Após embolsar montanha de euros com pedágios, concessionária de rodovia e ponte “não gastou o que deveria na manutenção”, afirma ministro dos Transportes da Itália. Mortos já chegam a 39
A Atlantia, administradora privada da ponte Morandi, que desabou terça-feira (14) matando ao menos 40 pessoas em Gênova, lucrou “bilhões de euros com os pedágios mais caros da Europa”, mas “não gastou o dinheiro que deveria” na segurança e sua concessão deve ser revogada, declarou o ministro de Infraestrutura e Transportes da Itália, Danilo Toninelli. Arrecadam bilhões, pagam poucos milhões de impostos, e nem sequer fazem a manutenção necessária para as pontes e eixos viários”, acrescentou o ministro, para quem “os responsáveis por esta tragédia injustificável devem ser castigados”.
A montanha de euros amealhada pela Atlantia, que tem ramificações pelo mundo todo, não é uma figura de linguagem utilizada em momento de indignação. É fato. Somente no ano passado, a concessionária embolsou um lucro líquido de 1,17 bilhão de euros e um faturamento de 5,97 bilhões, que representaram um aumento de 4,5% e 8,9% , respectivamente, em relação a 2016.
A comoção causada pela tragédia fez com que o executivo italiano convocasse uma reunião extraordinária para Gênova. Afinal, a consternação aumenta com a tomada de consciência das pessoas de que qualquer um poderia ter sido vítima. Uma indignação diretamente proporcional ao descaso evidente com que o problema da falta de manutenção – e fiscalização – da ponte Morandi foi tratado ao longo dos anos, particularmente diante da visível deterioração estrutural e da falta de condições para suportar o aumento de intensidade do tráfego.
COLAPSO DAS JUNTAS
Em documento oficial, datado de 28 de abril de 2016, o então senador Maurizio Rossi havia alertado ao governo que parte da estrutura do viaduto estava cedendo e precisava passar por procedimentos de manutenção. “Recentemente, a ponte foi objeto de um colapso preocupante das juntas, que exigiram um extraordinário trabalho de manutenção sem o qual o risco de fechamento é concreto. Se é verdade que a ponte Morandi, dadas as críticas condições atuais, poderia ser fechada, pelo menos para o tráfego pesado, dentro de alguns anos jogaria a cidade em caos total”, destacou Rossi. Após o senador ter protocolado a denúncia, a rodovia passou por “reformas” cosméticas, cujas gambiarras ficaram mais do que evidentes.
Diante das absurdas falhas estruturais, que logo iriam cobrar seu elevado preço, o professor Antonio Brencich, da Faculdade de Engenharia da Universidade de Gênova, também havia se pronunciado: “Mais cedo ou mais tarde, terá que ser substituída. Eu não sei quando. Mas haverá um tempo em que o custo de manutenção será maior do que o de substituição”. Não bastasse ignorar solenemente os alertas, a empresa foi além, alegou que “o monitoramento e a manutenção realizados têm como base os melhores padrões internacionais”.
Pressionado pela população, o primeiro-ministro Giuseppe Conte afirmou que além do Estado já ter iniciado os procedimentos para a cassação da concessão da Atlantia, responsável pela autopista A10 e pela ponte Morandi, a empresa deverá ser multada em 150 milhões de euros. “É uma ferida grave para Gênova e para toda a Itália. Temos o direito de viajar seguros”, ressaltou.
Em seu último informe, a Prefeitura da cidade informou que há três crianças entre os mortos e que 12 dos 16 feridos se encontram em estado grave. Pelo menos 30 automóveis e três caminhões pesados estavam na parte de 200 metros – e 45 metros de altura – que desabou. Uma grande parte da estrutura despencou no leito do córrego Polcevera, mas trechos imensos caíram sobre residências e galpões, deixando cerca de 650 pessoas sem moradia.
ESCOMBROS
Centenas de bombeiros e socorristas continuam buscando sobreviventes embaixo dos escombros, o que possibilitou que pelo menos quatro pessoas fossem resgatadas com vida. A administração municipal decretou dois dias de luto oficial.
Não se sabe até o momento o que teria causado o colapso da construção dos anos 60 – que atravessa uma área densamente habitada – por onde passa a rodovia A10, que liga pela costa mediterrânea as cidades no Norte da Itália ao Sul da França.
Para o ministro do Interior, Matteo Salvini, “uma companhia como a que maneja esta parte da rodovia, que gera bilhões de lucros, deve explicar aos italianos porque não fez todo o possível para reinvestir uma parte deste lucro em segurança”.
O cartel que tem a concessão da ponte Morandi – e tem como acionista a Benetton – administra mais de 5 mil quilômetros de estradas, sobretudo na Itália, onde abocanha 51% da rede, incluindo o eixo Milão-Bolonha-Florença-Roma-Nápoles, também atua no Brasil, no Chile e na Espanha. Em nosso país, integra, junto com o grupo Bertin, a joint venture AB Concessões S/A, que administra mais de 1.500 quilômetros de rodovias, sendo “responsável” pelas concessionárias Triângulo do Sol (100%), Rodovias das Colinas (100%) e Rodovias do Tietê (50%), em São Paulo, e a Nascentes das Gerais (100%), em Minas Gerais.
Mais recentemente, a Atlantia se uniu à multinacional Hochtief-ACS (Alemanha-Espanha) para abocanhar por 18,2 bilhões de euros a concorrente espanhola Abertis, autoproclamada “a primeira concessionária de rodovias” do mundo, com mais de 8.600 quilômetros em 15 países.
Herdeira do grupo público Autostrade SpA, privatizado em 1999, a Atlantia se tornou em março a primeira acionista do Getlink (ex-Eurotúnel), que administra o túnel submarino que atravessa o Canal da Mancha. O cartel rodoviário também tem forte presença no setor aéreo com os dois aeroportos de Roma, o de Fiumicino e o Ciampino, por onde passaram 47 milhões de passageiros em 2017.
Conforme o ministro Danilo Toninelli, “se não são capazes de gerir nossas rodovias, o fará o Estado”. “Não haverá mais acordos que beneficiem gestores privados em detrimento do Estado”, concluiu.
LEONARDO SEVERO