A Câmara dos Deputados do Chile aprovou, nesta terça-feira (09), por 78 votos a 67, com 3 abstenções, a abertura do processo de impeachment contra o presidente Sebastián Piñera acusado de corrupção com base nas revelações da série de reportagens denominada de Pandora Papers.
O Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ) publicou, no início do mês de outubro, os chamados ‘Pandora Papers’ [Documentos Pandora], uma relação de autoridades e personalidades globais flagradas com contas em paraísos fiscais, usadas para evasão de impostos, lavagem de dinheiro e aquisição no exterior de mansões, iates e jatinhos, que classificou como a “mais abrangente exposição de segredos financeiros” que já veio a público. Entre as informações flagradas, algumas dizem respeito ao presidente chileno.
De acordo com os documentos divulgados, a mineradora Dominga – um projeto de cobre e ferro no Chile – foi vendida ao empresário Carlos Alberto Délano por US$ 152 milhões, em um negócio realizado nas Ilhas Virgens Britânicas, um paraíso fiscal. Delano é um amigo próximo de Piñera, empresário bilionário, que naquele momento estava no ano inicial de seu primeiro mandato presidencial.
Em uma exaustiva jornada de 24 horas de duração, o deputado socialista Jaime Naranjo tomou conta de 15 delas lendo uma apresentação de 1.300 páginas, com o propósito expresso de atrasar a votação e permitir que dois deputados da oposição, Jorge Sabag e Giorgio Jackson, participassem da sessão. Esses deputados cumpriam quarentena por Covid-19 até a meia-noite de segunda-feira e o voto deles era decisivo.
Nas redes sociais, Naranjo virou o maior destaque do país. Usuários que acompanharam minuto a minuto de sua fala descreveram o acontecimento como algo épico, uma façanha para disputar a votação após a meia-noite e assim possibilitar a participação dos deputados que cumpriram as últimas horas de isolamento.
Esta é a segunda vez que o Congresso chileno discute a destituição de Piñera —a primeira teve relação com os protestos de 2019 e a repressão desencadeada pelo governo contra a população.
A oposição a Piñera, com mandato até 11 de março de 2022, trabalhou para que a acusação constitucional —como é chamado o impeachment no Chile— possa ser votada antes de 21 de novembro, data da eleição que
escolherá o novo presidente e renovará boa parte do Congresso. Trata-se de uma campanha em que os favoritos, de acordo com as últimas pesquisas, são o deputado Gabriel Boric (da Frente Ampla, em aliança com o Partido Comunista) e José Antonio Kast, líder do Partido Republicano (da direita radical, que não participa da atual coalizão de Governo). Eles devem disputar um segundo turno em 19 de dezembro.
Agora, o Senado votará o pedido pelo julgamento político em 19 de novembro, apenas dois dias antes das eleições, nas quais Piñera não concorre. Enquanto isso, ele permanece no cargo, mas não pode sair do país.
Os meios de comunicação chilenos exibiram ao vivo a sessão da Câmara, onde os deputados da oposição incentivaram por horas Naranjo, de 70 anos, que só bebeu água, comeu passas e parou duas vezes para ir ao banheiro. “Foi um jejum que fiz pela Justiça”, disse o político sobre as horas sem comida nem descanso, em declarações ao jornal espanhol El País. Pouco antes da meia-noite, o deputado democrata-cristão Jorge Sabag chegou à sede do Parlamento, na cidade de Valparaíso, a 100 quilômetros de Santiago. O dele era um dos votos indispensáveis para assegurar a maioria, mas o deputado estava na cidade de Chillán, sua base, onde nas últimas horas fez um exame para descartar a Covid-19.
O outro deputado esperado era Giorgio Jackson, coordenador político da campanha presidencial de Boric, que cumpria quarentena até a meia-noite de segunda, porque havia mantido contato próximo com o candidato presidencial, contagiado por Covid-19. Exatamente à meia-noite ele saiu de sua casa em Santiago e foi até o Congresso para votar a favor da abertura do impeachment, que necessitava de 78 votos.
A peça de acusação no processo de impeachment, um documento de 285 páginas, assinala que “atos de sua Administração que comprometeram gravemente a honra da Nação e infringiram abertamente a Constituição e as leis”.
“Com o trabalho jornalístico internacional, soubemos que o presidente Piñera teria realizado transações em paraísos fiscais, tendo como moeda de troca um projeto nocivo ambientalmente como a mina Dominga. Não permitiremos que a máxima autoridade prejudique a honra do país”, escreveu o candidato Gabriel Boric no Twitter.