Refinarias sucateadas e dependência de importados colocam país sob risco de ficar sem óleo diesel, gasolina e gás de cozinha. Não bastasse o apagão, Bolsonaro quer também deixar fechar os postos de combustíveis
A maneira como Jair Bolsonaro vem governando o Brasil – ou melhor, como ele não vem governando o Brasil – tem agravado a crise vivida pelo país. Nenhuma decisão séria é tomada pelo Planalto para enfrentar os graves problemas da atualidade. Foi assim na pandemia da Covid-19 e está sendo pior ainda na garantia de abastecimento de combustíveis em quantidade e preços compatíveis com as necessidades da economia nacional.
Já se fala abertamente em desabastecimento nacional de combustíveis. A Associação das Distribuidoras de Combustíveis (Brasilcom) alertou, na terça-feira (19), para a possibilidade de desabastecimento de combustíveis já em novembro. Isso depois de Bolsonaro já ter aconselhado os brasileiros a abandonarem os elevadores, subirem pelas escadas, e tomarem banho frio, porque a falta de planejamento, muito mais do que a falta de chuvas, está provocando uma crise de fornecimento de energia elétrica.
APAGÃO E FALTA DE GASOLINA
Tanto na questão da falta de luz quanto na produção insuficiente de gasolina, diesel e gás de cozinha, a causa de fundo é a mesma. O governo não está investindo um tostão para aumentar a produção, nem de energia elétrica e nem de derivados de petróleo. As refinarias brasileiras, construídas com muito esforço para garantir a nossa independência das importações, estão abandonadas, sucateadas e à venda.
Desde Abreu e Lima, criada em 2018, nenhuma refinaria foi construída no país. O Brasil, que é autosuficiente na produção de petróleo, está cada vez mais importando derivados.
Esta dependência de derivados está se intensificando pela insistência do governo em não taxar as exportações das empresas que exploram e vendem o petróleo brasileiro. Com ganhos muito altos, obtidos pela exportação de óleo bruto, devido ao diferencial dos custos de produção muito baixos no Pré-sal e os preços obtidos nos mercados internacionais de petróleo, não há nenhum estímulo para o refino dentro do país, onde atuam as refinarias da Petrobrás.
Com isso, as refinarias nacionais são sucateadas e cresce o volume de derivados importados pelo país. Ou seja, as refinarias próprias vão sendo sucateadas ou vendidas e a dependência do país à importação de combustíveis cresce sem parar. Com isso, aumenta também o poder de pressão das empresas importadoras. Se elas reduzem, como dizem que estão fazendo agora, a importação, há a ameaça de desabastecimento.
O custo de produção das refinarias da Petrobrás permitiria que os preços cobrados internamente pelos derivados fossem mais compatíveis com o poder aquisitivo da população. No entanto, os importadores pressionam o governo a praticar o PPI (Preço de Paridade Internacional) para que eles obtenham os ganhos pretendidos na importação dos derivados de que o Brasil está cada vez mais dependente.
GOVERNO VEM CEDENDO ÀS PRESSÕES DOS IMPORTADORES
O governo vem cedendo a essas pressões, o que tem feito o preço da gasolina subir sem parar e já chegar a R$ 7,00 o litro. Assim como o diesel já está custando R$ R$ 4,80 e o gás de cozinha, R$ 135,00. O país não está suportando esta escalada de preços. A consequência é a explosão inflacionária, fazendo com que os caminhoneiros, por exemplo, que praticamente não têm reajuste de seus fretes, já falem em greve geral a partir de 1 de novembro, caso não haja uma redução dos preços do diesel.
Ao mesmo tempo, as empresas importadoras ameaçam não realizarem as importações dos derivados porque, segundo elas, haveria uma defasagem de 17% para o diesel e 14% para a gasolina entre os preços praticados pelas refinarias de Petrobrás e os preços no mercado internacional. A Brasilcom, que representa as distribuidoras, informou que a Petrobrás não garantiu os pedidos feitos por suas afiliadas para o mês de novembro deste ano.
O imbróglio veio a público com o comunicado oficial da estatal de que, diante da alta, segundo ela, de 20% dos pedidos de diesel e de 10% dos pedidos de gasolina para o mês de novembro, em relação ao mesmo mês de 2019, a empresa não teria condições de atender a esses pedidos. A direção da Petrobrás informou também que a FUT (Fator de Utilização das Refinarias), que era de 79% no primeiro semestre deste ano, já estaria em 90%.
Especialistas, como o professor Ildo Sauer, da USP, e o ex-consultor legislativo, Paulo Cesar Lima, defendem que, para enfrentar o problema, a União tem que cobrar um imposto de exportação de petróleo. Segundo eles, somente com essa taxação já haveria um maior estímulo para que a produção se volte para o refino.
TAXAR EXPORTAÇÃO E CRIAR COLCHÃO DE ESTABILIZAÇÃO DOS PREÇOS
Em segundo lugar, haveria recursos suficientes para se implantar uma espécie de “colchão” para amortecer a volatilidade dos preços dos derivados no mercado internacional, o que permitiria a continuidade das importações, se necessário, sem pressionar a alta dos preços internos. Além de estabilizar os preços internamente, a criação de um imposto de exportação poderia também viabilizar o uso desses recursos na constituição de fundos destinados a projetos de desenvolvimento econômico e social do país.
O Planalto não tem dado ouvidos a essa solução. Pressiona apenas os estados e municípios a que contribuam com a redução dos preços abrindo mão de recursos obtidos com o ICMS dos combustíveis. Sem a taxação das exportações e o “colchão” de estabilização, de nada adiantará reduzir o ICMS porque os preços, pressionados pelos importadores, vão seguir subindo.
O fato é que as pressões da sociedade brasileira já lograram fazer a Petrobrás aumentar, mesmo que de maneira insuficiente, a produção de suas refinarias – de 79% para 90% – e a fazer um pequeno retardo nos repasses dos preços internacionais, gerando a citada defasagem de 17%. Essej aumento da produção da capacidade de refino, pela falta de investimentos anteriores do governo e o abandono das refinarias, não é suficientes para atender às demandas da sociedade.
ATUAL POLÍTICA DE PREÇOS LEVARÁ AO COLAPSO ECONÔMICO
Além disso, mesmo com 100% de produção nas refinarias, que têm uma capacidade de refino de 2,3 milhões de barris por dia, haveria necessidade de importações. O Brasil importa 33% do GLP utilizado pelos brasileiros, 23% do diesel consumido internamente e 11% da gasolina que abastece a frota nacional. Por conta cessa dependência, os importadores não param de pressionar pelo aumento dos preços.
A verdade é que o Brasil está num grande impasse. No curto prazo, dois caminhos podem ser seguidos. O primeiro é o governo ceder às pressões dos importadores e acelerar as altas dos preços dos combustíveis, opção, que parece ser a preferida do Planalto, mas que poderá provocar um colapso na economia do país.
A segunda, é a própria Petrobrás assumir as importações dos derivados e, de alguma maneira, administrar os preços internos.
A solução, no entanto, está na na taxação das exportações e na retomada dos investimentos no parque de refino nacional. Ao mesmo tempo, para superar a crise, deve haver a reversão dos planos de desinvestimento da Petrobrás e o fim das privatizações das subsidiárias e das refinarias brasileiras. Qual dos dois caminhos o governo vai seguir, ainda é uma incógnita. Mas, sendo Bolsonaro quem é, não parece que seguirá os cominhos que mais interessam ao Brasil.
SÉRGIO CRUZ