13 milhões e 200 mil estão sem emprego
Na quarta-feira, em seminário promovido por “O Globo” – com a presença da senhorita Leitão e do acadêmico Merval Pereira – o boy de Meirelles que ocupa o Ministério
do Planejamento (como é o nome dele?), declarou que “o que está acontecendo claramente é o início de um processo de crescimento”, mas, para que ele se “transforme em um longo ciclo de crescimento sustentado”, é preciso assaltar a Previdência e despojar os trabalhadores de suas aposentadorias.
No mesmo dia, o IBGE divulgou a Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio Contínua (PNAD Contínua) de 2017. Segundo o IBGE, “em consequência do aumento expressivo ocorrido no contingente de desocupados, de 2016 para 2017, a taxa de desocupação no País passou de 11,5% em 2016, para 12,7% em 2017, sendo a maior da série histórica da pesquisa”, isto é, a maior desde 2012, quando começou a série da PNAD Contínua.
E, mais:
“A pesquisa mostrou que em três anos (de 2014 para 2017) o contingente de desocupados passou de 6,7 para 13,2 milhões, ou seja, aumentou em 6,5 milhões, quase dobrou (96,2%) nesse período. (…). No confronto do ano de 2017 com o ano anterior, verificou-se aumento de 1,5 milhão no contingente de desocupados” (cf. IBGE, PNAD Contínua, “Principais destaques da evolução do mercado de trabalho no Brasil 2012-2017”, 31/01/2018, grifos nossos).
Há muito o economista inglês John Maynard Keynes afirmou que não existe recuperação econômica sem recuperação do emprego – e, até mesmo, que o principal objetivo de uma política de recuperação da economia era a recuperação do emprego.
A rigor, é preciso ser um imbecil e um vigarista – ou seja, um neoliberal – para discordar de algo tão óbvio (afinal, se a economia é a associação entre os seres humanos para sobreviver, para produzir, como seria possível que o emprego – a forma sob a qual aparece o trabalho em sociedades como a nossa – não fosse o seu elemento central?).
Porém, não se trata, aqui, de uma questão teórica.
Quando tudo contraria aquilo que dizem certos governos, certa mídia, e até certos números, cuja significação não vai além de um mês ou alguns meses (como dizia o presidente Itamar Franco, os números não mentem, mas os mentirosos fabricam números); quando a nossa sensibilidade, o nosso sentimento e percepção da realidade, chocam-se com aquilo que querem nos impingir; o mais certo é que esses governos, essa mídia e essa manipulação dos números estejam errados e o nosso sentimento, a nossa sensibilidade, a nossa percepção estejam certas.
Resumindo, leitores: o mais provável é que estejam querendo nos tapear.
Por exemplo: não são as aposentadorias dos trabalhadores que impedem o Brasil de crescer. O que impede o nosso crescimento é a política de roubo, recessão e privilégios aos monopólios financeiros, sobretudo os estrangeiros, de Meirelles e Temer, esse esticamento dissoluto da política de Dilma e do PT.
As aposentadorias, pelo contrário, estão impedindo o país de despencar mais ainda no abismo. Elas são a base da economia da maioria dos municípios brasileiros: de cada três cidades brasileiras, em duas os benefícios do INSS superam as transferências do FPM [Fundo de Participação dos Muinicípios]. Em 4.589 municípios (82,4% do total), os pagamentos da Previdência superam a arre- cadação (Álvaro Sólon de França, “A Previdência Social e a Economia dos Municípios”, 6ª edição revisada e atualizada, ANFIP, 2011, pp. 23 e 245).
Toda a conversa de Meirelles e Temer – e de certa mídia – sobre a sensacional “recuperação” da economia, é mera fumaça para atacar a Previdência. Com essa política de pilhagem, destruição e morte, não há recuperação possível – se existe alguém (por exemplo, no empresariado) disposto a se iludir, depois não diga que não avisamos. Não é a Previdência, mas a política de Temer e Meirelles que impedem o crescimento do país.
Aliás, é isso o que demonstram os resultados do IBGE.
Eles confirmam o sentimento de todos e a simples visão da realidade: aquela que se expressa abaixo dos viadutos, na indigência tornada multidão, nos revolvedores de sacos de lixo – e, também, nos fantasmas que consomem crack, nas gangues do tráfico, no pulular faminto de novas prostitutas.
Porém, antes de tudo, a situação do país se expressa naqueles que não desistiram, que encompridam, às centenas, as filas para qualquer oferta de meia dúzia de empregos; ou aqueles que vendem alho – ou seja o que for – na rua; ou aqueles que saem cedo de casa, à procura de qualquer serviço.
Essa gente, em meio a essa aspereza, com um governo de ladrões, com a Saúde pública e a Educação pública aos pedaços, sem emprego e sem dinheiro, cuida dos filhos e, mesmo à beira da fome – alguns dias, além da divisa da fome – esforça-se por dar a eles a noção do que é certo e do que é errado, do que é bom e do que é mau, essa gente faz parte do que há de melhor e mais sublime neste país.
Disse o débil mental do Planejamento que é preciso assaltar a Previdência – sabe-se o que é a “reforma” deles – para que o Brasil cresça “sustentado”.
Talvez ele estivesse falando da Cristiane Brasil, de tão inadequado sobrenome, mas não do Brasil.
O maior ciclo de crescimento da História do Brasil ocorreu de 1930 a 1980, quando o país cresceu a uma taxa média anual de 6,7% – em vários anos, mais de 10% (cf. IBGE, “Século XX nas contas nacionais” in “Estatísticas do Século XX”, Rio, 2006).
Durante 50 anos, crescemos a uma taxa (média) de +6,7% ao ano, devido – ainda que não exclusivamente – às leis trabalhistas e previdenciárias, que expandiram o mercado interno, a bem dizer, criaram um mercado interno que antes não existia.
Os direitos dos trabalhadores – os direitos do povo – não são apenas uma questão de justiça social. Eles têm uma função econômica, eles são essenciais para o crescimento do país. Aliás, pode-se dizer que eles somente são uma questão de justiça enquanto têm a função de estimular o crescimento. Como seria possível ser justo, socialmente, sem crescer? Com exceção da senhora Rousseff, que descobriu que o crescimento do PIB não é importante – com resultados maravilhosos – até hoje não se conseguiu fazer tal mágica.
O atoleiro atual é devido, precisamente, a uma política de desemprego (de 2014 a 2017, a média anual de “desocupados” passou de 6,7 milhões para 13,2 milhões, ou seja, houve 6,5 milhões de desempregados a mais), de destruição das empresas nacionais, para desviar uma parcela maior do produto ao setor financeiro.
É evidente que eliminar os direitos previdenciários e trabalhistas somente pode conduzir ao achatamento – maior e mais brutal ainda que o atual – do mercado interno, portanto, a um país estagnado – ou, mais exatamente, em aberta regressão para a selvageria e a escravidão.
Não há como fazer o Brasil crescer com base na escravidão – com base no fim de qualquer mercado para as empresas nacionais. Aliás, já em meados do século XIX, há 160 anos, já não era mais possível.
CARLOS LOPES