O diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Ricardo Galvão, confirmou, no início da tarde da sexta-feira (2), que será exonerado do cargo após a divulgação do aumento do desmatamento na Amazônia.
Segundo Galvão, a situação ficou “insustentável” após Bolsonaro afirmar que os dados do instituto são mentirosos. Na quinta-feira (1), Bolsonaro havia ameaçado Ricardo Galvão de demissão. “Se quebrou a confiança, vai ser demitido sumariamente”, disse Bolsonaro.
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Bolsonaro, outra vez, mentiu ao dizer que “não tem desculpa para nenhum subordinado ao governo divulgar dado com esse peso de importância“.
O Inpe jamais divulgou diretamente qualquer dado sobre desmatamento. Todos os dados são passados ao Ibama e depois publicados no site Terrabrasilis.
“Diante da maneira como eu me manifestei com relação ao presidente, criou um constrangimento, ficou insustentável e eu serei exonerado”, afirmou Galvão, na sexta-feira, após reunião com o ministro de Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes.
O professor Galvão, após ser ofendido por Bolsonaro (“quanto ao Inpe eu tenho a convicção que os dados são mentirosos. Até mandei ver quem é o cara que está à frente do Inpe para vir explicar aqui em Brasília esses dados aí, que passaram para a imprensa. Até parece que ele está a serviço de alguma ONG, o que é muito comum“), declarara:
“O sr. Jair Bolsonaro precisa entender que um presidente da República não pode falar em público, principalmente em uma entrevista coletiva para a imprensa, como se estivesse em uma conversa de botequim.
“Ele fez comentários impróprios e sem nenhum embasamento e fez ataques inaceitáveis não somente a mim, mas a pessoas que trabalham pela ciência desse País. Ele disse estar convicto de que os dados do Inpe são mentirosos. Mais do que ofensivo a mim, isso foi muito ofensivo à instituição.”
Galvão, um dos cientistas mais renomados do Brasil, apontou a causa do aumento do desmatamento: “o que aconteceu com declarações do presidente Bolsonaro, ainda na campanha e depois que assumiu, passaram uma mensagem de que não vai mais ter punição. Aí as pessoas estão reagindo com base nessa mensagem que ele claramente passou”.
“Eu sou um senhor de 71 anos, membro da Academia Brasileira de Ciências, não vou aceitar uma ofensa desse tipo. Ele [Bolsonaro] que tenha coragem de, frente a frente, justificar o que ele está fazendo” (v. HP 20/07/2019, Desmatamento: atitude de Bolsonaro é “pusilânime, covarde”, afirma diretor do Inpe).
O cientista recebeu a solidariedade de toda a comunidade científica. Bolsonaro não teve coragem de chamar Galvão para repetir o que dissera (v. HP 22/07/2019, Bolsonaro foge de diretor do Inpe; SBPC e Academia de Ciências defendem instituição).
Os dados divulgados pelo Inpe, por meio do Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter), apontam crescimento do desmatamento de 88% em junho na comparação com o mesmo período de 2018, um total de 920,4 quilômetros quadrados.
Entre 1º e 25 de julho de 2019, a extensão dos alertas de desmatamento já ultrapassou a marca de 1.864 quilômetros quadrados, mais do que triplicou em relação a julho de 2018.
Em resposta à publicação dos dados, Bolsonaro atacou o Inpe e seus cientistas, outra vez dizendo que os números são falsos e produto de uma conspiração para “desgastar a imagem do país”.
Para ele, não são os desmatadores, que incentiva, que, além de destruir o meio ambiente por mera ganância, desgastam a imagem do país, mas os instrumentos e cientistas que detectam o aumento do desmatamento.
Além disso, Bolsonaro anunciou que pretende terceirizar o monitoramento das florestas.
Os ataques de Bolsonaro contra o instituto começaram no dia 19 de junho quando, em encontro com jornalistas estrangeiros, ele afirmou que os dados do Inpe eram “mentirosos” e insinuou que Galvão estaria “a serviço de alguma ONG”. O pesquisador reagiu afirmando que a atitude do presidente havia sido “pusilânime e covarde”.
Ricardo Galvão está no Inpe desde 1970 e cumpria mandato à frente do órgão até 2020.
Após o encontro com Pontes nesta sexta-feira, Galvão disse que concordou com a decisão pela sua saída e que sua maior preocupação no encontro era que a crise não respingasse no Inpe. “Discutimos em detalhes como vai ser a continuação da administração do Inpe”.
Segundo o pesquisador, ele não precisou defender os dados o Inpe diante do ministro: “Ele concorda com os dados do Inpe, sabe como funciona [o monitoramento]”.
Diretor do INPE foi demitido por não se acovardar, disse Marina
A ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva (REDE) criticou a exoneração de Galvão:
“O diretor do INPE não foi demitido por incompetência. Está sendo demitido por sua extrema competência, altivez e por dirigir uma instituição de Estado que prima pelo interesse público e por não se acovardar diante das ameaças da tríade (Ricardo Salles, General Augusto Heleno e Bolsonaro), que se levantou para intimidar e desmoralizar a instituição”, disse Marina.
“Tentaram sem êxito desacreditar o seríssimo trabalho de monitoramento do desmatamento da Amazônia, feito pelo INPE há mais de 30 anos, e que virou a maior referência internacional no assunto”, destacou a ex-ministra.
Marina destacou ainda que o ataque de Bolsonaro contra o Inpe acontece “sem conseguir apresentar nenhuma evidência técnica e nem científica, ficaram com frases toscas e vazias, eivadas de mentiras e preconceitos”.
“Bolsonaro tenta destruir uma instituição de 50 anos de existência, tentando impor a lei da mordaça e do autoritarismo […] O ataque ao INPE é o ataque à honradez, à competência, à ciência, ao interesse público e à Constituição!”, pontuou Marina.
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