“A UFN III, no Mato Grosso do Sul, foi interrompida com 81% de realização física e as outras nem seguiram em frente. Estavam vendendo aí como sucata o material que tinha sido comprado. O abandono total da Petrobrás pela área de fertilizantes”, denunciou Paulo Cesar Lima
O engenheiro Paulo César Ribeiro Lima, ex-consultor Legislativo da Câmara e do Senado, destacou, em audiência pública na Comissão de Assuntos Econômicos da Câmara dos Deputados realizada no dia 24 de maio sobre “Os impactos econômicos da dependência do Brasil da importação de fertilizantes e possíveis soluções”, que na década de 80, quando entrou na Petrobrás, a estatal era uma grande empresa de fertilizantes.
Ele destacou que há 42 anos na indústria de óleo e gás, “o Brasil tinha uma grande empresa de fertilizantes e fez grandes investimentos. O Sistema Petrobrás tinha a Petrofértil que tinha a Ultrafértil, a Nitrofértil, a Petromisa, que trabalhava na mineração com foco na silvinita”.
PETROMISA FOI FECHADA
“A Petromisa acabou indo para a Vale, mais precisamente para a Vale Fertilizantes, que acabou sendo empresa privada. A Ultrafértil foi privatizada, a Ansa (subsidiária de Petrobrás) foi privatizada, que era da Ultrafértil, e agora vamos esperar os investimentos privados, né? Nada, nada. E o pior de tudo é que o capital da Vale se tornou um capital internacional”, denunciou Lima.
“A Vale Fertilizantes não existe mais. A Vale Fertilizante foi vendida para a Mosaic Fertilizante, que também não investe nada. E a Mosaic Fertilizante traz o fertilizante de fora do Brasil. Ela não tem nenhum interesse em produzir fertilizante no Brasil. E nem a Vale teve, como a Petrobrás teve, porque tudo que foi feito foi pela Petrobrás. Inclusive tinha um grande projeto, que se chamava Projeto Carnalita em Sergipe, para produzir matéria prima para fertilizantes potássicos. Nada disso aconteceu. Investimento nenhum”, ressaltou o especialista na audiência.
“Depois passou-se por uma grande mudança que considerou a participação do Estado. O Estado voltou a investir. A Petrobrás realmente não tem muito interesse em potássio e fosfatados. O interesse dela é o fertilizante nitrogenado. Por quê? Quem tem nitrogênio, quem tem gás natural, tem fertilizante nitrogenado, e não precisa ser só gás natural”, explicou.
“O Brasil, grande produtor de tudo, era importante que ele investisse pelo menos investisse em fertilizantes nitrogenados. Os fosfatados e no potássio, eu nunca tive esperança na iniciativa privada, ela gosta muito de comprar ativo, de arrendar, mas investir?”, apontou o engenheiro.
“Então, o cenário mudou, com o anúncio da construção de três fábricas de fertilizantes nitrogenados: UFN III, IV e V. O Brasil poderia ser autossuficiente com essas três fábricas em 2020. O fato é que as três fábricas de fertilizantes, depois de um certo tempo, foram de certa forma abandonadas. A UFN III, no Mato Grosso do Sul, foi interrompida com 81% de realização física e as outras nem seguiram em frente. Estavam vendendo aí como sucata o material que tinha sido comprado. O abandono total da Petrobrás pela área de fertilizantes”, denunciou.
PETROBRÁS DESTRUÍDA
“Com a grande descoberta do Pré-sal no Brasil “que foi uma coisa fantástica, mas ao mesmo tempo uma coisa complicada, porque os poços do Pré-sal são os melhores poços do mundo. Não tem poço de 50, 60 mil barris na Arábia Saudita como a gente tem no Pré-sal, a Petrobrás passou a ter foco no pré-sal e está vendendo tudo”, enfatizou.
“A Petrobrás já está muito destruída. Foram R$ 263 bilhões de venda de ativos, sem licitação, com aval do TCU e do Supremo Tribunal Federal”, prosseguiu Paulo Cesar.
“Quem tem petróleo e tem gás, tem fertilizante nitrogenado. Nós temos gás. Pré-sal tem muito gás. A produção no Brasil aumentou muito. Nós somos hoje grandes produtores de gás. Nós estamos na faixa de 134 milhões de metros cúbicos de gás natural/dia. Serve para alguma coisa? Não”, afirmou.
