
“Foi uma reação impensada, de fato, mas tomada diante de um ato de terrorismo policial, sem que haja qualquer evidência de desvio em sua conduta”, diz a defesa. O senador bem que tentou esconder a “evidência”. Mas, ela apareceu, segundo relato do delegado da PF, como “um volume retangular na parte traseira de sua vestimenta”
O senador por Roraima, Chico Rodrigues (DEM-RR), vice-líder do governo Bolsonaro, ficou alguns dias matutando sobre que desculpa daria aos outros senadores para o flagrante da Polícia Federal que achou 33 mil reais em sua casa sendo 15 mil em notas escondidas dentro de sua cueca, mais precisamente entre as suas nádegas.
A descoberta escatológica ocorreu numa ação de busca e apreensão da PF na residência do senador em Boa Vista, na quarta-feira (14), durante a “Operação Desvid” contra desvios de verbas destinadas ao combate à pandemia do coronavírus no estado de Roraima.
Nesta segunda-feira (19), depois do longo silêncio, apareceu a versão para o “depósito”. O senador disse que o dinheiro escondido dentro de sua cueca era para o pagamento dos seus funcionários.
A nota, divulgada pela defesa de Chico Rodrigues, explicou que ele guardou o dinheiro ali sem “pensar”. Assim, como quem não quer nada, ele enfiou o dinheiro ali. Ou melhor, assim que ele viu a polícia chegar. “Foi uma reação impensada, de fato, mas tomada diante de um ato de terrorismo policial, sem que haja qualquer evidência de desvio em sua conduta”, diz a nota.
Realmente, o senador bem que tentou esconder a “evidência do desvio em sua conduta”. Mas, para desconsolo do parlamentar, ela teimou em aparecer. E apareceu, segundo relato do delegado da PF que fazia a busca e apreensão, como “um volume retangular na parte traseira da vestimenta do senador”.
Quando percebeu que tinham descoberto seu “esconderijo”, o senador pediu para ir ao banheiro. O delegado autorizou, mas disse que iria junto. Neste momento os policiais fizeram a primeira revista. O senador bolsonarista, que, junto com o “mito”, se vangloriava de ser um defensor da moralidade e dos bons costumes, perdeu as estribeiras.
Vejam os detalhes:
“Ao fazer a busca pessoal no Senador Chico Rodrigues, num primeiro momento, foi encontrado no interior de sua cueca, próximo às suas nádegas, maços de dinheiro que totalizaram a quantia de R$ 15.000,00. Já na sala de sua residência, onde se concentravam os trabalhos cartorários dessa equipe policial, o Senador foi indagado se havia consigo mais alguma quantia de valores em espécie”, descreveu o policial.

“Num segundo momento, diante do precedente que se apresentava, a equipe realizou novo registro em vídeo do momento em que a autoridade policial, o Senador e seu advogado se dirigem a uma sala reservada e lá a autoridade solicita ao Senador que retire todas as demais cédulas eventualmente ainda ocultas em seu corpo. Nesse momento, o Senador retira parcialmente sua roupa, deixando à mostra e visíveis ao espectador as partes íntimas do seu corpo e termina a retirada das últimas cédulas de dinheiro”, descreveram os investigadores.
“Ao ser indagado pela terceira vez, com bastante raiva, o Senador Chico Rodrigues enfiou a mão em sua cueca, e sacou outros maços de dinheiro, que totalizaram a quantia de R$ 17.900,00. Desta forma, considerando que o Senador Chico Rodrigues, insistentemente, ocultava valores em suas vestes íntimas, esta equipe policial efetuou uma nova busca pessoal, oportunidade em que foram localizados, em sua cueca, a quantia de R$ 250,00″, completou a PF em seu relatório ao Supremo Tribunal Federal.
