Após protestos do governo da Sérvia e de manifestações de integrantes da etnia sérvia no Kosovo, o governo do enclave imposto pela Otan diz adiar medidas discriminatórias por 30 dias
Após protestos de Belgrado e manifestações de repúdio dos sérvios étnicos, o governo de Kosovo anunciou na segunda-feira (1) o adiamento, por 30 dias, da exigência de que os sérvios troquem suas identidades por outras do regime imposto pela OTAN, assim como as placas sérvias, numa perseguição odienta.
No domingo (31) o envio da polícia especial ao norte do Kosovo, onde vive a maioria dos sérvios étnicos, gerou um impasse e causou revolta.
Há um ano atrás, o regime de Prístina tentara a mesma provocação e acabou sendo forçado a recuar, diante da dimensão dos protestos na região e prontidão da Sérvia em defender seus compatriotas.
A Sérvia jamais reconheceu a secessão unilateral de Kosovo realizada sob ocupação da OTAN, e travestida em 2008 de “independência”, que também não foi reconhecida por países como a China, Rússia, Índia, Brasil, África do Sul e Espanha.
Em 2015, sob mediação da União Europeia, Belgrado e Pristina assinaram o acordo de Bruxelas, que foi cumprido pela Sérvia e flagrantemente desrespeitado por Kosovo, que segue se recusando a respeitar os direitos civis e humanos dos sérvios étnicos, e não permite a realização na região norte de eleições para órgãos de governo autônomo, como estabelecido no documento.
O caminho para a secessão foi aberto pelo fabricado “incidente de Racak” em 1999, em que milicianos do ‘Exército de Libertação de Kosovo’ de ascendência albanesa, mortos em combate com forças policiais iugoslavas, foram vestidos de roupas de paisano, para a chegada de um enviado especial norte-americano, que coonestou a farsa.
Depois foram 78 dias de bombardeio da Iugoslávia pela OTAN, à revelia da ONU, o que incluiu crimes de guerra como o ataque com míssil à embaixada chinesa em Belgrado, a destruição da sede da TV estatal, um trem lotado de passageiros destroçado, além de escolas, asilos e sistema elétrico atingidos, com milhares de civis sérvios mortos e feridos.
No ‘novo Kosovo’, os EUA criaram sua maior base no exterior em dimensão do terreno, Camp Bondsteel, e os ex-contrabandistas e ex-traficantes do ELK assumiram o poder.
MR. HOVENIER E DON BORRELL
O regime de Pristina enviou a polícia especial à fronteira, afrontando os sérvios locais, que reagiram às centenas, com protestos e barricadas. O presidente da Sérvia, Aleksandar Vučić, instou o regime de Pristina a “cair em si” e chamou os sérvios locais “a não cederem às provocações e não fazerem nada que possa levar a conflitos”.
“A Sérvia vencerá”, assinalou o mandatário sérvio, denunciando que as autoridades albanesas tentaram aproveitar a situação mundial para iniciar um conflito enquanto se apresentavam como “vítimas”.
O ministro das Relações Exteriores da Sérvia, Nikola Selakovic, acusou Kosovo de fazer “ações unilaterais” inaceitáveis contra a população sérvia e instou as autoridades kosovares a mudar de rumo. “Não se trata apenas de carteiras de identidade e registro de placas de veículos. É sobre o modo de comportamento”, acrescentou Selakovic.
“Se alguém está realmente orientado a buscar a solução pacífica para todas as questões existentes, então essa pessoa não deve agir da maneira como está agindo”, apontou.
Segundo o primeiro-ministro kosovar, Albin Kurti, o recuo foi decidido após o chefe da política externa da UE, Josep Borrell, e o embaixador norte-americano, Jeff Hovenier, recomendarem o adiamento. Segundo Kurti, o adiamento se fez necessário devido à “desinformação e mal-entendidos”, acrescentando que os EUA e a UE só pediram que as medidas fossem adiadas, não canceladas.
O governo de Pristina e seus apoiadores em Bruxelas e Washington devem parar com suas provocações e respeitar os direitos dos sérvios étnicos em Kosovo, disse a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova, sobre os recentes desenvolvimentos em Kosovo.
“A decisão das autoridades de aplicar ‘regras’ discriminatórias sobre a substituição forçada de documentos pessoais de sérvios é mais um passo para a expulsão da população sérvia do Kosovo, a expulsão dali das instituições sérvias do Kosovo que asseguram a proteção dos direitos dos residentes sérvios da arbitrariedade dos radicais de Pristina”, acrescentou Zakharova.
Para analistas, a reiteração das medidas contra os sérvios do Kosovo é também uma maneira de Washington e Bruxelas pressionar a Sérvia, que tem se recusado a embarcar na histeria de sanções anti-russas. Bruxelas também pressiona pelo reconhecimento mútuo da Sérvia e Kosovo, como condição indispensável para ingresso na EU.
DETER A IMPRUDÊNCIA
“A situação só foi adiada por um mês”, advertiu o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov. Ele instou “os países que reconheceram Kosovo e atuaram como fiadores a usarem toda a sua influência para alertar as autoridades do Kosovo sobre tomar quaisquer medidas imprudentes que possam levar a uma nova escalada de tensão”.
Em entrevista ao jornal russo Izvestia, o fundador e editor-chefe do Projeto dos Bálcãs, Oleg Bondarenko, disse esperar que “durante este mês haja algum tipo de negociação entre a Sérvia e Kosovo. Mas o problema é que Pristina assumiu uma posição bastante agressiva, que não envolve nenhuma negociação . O fato de que essa situação aconteceria em 1º de agosto era conhecido de antemão, então o conflito em si era previsível. Há muito pouca chance de que seja resolvido até setembro”.
Bondarenko afirmou, ainda, que as forças especiais kosovares ROSU, que, “contrariamente a todos os acordos assinados, já se tornaram um exército de facto, começaram a atirar para matar, o que não acontecia antes”. “Se continuarem continuar a agir na mesma linha depois de 1º de setembro, e os sérvios de Kosovo não ficarem de braços cruzados, há uma grande probabilidade de que sangue seja derramado”, alertou.
É de registrar a moderação com que Belgrado tem agido, já que, como quase todas as mercadorias importadas por Kosovo provenientes da UE passam pela Sérvia, bastaria uma ordem de suspensão do trânsito dessas mercadorias para certas cabeças quentes em Pristina voltarem em algum sentido a se enquadrarem no espírito do direito internacional e da resolução 1244.