“A Petrobrás já está muito destruída. Foram R$ 263 bilhões de venda de ativos, sem licitação, com aval do TCU e do Supremo Tribunal Federal”, prosseguiu Paulo Cesar.
“Nós estamos aproveitando no Brasil só 50 milhões. Então, o que é disponibilizado para a sociedade são só 50 milhões, gás nacional. Felizmente nós temos aqui a Bolívia, ou tínhamos, que fornecia 30 milhões, já ajudava, para quem estava com uma oferta interna de 50, mais 30 milhões. Mas a Bolívia agora está falando em 15 milhões. E o que está salvando um pouquinho o preço do gás no Brasil é a Bolívia, que está vendendo gás aqui, num contrato com Petrobrás, baixíssimo”, destacou.
Segundo Paulo César, o Brasil está pagando cerca de 5 dólares por milhão de BTU (unidade térmica britânica) e os bolivianos não estão concordando e já procuraram a Argentina. “Nós temos um contrato com a Petrobrás por alguns anos que vai ter 15 milhões, se não subir o preço”.
FIM DA PRODUÇÃO DE GÁS NATURAL LIQUEFEITO
O engenheiro criticou a saída da Petrobrás do gás natural. “No ano passado tivemos uma crise hídrica seríssima. Então vamos importar, importar dos Estados Unidos. Com gás no Pré-sal à vontade, vamos importar dos EUA. Importamos GNL”, denunciou.
“Felizmente para o consumidor brasileiro, a estiagem e a crise hídrica foram antes da crise lá na Ucrânia, porque lá nos EUA a gente estava numa faixa de 4 dólares por milhão de BTU e aí você entrava no processo de liquefação, de transporte de gás liquefeito para o Brasil. A Petrobrás fez investimentos em unidades de liquefação e revaporização do gás, mas também tudo arrendado. A Petrobrás já abriu mão de tudo. E vendeu gasoduto também. Petrobrás saiu do gás natural”, apontou o especialista.
“Então o que salvou em parte na crise hídrica foi o gás, em torno de 18 dólares por milhão do BTU o GNL”. Para o especialista, se não resolver a questão do gás, “não vamos ter gás barato no Brasil”.
“A Petrobrás fez investimentos em unidades de liquefação e revaporização do gás, mas também tudo arrendado. A Petrobrás já abriu mão de tudo. E vendeu gasoduto também. Petrobrás saiu do gás natural”
Antes do conflito, “o preço do gás no Brasil é mais de 10 vezes mais caro que o preço do gás natural na Rússia. O Brasil vai competir com a Rússia? Não. Argélia, Catar, China, Emirados Árabes, todos com gás muito barato e o Brasil não consegue competir. E é barato por quê? Porque quem controla é o Estado. Quem controla todo esse suprimento, e quem agradece são os empresários da Rússia, agradecem ao Estado, porque o Estado entrega um gás barato para eles, mas quando coloca lá na Europa, o gás vai para 20 dólares”, observou.
“A Europa não vai produzir fertilizante nitrogenado. Quem vai produzir fertilizante nitrogenado são os países onde o Estado atua e entrega para as empresas privadas de fertilizantes nitrogenados que vão vender para o mundo. E nós aqui querendo privatizar a Petrobrás, falar em competição, e aí começa… dá tristeza”, prosseguiu.
“No caso da Rússia, a Rússia tem uma empresa estatal, Graspon, a maior rede mundial de transporte, que engloba a produção, o processamento, o transporte e a estocagem, e entrega para as empresas russas e para o povo russo um gás muito barato”, sentenciou.
“No Brasil se aprova uma lei do gás, que é a Lei 14.134, recentemente aprovada em 2021, que proíbe a Petrobrás ou qualquer outra empresa produtora de transportar o gás por ela produzido. É a tal da desverticalização, a tal da concorrência”, apontou Paulo Cesar.
“Então”, prosseguiu o engenheiro, “a Petrobrás está proibida por lei. Ela tem que vender o gasoduto Brasil-Bolívia, porque ela já vendeu a NTS, a TAG, os gasodutos Sudeste, do Nordeste, do Norte. Essas empresas pagaram 5 bilhões pela NTS e 8 bilhões de dólares pela TAG. Essas empresas que pagaram 8 bilhões de dólares, elas vão ter que recuperar e recuperar em cima de quê? Da tarifa de transporte. Então, esquece transporte barato no Brasil. Não vai ter investimento em gasoduto, em gás, em nada”.
