O grupo de trabalho na Câmara formado para analisar o projeto anticrime, enviado ao Congresso pelo ministro Sérgio Moro (Justiça), rejeitou quarta-feira (25) a ampliação do conceito de excludente de ilicitude ou licença para matar, como chamam os parlamentares.
Um dos pontos mais polêmicos de toda a proposta, o tema ganhou mais relevância após a morte brutal da menina Ágatha Vitória Sales Félix, de 8 anos, na última sexta-feira (20).
Ela foi baleada nas costas, durante uma operação de policiais militares no Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio de Janeiro.
Com a tragédia, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), recomendou cautela na análise e votação do tema. Ele pediu uma avaliação cuidadosa do trecho que trata do assunto, que aborda os atos praticado por policial que alega legítima defesa.
Para o presidente da Câmara, o excludente de ilicitude já é previsto no artigo 23 do Código Penal e uma alteração no texto seria interpretada como autorização para atos abusivos que podem tirar a vida de pessoas inocentes.
“Este é um tema polêmico. Da forma como esteja escrito você pode estar de fato protegendo um policial em combate, da forma que está escrito você pode estar liberando demais, para que alguma vítima possa perder a vida”, afirmou Maia, durante um evento do governo do Paraná, em Curitiba, na segunda-feira (23).
Ele criticou, por exemplo, o baixo investimento no programa de proteção de fronteiras, orçado em R$ 11 bilhões, e que só obteve até agora a liberação de R$ 2 bilhões nos últimos anos.
“Como é que um investimento de R$ 11 bilhões, nos últimos anos, nós só aplicamos R$ 2 bilhões? E certamente muitas armas que matam a vida das nossas crianças, e drogas também, que tiram a vida de muitas crianças, elas passam por essas fronteiras”, cobrou.
Na reunião do grupo de trabalho, vários deputados criticaram o texto apresentado pelo governo, alertando que a ampliação do conceito pode servir como uma sinalização para o aumento da violência. “O que Sergio Moro e Bolsonaro querem é estabelecer um liberou geral para a ação policial, sem nenhum controle”, avaliou o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP).
O excludente de ilicitude previsto no Código Penal, atualmente, estabelece que não são considerados crimes atos praticados em circunstâncias específicas, como no estrito cumprimento de dever legal (policial que atua para evitar assassinato), em legítima defesa e em estado de necessidade (roubar comida para alimentar os filhos).
A lei, entretanto, prevê que quem pratica esses atos pode ser punido se cometer excessos, como, por exemplo, o policial que imobiliza o assaltante e, mesmo assim, decide executá-lo. Nesses casos, o projeto anticrime inova ao permitir ao juiz reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se esse excesso decorrer de “escusável medo, surpresa ou violenta emoção”.
“Quando se fala de escusável medo, surpresa ou violenta emoção, que é a novidade que está sendo introduzida, nós temos termos imprecisos. Nós temos tipos abertos. Aprovar o texto proposto pelo Poder Executivo, falando de medo, surpresa e emoção, é instituir norma penal em branco, que vai ficar ao arbítrio do juiz”, afirmou o deputado do PCdoB.
Orlando Silva argumentou que o Artigo 23 do Código Penal já é suficiente para manter e proteger a vida de policiais em ação. “Quando se fala de excludente de ilicitude por estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular de direito, aqui nós cobrimos todas as hipóteses que precisam ser protegidas”, frisou.
“A legislação atual dá perfeita condição à defesa do policial. O policial pode e deve agir para proteger a sua vida e a de outrem. A legislação atual já permite. O que querem é uma sinalização de mais violência”, afirmou o deputado Marcelo Freixo (Psol-RJ), ao criticar os novos limites previstos no projeto de Moro.
Freixo, autor da proposta de alteração do texto do governo, afirmou que o excludente tem potencial de isentar de punição todo cidadão, seja ele agente de segurança pública ou não, que cometer assassinatos.
O relator do grupo de trabalho, deputado Capitão Augusto (PL-SP), defendeu o projeto, negando que a proposta esteja ampliando casos de excludente de ilicitude. “Não estamos criando nova excludente de ilicitude. Estamos falando do agente que já está abrigado pela legítima defesa, mas que comete excessos”, disse.
O deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG) discordou, apontando que o texto cria sim casos de excludente de ilicitude. “O Código Penal vigente determina que o excesso afasta os casos de excludente de ilicitude. Ou seja, deve haver punição. O texto proposto aqui está criando um novo excludente, sim, especificamente para os casos em que o excesso decorrer de medo, surpresa ou violenta emoção”, argumentou.
A rejeição do texto de Moro foi aprovada por 9 votos a 5. O colegiado acolheu, no entanto, sugestão de Lafayette de Andrada que passa a considerar em legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes.
Na reunião da terça-feira (24), o grupo de trabalho aprovou mudança nas regras de transferência progressiva do preso para um regime de cumprimento de pena menos rigoroso – do fechado para o semiaberto e deste para o aberto. Depois de passar pelo grupo, o projeto será analisado pelo plenário da Câmara.
W. F.
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