Dino frustra manobra parlamentar para resgatar emendas ao Orçamento já canceladas

Ministro do STF, Flávio Dino (Foto: Gustavo Moreno - STF)

Jabuti foi colocado por maioria parlamentar a projeto de lei no apagar das luzes do Congresso Nacional

As emendas parlamentares canceladas já não poderão ser resgatadas conforme previa artigo incluído de projeto de lei que prevê a redução em 10% parte dos benefícios fiscais do país, aprovado no apagar das luzes do Congresso Nacional pela maioria dos deputados e senadores.

A decisão ocorreu liminarmente neste domingo pelo ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF) antes mesmo que o mesmo fosse sancionado pelo presidente da República.

A liminar foi concedida após pedido do partido Rede Sustentabilidade e dos deputados federais Heloísa Helena (Rede-RJ), Túlio Gadelha (Rede-PE), Fernanda Melchionna (PSOL-RS) e Sâmia Bomfim (PSOL-SP). A medida de Flávio Dino terá validade até que os demais ministros do STF julguem a validade da liminar.

O foco da decisão do ministro é um artigo que buscava revalidar emendas parlamentares ao Orçamento inscritas como restos a pagar entre 2019 e 2023, que haviam sido canceladas.

A maioria parlamentar, com a introdução do artigo, visava liquidar as referidas emendas até dezembro de 2026, prazo já prorrogado antes pelo Congresso.

Os recursos relativos a essas emendas, de modo geral, têm cláusula suspensiva, o que significa que o destinatário dos valores, normalmente uma prefeitura, não conseguiu atender todas as exigências burocráticas para executar a obra ou o serviço objeto da proposta original. Nesses casos, em que a previsão de pagamento se arrasta por anos, até a conclusão da obra ou da prestação do serviço, a chance maior é do cancelamento dos repasses.

Segundo o portal do Tesouro, R$ 2,97 bilhões em emendas parlamentares foram cancelados em 2024 por decurso de prazo para execução. A maior parte desses recursos, R$ 2,49 bilhões, se referia a emendas de relator.

Ainda em março de 2025, uma lei previa a recuperação de parte das verbas canceladas, mas tinha restrições que seriam revogadas pelo projeto aprovado agora: limitava ao período 2019 a 2022 e tratava apenas de restos a pagar não processados (cujos recursos foram reservados, mas a obra ou serviço não foi feito a tempo), desde que a licitação já tivesse sido iniciada ou o convênio estivesse com cláusula suspensiva.

A suspensão prevista na liminar do ministro do STF é justificada, pois o projeto aprovado pelos congressistas acabava com essas restrições, permitindo a revalidação de emendas parlamentares antigas que já tinham sido objeto de cancelamento.

Na ação junto ao STF, os autores previram que há R$ 1,9 bilhão em restos a pagar de emendas parlamentares inscritos no orçamento desde 2019, dos quais cerca de R$ 1 bilhão relativos a emendas de relator.

“É importante sublinhar que restos a pagar regularmente cancelados deixam de existir no plano jurídico”, escreveu Dino na decisão. Com isso, eventual revalidação, diz, “equivale, na prática, à criação de nova autorização de gasto, desprovida de lastro em lei orçamentária vigente”. Autorizar essa manobra, afirmou, “torna imprevisível o encerramento das obrigações estatais”.

O mesmo artigo do projeto criava, também, um mecanismo para viabilizar o pagamento mesmo em caso de insuficiência dos valores para execução integral dos objetos propostos, com a possibilidade de juntar recursos de mais de uma emenda. Como o provisionamento de verbas já é antigo, o valor pode não ser suficiente para executar a obra atualmente.

No caso em questão, desvelou-se um verdadeiro jabuti – figura de linguagem que se usa quando o objeto do projeto de lei é um e inclui-se nele, como foi o caso, matéria inteiramente diversa do texto originário, que tratava da redução dos benefícios fiscais e que também aumentou os impostos sobre bets (casas de apostas), fintechs e JCP (Juros sobre Capital Próprio, mecanismo usado por grandes empresas para se financiarem).

A Folha de S. Paulo informa que a inclusão do referido jabuti fez parte do acordo entre os parlamentares e o próprio governo para garantir a aprovação da proposta, que se encontrava paralisada há meses no legislativo.

Flávio Dino, entretanto, em sua decisão, afirmou que o equilíbrio fiscal é de responsabilidade todos os poderes republicanos.

“A mesma lógica constitucional de contenção deve incidir, com rigor, sobre tentativas de reativação de recursos oriundos de emendas parlamentares à margem do ciclo orçamentário regular”, argumentou.

Ainda segundo o ministro, o dispositivo aprovado viola o devido processo constitucional orçamentário, a responsabilidade fiscal e as cláusulas pétreas de separação dos Poderes e dos direitos e garantias fundamentais.

Enfatizou, ainda, que parte das emendas que pretendem resgatar estão associadas a recursos de emenda de relator já extinta, que ficou conhecida pela falta de transparência sobre o autor e que foi declarada inconstitucional pelo STF em 2022. “Com efeito, cuida-se de ressuscitar modalidade de emenda cuja própria existência foi reputada inconstitucional”, afirmou Dino.
A data limite para o presidente Lula sancionar ou vetar, integral ou parcialmente, o projeto é 12 de janeiro. No caso de sanção do dispositivo agora suspenso, prevalece a suspensão até decisão em contrário do colegiado do STF.

A liminar vale apenas para o artigo sobre as emendas parlamentares. O resto do projeto, que corta parte dos benefícios fiscais e aumenta impostos para permitir ao governo fechar as contas em 2026, continua válido. Esses trechos terão impacto orçamentário de cerca de R$ 22 bilhões no próximo ano

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