“A injeção no Pré-sal é altíssima, a maior parte do gás no pré-sal é injetado ao invés de ser disponibilizado para sociedade, ah, porque tem muito CO²”, alegam”, diz Paulo César, citando, por exemplo, o Campo de Libra, na Bacia de Santos. “É reinjeição total”.
REINJEÇÃO DE GÁS
“Então, surge uma oportunidade no Brasil, de se produzir gás por uma empresa privada, que é a Equinor [Opera o Campo de Bacalhau no Pré-sal com a ExxonMobil e a Petrogal]. Opa! Agora sim, Bacalhau não tem CO², então agora Bacalhau vai ser uma fontezinha”, ironiza o especialista.
“O que nós temos no Brasil – Rota 1, 2 e 3 – o 3 ainda não entrou em operação, mas vai entrar, tudo construído pela Petrobrás, o UPGN (Unidade de Processamento de Gás Natural) lá no Comperj, tudo investimento da Petrobrás, não tem nada da iniciativa privada. Então viabilizou. O Brasil não precisa de Rota 1,2 e 3… precisava de 4,5,6,7,8”, disse ele, sobre os gasodutos da Petrobrás.
“Quem sabe agora, tem Bacalhau, o gás de Bacalhau não tem CO². Nada. Já saiu aqui a aprovação do primeiro módulo de Bacalhau com reinjeição total! Então não adianta ter gás, se não tiver política pública, os problemas regulatórios no Brasil são gravíssimos e têm que reconhecer que a TAG e a NTS também eram uma mina de dinheiro para a Petrobrás”, afirmou Lima, sobre a venda dos gasodutos.
Para o ex-engenheiro da Petrobrás, “o cenário é o pior possível, de emergência”. A emergência, agora, seria a Petrobrás não vender mais. “Não vai vender mais a UFN III (Unidade de Fertilizantes III do Mato Grosso do Sul) e sim terminar agora, e pela Petrobrás. Não precisa achar que outra empresa vai fazer investimento aqui no Brasil. Por quê? Não tem gás barato, se tivesse gás barato elas viriam para cá. E o problema do gás não vai ser resolvido com essa mentalidade que nós temos no Brasil”.
ANSA – ARAUCÁRIA NITROGENADOS S.A. NO PARANÁ
“Outra coisa é a Ansa. A Ansa tem que voltar a operar urgentemente. Isso eu estou falando em fertilizantes nitrogenados porque tem a Petrobrás. Agora os outros projetos, esquece também. Isso vai demorar muito, e tem que ter Estado, porque se não tiver CPRM, não tiver Cetem, não tiver Embrapa, não vai ter tecnologia, não vai viabilizar nada para a empresa privada investir”, assinalou Paulo Cesar.
“Então, o cenário no Brasil é muito ruim. E o futuro? É péssimo. Se hoje nós estamos produzindo 134 milhões de BTU, nós vamos para 277, o que adianta produzir 277 milhões de gás? Nada. Se não tiver a Rota 2,3,4,5, 6, esse gás vai ser injetado no reservatório, não vai ser disponibilizado para a sociedade”.
“Então, o cenário no Brasil é muito ruim. E o futuro? É péssimo. Se hoje nós estamos produzindo 134 milhões de BTU, nós vamos para 277, o que adianta produzir 277 milhões de gás? Nada. Se não tiver a Rota 2,3,4,5, 6, esse gás vai ser injetado no reservatório, não vai ser disponibilizado para a sociedade”
“Uma coisa é a produção de gás, o Brasil é grande produtor de gás, outra coisa é oferta, oferta, não. E o GNL é caríssimo. O negócio ficou tão dramático lá fora que o preço do gás subiu muito. E fertilizante nitrogenado, gás e produção de ureia é uma relação linear. Se o gás está caro, eles vão vender fertilizantes caros. De certa forma o que era um absurdo no Brasil, ficou caro no mundo inteiro”, ressalta.
“O preço do gás natural para as famílias, o do Brasil é o mais alto do mundo. É disparado o mais alto do mundo. O Brasil é o país mais rico do mundo em recursos naturais […}, mas a Petrobrás mudou o foco só pensa em pré-sal e está sendo destruída”, enfatizou.
