O diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Ricardo Magnus Osório Galvão, afirmou, sábado, que Bolsonaro “tomou uma atitude pusilânime, covarde, de fazer uma declaração em público talvez esperando que peça demissão, mas eu não vou fazer isso. Eu espero que ele me chame a Brasília para eu explicar o dado e que ele tenha coragem de repetir, olhando frente a frente, nos meus olhos”.
Osório Galvão referia-se às declarações de Bolsonaro, no dia anterior, de que, “quanto ao Inpe eu tenho a convicção que os dados são mentirosos. Até mandei ver quem é o cara que está à frente do Inpe para vir explicar aqui em Brasília esses dados aí, que passaram para a imprensa. Até parece que ele está a serviço de alguma ONG, o que é muito comum”.
“O sr. Jair Bolsonaro”, disse o diretor do Inpe, “precisa entender que um presidente da República não pode falar em público, principalmente em uma entrevista coletiva para a imprensa, como se estivesse em uma conversa de botequim.
“Ele fez comentários impróprios e sem nenhum embasamento e fez ataques inaceitáveis não somente a mim, mas a pessoas que trabalham pela ciência desse País. Ele disse estar convicto de que os dados do Inpe são mentirosos. Mais do que ofensivo a mim, isso foi muito ofensivo à instituição.
“Eu sou um senhor de 71 anos, membro da Academia Brasileira de Ciências, não vou aceitar uma ofensa desse tipo. Ele que tenha coragem de, frente a frente, justificar o que ele está fazendo”, disse Osório Galvão.
O diretor do Inpe relatou a sua tentativa de explicar aos integrantes do governo Bolsonaro o trabalho da instituição quanto ao monitoramento do desmatamento:
“Eles nunca fizeram uma crítica objetiva apresentando dados. Eu entendia que o ministro Ricardo Salles fazia essas críticas por falta de conhecimento.
“Há três semanas mandei um ofício para o Ministério da Ciência e Tecnologia, falando que polêmicas não ajudavam em nada o Brasil, inclusive com relação à repercussão internacional, e propus ao ministro Marcos Pontes abrir um canal de comunicação com o ministro Ricardo Salles, com a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, com o general Augusto Heleno (ministro do Gabinete de Segurança Institucional), para explicar o que fazemos, oferecer ferramentas para entenderem melhor os nossos dados e tentar arrefecer esse clima de disputa que havia.
“Mandei para o ministro Marcos Pontes, mas acho que ele estava viajando. Porque quero tirar dessa polêmica algo que ele sempre declarou, que a questão (dos dados) do desmatamento da Amazônia é científica e não política e ele sempre demonstrou confiança nos dados do Inpe.
“Ao final da entrevista, fiquei mais chocado ainda, Bolsonaro teve a coragem de dizer que os ministros de Ciência anteriores não sabiam distinguir gravidez da lei da gravidade. Com isso ele atacou nomes de extremo prestígio na ciência nacional, como o ministro Renato Archer, o ministro José Israel Vargas, Sérgio Resende, talvez um dos cientistas mais destacados do País no mundo todo, e o Marco Antonio Raupp, que foi presidente da SBPC. Dizer que eles não sabem distinguir gravidez da lei da gravidade é um absurdo. É uma ofensa de botequim”.
À pergunta, do jornal “O Estado de S. Paulo”: “O presidente insinuou que o sr. poderia estar a serviço de ONGs. O que o senhor responde sobre isso?”, Osório Galvão respondeu:
“Como sou um cientista, não respondo. Um grande prêmio Nobel em Física uma vez falou que certas respostas não devem ser dadas porque são tão absurdas que não estão na natureza. Não vou responder e ele que me chame pessoalmente e tenha coragem de me dizer cara a cara isso”.
OS DADOS
Na quinta-feira (18/07), o monitoramento em tempo real do Inpe (sistema Deter-B) mostrou que o desmatamento nos primeiros 15 dias de julho era o segundo mais extenso, desde que esse monitoramento é feito (2015).
Houve um desmatamento de 981 km² na primeira metade de julho. Apenas um dia depois, 19h de sexta-feira, a área desmatada passara para 1.209 km², uma extensão inédita em um único mês, 102% maior que em julho do ano passado.
O diretor do Inpe comentou:
“O resultado deste mês de julho nos surpreendeu, mas o desmatamento da Amazônia é sempre mais intenso na época seca. Agora, naturalmente, o que aconteceu com declarações do presidente Bolsonaro, ainda na campanha e depois que assumiu, passaram uma mensagem de que não vai mais ter punição. Aí as pessoas estão reagindo com base nessa mensagem que ele claramente passou”.
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