(HP 02/12/2015)
CARLOS LOPES
Enquanto a mudança do vento fazia com que o mar de lama, originário do desastre provocado pela Samarco em Mariana, até então indo para o litoral norte do Espírito Santo, mudasse a direção para o sul do Estado, atingindo Aracruz, a senhora Rousseff, em Paris, no dia 30, atribuía tudo à “ação irresponsável de uma empresa”.
Dilma levou 25 dias para chegar a essa conclusão e preferiu expressá-la bem longe do Brasil, sem se referir a quem deveria estar fiscalizando a ação da Samarco – mas não estava – ou ao fato de que o Ministério do Meio Ambiente deixou de existir. Aliás, no governo Dilma, nunca existiu.
É impossível não concordar com o ambientalista Leonardo Sakamoto em que Dilma, ao finalmente falar do problema, “tirou o corpo fora”:
“A responsabilidade da Samarco (=Vale + BHP) é clara e, se a Justiça for feita, as empresas terão que bancar até o banho e tosa dos cachorros que foram cobertos de lama no caminho dos rejeitos até o oceano Atlântico. Mas isso não significa que Dilma possa fazer a egípcia e ignorar que o modelo de desenvolvimento que ela e o partido que está no poder defendem também são responsáveis pela situação. (…) enquanto governo federal e oposição vomitam discursos pré-fabricados e hipócritas de choque diante de uma realidade de Casa da Mãe Joana que ambos ajudaram a instalar no meio ambiente brasileiro, a onda de lama mudou completamente a vida em Minas Gerais e no Espírito Santo”.
Nós diríamos, apenas, que esse é um modelo que nada tem a ver com o desenvolvimento nacional, mas com a depredação do país, com a tentativa de transformá-lo numa imensa colônia habitada por escravos famintos, saqueada permanentemente em seus recursos naturais – ou até que eles se esgotem.
Mas é inegável a Casa da Mãe Joana que Sakamoto apontou.
Há 17 anos, o valor das multas por delitos ambientais não é reajustado. É isso que explica o valor irrisório das multas aplicadas à Samarco. Não é um problema legal, pois a lei prevê o reajuste das multas. É um problema do governo, que nunca o fez.
No dia 30, finalmente, o juiz Michel Curi e Silva, da 2ª Vara da Fazenda Púbica e Autarquias de Belo Horizonte, determinou que a Samarco deposite R$ 1 bilhão – ou apresentar bens nesse valor – como caução para garantir a reparação dos danos provocados pelo rompimento da Barragem do Fundão.
O juiz Curi e Silva também decidiu que a Samarco é obrigada a garantir o fornecimento de água nos municípios de Belo Oriente, Periquito, Alpercata, Governador Valadares, Tumiritinga, Galileia, Resplendor, Itueta e Aimorés e monitorar a qualidade da água do Rio Doce e afluentes.
Antes, o juiz Frederico Esteves Duarte Gonçalves, de Mariana, ao bloquear R$ 300 milhões na conta da Samarco, para ressarcimento das vítimas do rompimento da barragem do Fundão, descobrira que a conta fora esvaziada: havia apenas R$ 8 milhões de um total de R$ 2 bilhões que antes fora registrado. Escreveu o juiz em sua sentença:
“A requerida (Samarco) vem adotando estratégia jurídica indigna e deliberada de, como se fosse o botequim da esquina, não cumprir o mandamento judicial. Em outras palavras e em português claro: a requerida sumiu com o dinheiro.”
A Samarco requereu o fim do bloqueio de R$ 300 milhões, mas o juiz Duarte Gonçalves negou o pedido.
A completa falta de vergonha tem sido, aliás, a marca tanto da Samarco quanto de suas controladoras – e parece que há muito tempo.
No último Relatório de Sustentabilidade da Vale – com a multinacional australiana BHP Billiton, controladora da Samarco – diz seu atual presidente, Murilo Ferreira: “Os constantes desafios associados à competitividade na indústria da mineração reforçam a importância de atuarmos com sentimento de dono, cuidando da Vale com o mesmo zelo que dispensamos a nossos bens pessoais”.
Não pense o leitor que isso é uma confissão de crime. Não. Explica Ferreira que, graças a tratar o que é dos outros como se fosse seu, “conduzimos uma estratégia de negócio marcada pela solidez e pautada por relações éticas, paixão pelas pessoas e pelo planeta”.
Depois de congratular-se por ter baixado os gastos da Vale (“redução de US$ 1,2 bilhão em despesas no ano”) e pelos “recordes de produção em minério de ferro, cobre e ouro, e a melhor marca em níquel desde 2008”, o presidente da Vale chega à sua verdadeira razão de ser:
“Tais conquistas são muito relevantes, mas nada se compara ao valor que damos à vida. Continuamos investindo na prevenção, com o objetivo de minimizar riscos à segurança dos que aqui trabalham, e incentivamos a prática do Cuidado Ativo Genuíno, o que significa cuidar de si próprio, do outro e permitir que os outros cuidem de nós. (…) Continuaremos na busca permanente e incansável pela preservação da vida. Acredito que é essencial também promovermos o diálogo com as comunidades próximas aos nossos empreendimentos, assim como gerenciar e mitigar os impactos ambientais e sociais das operações”.
O homem é um filantropo, um humanista daqueles de botar o dr. Albert Schweitzer no chinelo…