O Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV) apresentou dados mostrando que a renda média domiciliar dos brasileiros está em queda livre. No primeiro trimestre de 2021, período em que a variação de 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB) em relação ao trimestre anterior foi motivo de alvoroço, a renda média domiciliar per capita dos brasileiros caiu 10% em relação ao mesmo período de 2020 – o quarto trimestre consecutivo de queda na renda.
O levantamento do pesquisador Daniel Duque mostrou que a renda média domiciliar per capita caiu de R$ 1.185 no primeiro trimestre do ano passado, para R$ 1.065 neste início de ano. Isso depois de consecutivas retrações de 12% no segundo trimestre de 2020 e de 11% nos terceiro e quarto trimestre, todos comparados com idêntico período do ano anterior.
É por isso que a variação positiva de 1,2% no PIB no trimestre, praticamente pautada pela exportação de produtos primários, não é nenhum reflexo da recuperação da economia interna. O consumo das famílias, um dos maiores motores da economia, caiu 0,1%. Neste período, a taxa de desemprego do país medida pelo IBGE alcançou o recorde de 14,7% da população em idade de trabalhar – ou um total de 14,8 milhões de desempregados. Não são contabilizados os trabalhadores informais, que naturalmente ganham menos, mas que na pandemia tiveram que paralisar as suas atividades e viver com muito menos.
O levantamento do pesquisador do Ibre-FGV, realizado com base na Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) do IBGE, considera o rendimento efetivamente recebido pelas pessoas em todos os trabalhos por elas exercidos, ou seja, não contabiliza benefícios como o auxílio emergencial e bolsa-família.
Para os que conseguiram manter seus empregos formais, a compressão da renda também é uma realidade. Segundo o boletim Salariômetro da Fipe-USP, de janeiro a abril deste ano, 61,6% das negociações salarias coletivas entre patrões e empregados resultaram em reajustes abaixo da inflação.
“Como há muitas pessoas procurando emprego, isso diminui as pressões salariais”, observa Duque. “Há também o fato de que as empresas não estão reajustando salários acima da inflação pela própria situação delas, em decorrência da crise”.
Segundo o pesquisador, a alta inflação também é um fator importante que diz sobre as atuais condições de vida dos brasileiros, pois ao mesmo tempo em que os reajustes não alcançam a variação dos preços, ela corrói a renda já deprimida. Até março, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) – que mede a inflação para as famílias que recebem de um a 5 salários mínimos, havia acumulado alta de 6,94% em 12 meses. E a situação piorou nos meses seguintes, com o índice avançando para 8,90% até maio, conforme divulgado na quarta-feira (09) pelo IBGE.
Duque expressa uma preocupação com os efeitos de longo prazo desta quebradeira.
“Choques transitórios muito fortes, mesmo que durem um curto período de tempo, podem ter um impacto permanente, de modo que podemos ter um efeito de longo prazo, em que não vamos conseguir retomar, pelo menos não na velocidade esperada, a situação do mercado de trabalho da população mais afetada, que foram os informais e os mais vulneráveis em geral”, disse para reportagem do G1. “Isso deve fazer com que o salário médio caia ainda mais, provavelmente, e depois ainda fique estagnado por um tempo”, prevê.
O efeito disso já ficou evidente no PIB com a deterioração do consumo das famílias: além da queda de 0,1% sobre o trimestre anterior, houve recuo de 1,7% na comparação com o primeiro trimestre de 2020.
“Deve haver alguma melhora do consumo no segundo trimestre, devido à volta do auxílio emergencial. Mas depois disso, podemos voltar para uma situação negativa, com as famílias tendo um menor rendimento do trabalho, que pode resultar em uma desaceleração do crescimento no segundo semestre, acompanhada do aumento da inflação”.