
Líderes bolsonaristas estão pressionando o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), e articulam a construção de um cenário favorável para tentar agendar o projeto de lei da “anistia” ou, melhor, “projeto da impunidade”.
A proposta é para beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que liderou a trama golpista e hoje está em prisão preventiva domiciliar. Esse movimento é capitaneado pela oposição, que insiste, há mais de um ano, na votação do projeto.
PRESSÃO EXISTE
O líder do PT na Câmara, deputado Lindbergh Farias (RJ), denunciou a articulação bolsonarista. “Tem uma construção para pauta [a anistia] depois do julgamento. Existe esse movimento, essa articulação, essa pressão muito grande”, declarou na chegada à sessão de julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta terça-feira à tarde.
“Estão construindo, à luz do dia, as condições para votar depois do julgamento, com participação do governador de São Paulo e movimentações dos grandes partidos”, reconheceu. “É uma desmoralização”, condenou.
ANISTIA
Então presidente da Câmara, Arthur Lira impediu a votação da anistia na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) e determinou que o projeto fosse discutido em comissão especial, o que inviabilizou a iniciativa para dar sobrevida aos golpistas.
Lira agiu para interromper o andamento do projeto e entregou a polêmica para o herdeiro dele na Casa, o deputado Hugo Motta, indicado por ele para a presidência da Câmara.
Hugo, todavia, assumiu a frente da Casa, sem se comprometer em colocar a anistia para votação, e as cobranças começaram a recair sobre ele sempre que avançava a ação contra Bolsonaro no STF.
A apresentação da denúncia da PGR (Procuradoria-Geral da República), os interrogatórios dos réus e as alegações finais do procurador Paulo Gonet Branco impulsionaram novamente o desespero da oposição.
MOTIM NO CONGRESSO
A pressão atingiu o ápice em agosto com o motim realizado pelos bolsonaristas, que obstruíram as mesas diretora da Câmara e do Senado e impediram, por 34 horas, as votações nos plenários de ambas as casas legislativas.
Nesse motim, que durou 34 horas, os parlamentares impediram que sessões acontecessem. Para liberar o plenário, eles exigiam que Hugo Motta se comprometesse a colocar a anistia em votação, como também a PEC (proposta de emenda à Constituição) da blindagem ou da impunidade.
Motta não assumiu o compromisso, mas o acordo foi supostamente costurado por Arthur Lira e o líder do PL, deputado Sóstenes Cavalcante (RJ)
O início do julgamento de Bolsonaro no Supremo intensificou as cobranças da oposição pela anistia.
O momento coincide com o desembarque do União Brasil e PP do governo Lula (PT), antecipando, assim, as posições que esses partidos terão na próxima eleição presidencial.
Esses partidos que estão a serviço de Bolsonaro e dos golpistas, têm até costurado possíveis nomes para atuar como relator da anistia no plenário. A intenção é que o cargo seja ocupado por nome do centrão, preferencialmente do União Brasil ou PP — partidos unidos em federação.
“PRECISA COMBINAR”
Mas a concretização ou efetivação dessa pauta não depende só da Câmara dos Deputados. O Senado Federal também precisaria entrar nessa seara, já que se trata de projeto de lei, que precisaria passar pela chamada “casa revisora”, cujo presidente, Davi Alcolumbre (União-AP), antecipou posição que a matéria não terá prioridade.
Entre os especialistas em direito, há, praticamente, um consenso: a anistia, prevista na Constituição Federal por iniciativa do Poder Legislativo, não cabe quando se trata de crime cometido contra a democracia e o estado de direito, pois o próprio parlamento, elemento chave do sistema democrático, estaria concedendo perdão aos que tentaram matar o fundamento de sua própria existência enquanto poder republicano.
Portanto, na hipótese, hoje remota, de aprovação da matéria pela oposição bolsonarista, nas duas casas do Congresso Nacional, certamente, o STF, guardião da Carta Magna, declararia a sua inconstitucionalidade.
Além do mais, a “anistia”, nesse caso, representaria um prêmio aos que atentaram contra a democracia e um estímulo à impunidade, como bem denunciou o procurador geral da República, Paulo Gonet, na peça acusatória que apresentou hoje na primeira turma do STF durante o julgamento de Bolsonaro e outros sete réus da trama golpista.
A anistia, prevista na Constituição Cidadã de 1988, portanto, tem uma fronteira, o sistema democrático, baseado na independência dos poderes republicanos, no voto livre e universal, na soberania popular e na soberania nacional, fundamentos que o bolsonarismo, desde que seu chefe maior assumiu o poder central do país, vilipendia, doentia e permanentemente, até os dias de hoje.