“Na Guatemala, governos submissos aos Estados Unidos impedem a liberdade sindical e a negociação coletiva, ao mesmo tempo em que aumentam a perseguição, o cerco à organização e multiplicam o assassinato de lideranças que defendem os direitos dos trabalhadores”, afirmou Carlos Mancilla, secretário-geral da Confederação da Unidade Sindical da Guatemala (CUSG), que visita São Paulo, em exclusiva para o HP.
Conforme o dirigente, a impunidade serve de estímulo “para que as empresas continuem acabando com a vida de quem luta por melhores condições de vida e de trabalho”. “Denunciamos à Organização Internacional do Trabalho (OIT) que, entre 2007 e 2012, tivemos 58 sindicalistas assassinados. Passou o tempo, nenhum mandante ou assassino foi preso e, agora, já somam 88, deixando o terror ainda mais presente”, sublinhou.
Mancilla alertou que “os crimes bárbaros são mais do que um recado para os que não abaixam a cabeça”. A mais nova vítima desta onda de execuções foi o dirigente do Sindicato de Trabalhadores de Carnes Processadas Bremen (Sintrabremen), Tomás Francisco Ochoa Salazar, de 38 anos. Ele estava saindo da empresa no dia 1º de setembro quando foi alvejado e morto por motoqueiros, que também feriram seu colega Andy Noel Godínez.
“O dirigente anterior do Sintrabremem já havia sido comprado pela empresa e sumiu. Então, poucos dias antes do assassinato de Tomás, lhe ofereceram um cheque em branco para que preenchesse com o valor que bem entendesse e deixasse de pressionar. Assim, a entidade ficaria descabeçada. Tomás rasgou o cheque e, logo depois, o mataram”, denunciou Mancilla. Infelizmente, asseverou o líder da CUSG, “esta é uma prática comum no país, que vem ganhando requintes de crueldade”. “Trabalhadores rurais da fazenda São Marcos, produtora de café, vinham cobrando que a empresa pagasse o Seguro Social, que já havia descontado, a fim de que pudessem ter acesso aos seus direitos sociais. Durante o ato, o guarda da fazenda abriu fogo contra um senhor de terceira idade, que morreu sem ter sequer o acesso à aposentadoria”, contou.
O próprio Mancilla teve sua residência atacada em dezembro de 2007 e cravejada de balas, no momento em que acompanhava a denúncia internacional do assassinato de um sindicalista da região bananeira. “Foram tiros na porta, nas janelas e vidros”. “Como entre 28 e 30 de janeiro de 2008 estava se realizando a 1ª Conferência Internacional Contra a Impunidade (Cicig), criada pela ONU com a colaboração do governo guatemalteco dois anos antes, no dia 26 de janeiro chegou um pessoal do Ministério Público na minha casa para dizer que algo havia sido feito. Então, 27 dias depois do atentado disseram que não podiam fazer nada. porque o ambiente havia sido ‘contaminado’. Parece piada, mas não é”.
Com demissões massivas e fechamento de sindicatos para inviabilizar qualquer negociação coletiva, acrescenta Mancilla, transnacionais como as maquiladoras não aceitam nem mesmo a sombra de um sindicalista por perto, submetendo os empregados a salários aviltantes e a jornadas extenuantes. Para completar a desgraça, acrescentou, “as maquilas recebem 10 anos de desoneração de impostos e, quando deveriam começar a pagar ao governo, desaparecem, reaparecendo com outro nome também sem pagar aos trabalhadores o 13º salário, as férias ou qualquer direito devido”.
FALCATRUAS
Conforme o sindicalista, a prisão do ex-presidente Otto Pérez Molina, de sua vice Roxana Baldetti e de todo o seu ministério por crimes de corrupção – com a única exceção do ministro do Trabalho, Carlos Contrera, “a caminho” – “serve de estímulo a todos para seguirmos buscando justiça”. “O que dizer do nosso atual presidente, Jimmy Morales, que ofereceu a Donald Trump mão de obra barata para fazer o muro na fronteira dos EUA com o México?”, questionou, recordando que o filho e o irmão do atual presidente foram denunciados por corrupção, “envolvidos com falcatruas já no governo de Otto Pérez Molina”.
Os protestos frente aos abusos de Jimmy Morales contra a soberania nacional, particularmente diante da submissão às mineradoras transnacionais e sua perseguição à Comissão da ONU Contra a Impunidade tem se alastrado pelo país, que cobra justiça. “É preciso lembrar que como o Congresso apoiou o governo, o povo tomou a sede da instituição e fez os parlamentares de reféns. No feriado de 15 de setembro, dia da nossa independência, milhares foram às ruas para repudiar os parlamentares e os meios de comunicação que, por meio da manipulação, tentam dar sustentação a suas medidas”.
Para tornar ainda mais difíceis as coisas para o sindicalismo, a atual ministra do Trabalho foi colocada pela embaixada dos EUA para defender o Tratado de Livre Comércio (TLC) com o país do norte, por meio do qual impõem aos guatemaltecos condições extremamente desvantajosas, em prol de suas empresas.
“Temos uma ministra mulher, indígena, que permite que direitos sindicais e trabalhistas sejam constantemente violados por mineradoras. Somos contrários à ratificação da Convenção 175 da OIT, que permite o trabalho temporal ou parcial, ao mesmo tempo em que somos favoráveis à Convenção 189, que disciplina o Trabalho Domiciliar. Mas a ministra foi ao Congresso para aprovar o que os trabalhadores são contra e rechaçar o que somos a favor. São práticas que revelam as orientações deste governo. Sua verdadeira sede é a embaixada norte-americana”, concluiu.
LEONARDO SEVERO