”, disse Queiroz sobre os R$ 1,2 milhão flagrados em sua conta).
Depois, reapareceu no Alberto Einstein, deitado na cama, com ar contrito, sugerindo sofrimento.
Disse Queiroz que sua doença apareceu após a divulgação do relatório do Coaf que identificou a movimentação incompatível com sua renda:
“Após a exposição de minha família e minha, como se eu fosse o pior bandido do mundo, fiquei muito mal de saúde e comecei a evacuar sangue. Fui até ao psiquiatra, pois vomitava muito e não conseguia dormir. Estou muito a fim de esclarecer tudo isso. Mas não contava com essa doença. Nunca imaginei que tinha câncer”.
Na mesma entrevista, concedida ao jornal “O Estado de S. Paulo”, Queiroz disse que pagou ao Hospital Albert Einstein com seu próprio dinheiro, embora tenha se recusado a dizer quanto pagou (v. ‘Como se eu fosse o pior bandido do mundo’, diz Queiroz sobre Coaf, OESP, 09/01/2019).
Então, surgiu o vídeo, com ele dançando, em meio a gargalhadas, com a mulher e a filha – e, também, dançando com um suporte de soro fisiológico.
Além de fazer aquele sinistro sinal, imitando uma arma, pelo qual, entre outras coisas, Bolsonaro ficou conhecido.
CONTA
Na conta de Queiroz, havia uma saída de R$ 24 mil para uma conta de Michelle Bolsonaro, mulher de Jair Bolsonaro. Segundo este, o dinheiro fazia parte do pagamento de uma dívida de R$ 40 mil que Queiroz tinha com ele (“Não botei na minha conta por questão de… eu tenho dificuldade para ir em banco, andar na rua”, explicou Bolsonaro).
Nove funcionários do gabinete do deputado estadual Flávio Bolsonaro – agora senador – depositavam na conta de Queiroz.
Havia 176 saques em dinheiro na conta de Queiroz, durante o ano de 2016 – mais de um saque em dinheiro para cada dois dias úteis. Houve dias em que foram efetuados cinco saques em dinheiro.
Como diz o Coaf, os saques de valores relativamente pequenos a cada saque, mas com muitos saques em dinheiro, é um indício de tentativa de burla à fiscalização.
No gabinete de Flávio Bolsonaro, além desse recolhimento de salários (parte deles; em certos casos, não apenas parte) dos demais funcionários na conta de Queiroz, havia outras originalidades, aliás, somente originais pela completa falta de limite: por exemplo, o funcionário Wellington Servulo Romano da Silva morava – e ainda mora – em Portugal, apesar de receber da Alerj, via gabinete do filho de Bolsonaro.
Nesse aspecto, há, pelo menos, mais outro caso: uma das filhas de Queiroz, a personal trainer Nathalia Queiroz, depois de exonerada do gabinete de Flávio Bolsonaro – foi substituída pela irmã, Evelyn Queiroz – tornou-se assessora do deputado federal Jair Bolsonaro em Brasília, sem que, para isso, mudasse do Rio de Janeiro para a capital da República, ou, mesmo, tivesse que alterar a sua rotina profissional.
Com isso, Nathalia Queiroz recebeu R$ 250 mil da Câmara dos Deputados (R$ 225 mil em salários e R$ 25 mil em auxílios), entre dezembro de 2016 e agosto de 2018, sem precisar trabalhar na função de assessora legislativa (v. Filha de Queiroz era fantasma de Jair Bolsonaro em Brasília).
Porém, disse Queiroz no sábado (12/01), “é muita maldade”.
IDENTIDADES
Mas essa declaração revela algo além de cinismo: no grupo de Bolsonaro, essas coisas são consideradas normais.
Não é um caso inédito. Como já mencionamos, aqui, em outro artigo:
“… a Procuradoria Geral da República denunciou o ex-deputado e ex-ministro Geddel Vieira Lima, seus irmãos, Lúcio e Afrísio Vieira Lima, a mãe dos dois, Marluce Vieira Lima, e mais quatro integrantes da mesma quadrilha, por se apropriar de salários dos funcionários na Câmara, além de pendurar empregados domésticos em funções públicas, também na Câmara.
“Apenas em um dos casos, o de Job Ribeiro Brandão, os Vieira Lima se apropriaram de R$ 4,3 milhões: ‘Além de instituir funcionário fantasma, a família apropriava-se dos salários de Job. No bojo do inquérito 4633, Job revelou que Lúcio Vieira Lima, Geddel Vieira Lima e Marluce Vieira Lima, a mãe, apropriavam-se de até 80% dos seus rendimentos pagos pela Câmara dos Deputados, todos os meses, há vários anos. Além disso, Job, Milene Pena e Roberto Suzarte não exerceram funções de secretário parlamentar, e sim de serviços à família e a seus negócios. Ou seja, também eram funcionários fantasmas‘, diz a PF.
“O aspecto mais repulsivo do caso é que isso parece uma dinastia decadente de senhores de escravos – o roubo dos funcionários, diz a PGR, durou 27 anos.”
Qual a diferença moral?
C.L.