TRANSFERÊNCIA DE ATIVOS E DE RENDA PARA O ESTRANGEIRO
“Essa venda de ativos, essa transferência de ativos do Brasil para investidores internacionais, porque os estrangeiros, têm 44%, 45% do capital social. Então você vende um ativo aqui e transfere para o americano, porque você tem um lucro de R$ 44,5 bilhões e distribui de dividendos R$ 48 bilhões. É transferência de ativos, transferência de renda, de coisa que foi construída – e que eu ajudei a construir na Petrobrás – você vende e entrega para acionista estrangeiro e a Petrobrás não investe. Para onde é que estaria indo este dividendo? Lá para o terminal de fertilizante III, para continuar o projeto da IV e da V lá em Uberaba e em Linhares, tinha que estar indo para Ansa, porque também não é simples pegar a Ansa e voltar a operar. Tudo isso exige muito esforço. Então o cenário é muito ruim e a gente espera que o Estado volte a ser importante neste país, que passe essa onda de que o mercado vai resolver”, afirmou Paulo Cesar.
“Estava analisando a refinaria da Bahia, o diesel importado estava a 6,03, o da refinaria privatizada estava 5,46, e o da Petrobrás estava 4,91. A da Petrobrás ainda está mais barata do que a refinaria privatizada e a importada, você vê a importância da Petrobrás. E tem mais, tudo monopólio: vende o terminal, os dutos, a refinaria, ninguém entra na Bahia. A Acelen, diga-se de passagem é de um fundo estatal Mubadala dos Emirados Árabes, que comprou o monopólio regional”, denunciou.
MONOPÓLIO PRIVADO JOGA OS PREÇOS PARA CIMA
“Eu que trabalhei na Petrobrás, e sei como a Petrobrás construiu seus ativos, ela não construiu para competir. Na Bahia, tudo foi feito para atender o mercado da Bahia. Então é tudo monopólio regional. E vem o Cade, TCU, o governo, falar em competição, que vai baixar, eles estão caminhando para preço de paridade de importação. Então isso não existe em lugar nenhum do mundo”, observou o ex-engenheiro da Petrobrás.
“O Brasil já é grande exportador de petróleo, já está exportando 46% do petróleo produzido aqui. Um paraíso fiscal para as empresas. A Shell está no paraíso fiscal aqui. Em 2018, 2019, 2020, ela deu prejuízo nos melhores campos do pré-sal, mas a nossa legislação do imposto de renda é a pior do mundo, que é a Lei 3586. Também taxar a exportação de petróleo bruto é proibido, não pode nem falar”, acrescentou.
“Sobre o dividendo da Petrobrás para baratear o preço do combustível, também sou contrário a opinião do senador João Paul Prates, por quê? Porque as empresas no Brasil elas são intocadas. Aqui você pega os dividendos que já são baixos, porque a União e entes federais estão com 36,61% só desses dividendos, aí você pega esse dividendos garante o preço de paridade internacional, o custo de importação, a referência do mercado, com os dividendos que são recursos públicos. Não, você tem que criar uma fonte nova de receitas, criar um imposto de exportação de petróleo bruto, eu concordo, mas o projeto como saiu daqui, sou contrário”, afirmou Paulo Cesar.
“E também quero fazer uma crítica à oposição, porque quando foi aprovada essa famigerada lei do gás, obrigando a Petrobrás, agora legalmente, a vender tudo, não poder ser transportadora, mas cadê a oposição? Isso não existe em lugar nenhum do mundo. Lá nos Estados Unidos, as empresas de petróleo podem investir em gasodutos, a Exxon lá investe em gasoduto. Aqui não, aqui é proibido”, disse.
“Enquanto o mundo inteiro produz petróleo, produz gás, a população, grandes empresas, o Estado, o setor privado se beneficiando, aqui está todo mundo se lascando. O povo brasileiro que é dono do gás, que é dono do petróleo, que tinha que se beneficiar pela alta do petróleo, é o que mais sofre. E as empresas são intocadas”, avaliou o especialista.
Gostaria de receber o contato do Eng. Paulo Cesar
Enviaremos para você o contato do engenheiro Paulo César. A demora foi porque pedimos permissão a ele para fazê-lo.