Os advogados Ticiano Figueiredo e Pedro Ivo Velloso seguiram as ordens do cliente e alegaram que “em 30 anos de vida pública, o senador nunca sofreu uma condenação, e agora está sendo linchado por ter guardado seu próprio dinheiro”. Eles só não explicaram porque ele escolheu um lugar tão estranho para guardá-lo.
É certo que, se o senador, que chegou a ser cassado quando era governador de Roraima, conseguiu escapar de alguns processos envolvendo plantações fantasmas de café na região e de projetos fraudulentos de criação de carneiros no estado, que receberam verbas e nunca existiram, mas, desta vez, o flagrante da cueca foi arrasador.
Rodrigues teve seu mandato como governador cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral de Roraima (TRE-RR) por suspeita de gasto ilícito na campanha de 2010, quando concorreu como vice-governador.
Em 2006, quando ainda era deputado federal, Chico Rodrigues deu golpes típicos do bolsonarismo. Apresentou outros gastos como se fossem de combustível para receber ressarcimento da Câmara. O esquema ficou conhecido como Farra dos Combustíveis. Deve ser desse tempo sua amizade com Bolsonaro.
Na nota os advogados disseram que o dinheiro encontrado na casa do senador “é limpo”. Difícil vai ser convencer alguém disso.
E, para a PF, não há dúvida de que o senador cometeu crime. Ela considerou que a tentativa do senador de esconder dinheiro na cueca configurou “potencial ocorrência do crime de embaraço a investigação de infração penal que envolva organização criminosa”.
“Caso o investigado não titularizasse o mandato de Senador da República, dúvida não haveria acerca da sua imediata prisão em flagrante”, registrou o delegado responsável ao pedir a segregação cautelar de Chico ao ministro Luiz Roberto Barroso. O ministro do STF, no entanto, acolheu apenas o pedido de afastamento do parlamentar.
Apesar das negativas e de jurar que “jamais desviaria dinheiro público” e que não é “chefe de uma organização criminosa”, a PF está convencida de que a atitude do senador é de quem tem crime no cartório e chefia os salteadores do erário.
Ele tentou argumentar ainda que “nenhum centavo” das suas emendas parlamentares foi “sequer licitado”. As investigações da PF apontam, porém, em sentido contrário. Elas apontam que o senador tem envolvimento no desvio de recursos destinados ao combate ao coronavírus.
A Polícia Federal descobriu que o governo de Roraima firmou contrato com a empresa Quantum Empreendimentos em Saúde no valor de R$ 3,2 milhões para aquisição de kits de detecção da Covid-19. De acordo com a PF, cada kit custou R$ 161, gerando um sobrepreço no contrato no valor de R$ 956 mil, com base em preços médios praticados no mesmo período no Amazonas, Paraíba e Mato Grosso.
Coincidentemente, a Quantum tinha como representante Jean Frank Padilha Lobato, apontado pela Polícia Federal como “operador” do senador Chico Rodrigues em uma outra investigação, relacionada a desvios no Distrito Sanitário Especial Indígena Leste (DSEI-Leste). Jean Frank Padilha Lobato é casado com Samara de Araújo Xaud, assessora do senador.
Em maio deste ano, a Quantum assinou um contrato de 1,39 milhão de reais com o Ministério da Saúde, para fornecimento de cilindros de oxigênio para o Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami.
Na decisão que autorizou as buscas na casa do senador, o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, cita a existência de um outro inquérito, de relatoria da ministra Carmen Lúcia, que investiga uma organização criminosa atuante no distrito sanitário para desviar dinheiro público.
Há também outras investigações de crimes do senador em curso. Ele emprega em seu gabinete Leonardo Rodrigues de Jesus, conhecido como Léo Índio, primo dos filhos do presidente. Índio foi nomeado no gabinete do vice-líder do governo em abril de 2019 com salário bruto de R$ 14.802,41. Ele foi assessor do também senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e é muito próximo do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ). Índio foi um dos organizadores do Gabinete do Ódio, dentro do Palácio do Planalto.