A reação à forma de agir do governo e aos intentos de Bolsonaro de aprovar a qualquer custo o desmonte da Previdência Social está cada vez mais intensa dentro de fora do Congresso Nacional. Deputados denunciam que o governo critica publicamente a atuação parlamentar, taxando-a de “velha política” e, ao mesmo tempo, oferece, na calada da noite, cargos na Esplanada, mediante assinatura de termos de compromisso para garantir os votos em suas propostas.
“Eles querem que os deputados assinem essas indicações para se comprometerem com a reforma da Previdência”, denunciou o deputado Domingos Neto, do PSD, coordenador da bancada do Ceará no Congresso. “Não aceitaremos cargos até que o governo mude a forma de se relacionar. Nenhum deputado quer assinar nada em troca de comprometimento com a reforma”, afirmou Domingos. “Ninguém vai se comprometer com um tema tão sensível como esse em troca de cargo. Não aceitaremos ‘toma lá, dá cá’”, acrescentou o parlamentar.
Bancadas de outros estados como Alagoas e Paraná também demostraram incômodo com a forma desrespeitosa como Bolsonaro e sua equipe vêm tratando o Congresso Nacional. A irritação entre os congressistas e o repúdio ao governo chegou a tal ponto que Rogério Marinho, secretário especial da Previdência e do Trabalho, confessou no sábado, durante viagem a Guarujá, no litoral paulista, que deu chabu na votação. “O mundo caiu na sexta-feira, na tramitação da reforma da Previdência”, confessou.
O vice-presidente da Câmara, Marcos Pereira (PRB-SP), traduziu em números a avaliação feita por Marinho, sobre o estrago provocado pela sanha fanática do bolsonarismo neste início de governo. “Hoje não tem cinquenta votos. Nem o PSL vota 100%. Talvez o governo tenha sido amador por falta de experiência”, disse. Pereira é ex-ministro da Indústria, bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus e presidente nacional do PRB, partido que detém uma bancada de 31 cadeiras na Casa.
Para agravar ainda mais a confusão nas hostes governistas, o líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), assim que saiu de um reunião no Palácio do Alvorada com Jair Bolsonaro, no domingo, divulgou diversas mensagens no whatsapp do PSL dando força para os ataques a Rodrigo Maia e aos deputados. Ou seja, informando que será mantido o comportamento desastroso que o Planalto e sua trupe tiveram até agora .
“Nosso presidente está certo e também convicto de suas atitudes”, disse o Major Vitor Hugo. Ele não citou nominalmente a “velha política”, expressão criticada por Maia na troca de acusações com Bolsonaro, mas disse que é “preciso mudar essa situação”. Logo em seguida, usou charges para ironizar negociações de cargos em governos passados.
Integrantes do governo passaram a estimular que internautas seguissem atacando os parlamentares, pressionado-os a se submeterem ao Planalto. Diversos memes contra Rodrigo Maia foram disparados na internet. O secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra saiu acusando os deputados de interesseiros. “Eles acham que seus pedidos não estão sendo atendidos e, por isso, não se mostram dispostos. Vão ter que se explicar com a população”, acusou. Cintra também convocou seus seguidores a pressionar os congressistas através das redes sociais.
O deputado Rodrigo Maia, presidente da Câmara, defensor da reforma da Previdência, informou, após sofrer diversos ataques de bolsonaristas, por todos os lados, e pelo próprio presidente nas redes sociais, que chegou ao seu limite e que não aceitará mais que o Parlamento seja desrespeitado dessa forma. Ele anunciou que se afastaria das articulações políticas pela aprovação da reforma da Previdência e disse que Bolsonaro “tem que largar o twitter e começar a governar”.
“Não fui só eu que fui criticado. Todo mundo que de alguma forma fez alguma crítica ao governo, recebe os maiores ‘elogios’ da rede dos Bolsonaro. Isso é ruim, porque você não respeitar, e não receber com reflexão uma crítica, não é um sinal de espírito democrático correto”, afirmou Rodrigo Maia.
“Ele [Bolsonaro] está transferindo para a presidência da Câmara e do Senado uma responsabilidade que é dele. Então, ele fica só com o bônus e eu fico com o ônus de ganhar ou perder. Se ganhar, ganhei com eles. Se perder, perdi sozinho”, disse o deputado Maia, em entrevista ao jornal “O Estado de S. Paulo”
Depois de Bolsonaro compará-lo a uma “namorada” com problemas (“Você nunca teve uma namorada e, quando ela quis ir embora, o que você fez? Não pediu para ela voltar? Você não conversou?”), o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) declarou:
“Eu não preciso almoçar, não preciso do café e não preciso voltar a namorar. Ele [Bolsonaro] precisa ter mais tempo pra cuidar da Previdência e menos tempo cuidando do Twitter, porque, se não, a reforma não vai andar. “Se o presidente não falar comigo até o fim do mandato, não tem problema. Não preciso falar com ele. O problema é que ele precisa conseguir várias namoradas no Congresso, são os outros 307 votos que ele precisa conseguir [para aprovar a reforma da Previdência]”.
Paralelo à crise do governo dentro do Congresso Nacional, cresce na sociedade o repúdio a proposta do governo de destruição da Previdência pública. Na sexta-feira, milhares de pessoas ocuparam as ruas nas principais capitais do país, liderados pelas Centrais Sindicais, para protestar contra a proposta do governo, classificada pelo governador do Maranhão, Flávio Dino, como um verdadeiro genocídio contra o povo brasileiro.
Na semana anterior os governadores do Nordeste, já haviam se reunido em São Luiz e aprovaram posição contraria à reforma da Previdência. “(…) consideramos que se trata de um debate necessário para o Brasil, contudo posicionamo-nos em defesa dos mais pobres, tais como beneficiários da Lei Orgânica da Assistência Social, aposentados rurais e por invalidez, mulheres, entre outros, pois o peso de déficits não pode cair sobre os que mais precisam da proteção previdenciária”, diz um trecho da carta dos governadores.
“Também manifestamos nossa rejeição à proposta de desconstitucionalizar a Previdência Social, retirando da Constituição garantias fundamentais aos cidadãos. Do mesmo modo, consideramos ser imprescindível retirar da proposta a previsão do chamado regime de capitalização, pois isso pode inclusive piorar as contas do sistema vigente, além de ser socialmente injusto com os que têm menor capacidade contributiva para fundos privados. Em lugar de medidas contra os mais frágeis, consideramos ser fundamental que setores como o capital financeiro sejam chamados a contribuir de modo mais justo com o equilíbrio da Previdência brasileira”, prosseguiu a Carta dos Governadores.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em cerimônia de posse da nova direção de seu Conselho Federal, também criticou a reforma da Previdência. “Não é aceitável tirar de quem não tem para dar a quem não precisa”, disse o novo presidente da entidade, o advogado Felipe Santa Cruz.
Aprendemos a duras penas, com o custo de vidas, que nenhum direito está imune a violações abusivas e a práticas de arbítrio. Por isso, a atuação dos advogados e da OAB será sempre um atributo básico e fundamental em qualquer Democracia”, afirmou Santa Cruz, que tomou posse junto a 162 conselheiros federais, que ficarão à frente da entidade no triênio 2019-2022.
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