DENOY DE OLIVEIRA
Dizem que não se deve jogar pedra em cachorro morto. Mas como esquecer as “brilhantes” teses do sr. Celso Furtado para o Cinema Brasileiro, quando esteve na frente do Ministério da Cultura? Na ocasião, por força de dirigir uma entidade, eu mesmo denunciei – e publicamente – o “buraco negro” que se aproximava e responsabilizei o Ministério pelo desmantelamento do CB.
Hoje, Fernando Ghignone, diretor da Embrafilme na época, por nomeação do ministro, segue sua carreira de livreiro e político no Paraná. Quanto a nós, ficamos no desespero da falta de projetos e quase destruição do pouco que restou. Claro que, antes de mais nada, é preciso chamar à responsabilidade a própria categoria, por omissões e ingenuidades que não podemos nos permitir.
Este vômito de indignação me vem quando vejo que na 13ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo temos a única e honrosa presença do belo filme de Nuno César Abreu: “Corpo em Delito”.
Uma cinematografia como a brasileira, entre mais de 100 títulos, se apresenta com apenas um filme, assim como o Irã, Austrália, Senegal, Coreia do Sul, Espanha, Cuba! Menos que Hong Kong!
Mas a Mostra não é caso isolado.
O Rio Cine Festival mudou seu módulo por falta de filmes. O Festival de Brasília vai repetir Gramado, selecionando seus títulos entre os mesmos filmes. Iludindo com a Lei Sarney e um economês ortodoxo que desconhece as desigualdades do mercado de cinema no Brasil, atiram nosso cinema na crise que vive atualmente, com seus sorrisos e discursos privatistas.
Conseguiram criar uma Fundação de Cinema Brasileiro sem dotação orçamentária, com a mesma responsabilidade com que se joga um filho no mangue mais próximo. O CB sofre intensamente o tiroteio da crise brasileira, o baixo poder aquisitivo do nosso povo, o infamante ócio do capital administrado pelos banqueiros, invasão de filmes estrangeiros, que entram de graça no Brasil (mil e sessenta e cinco só no primeiro semestre de 88!), discriminação dos meios de comunicação e toda a fragilidade de uma política de governo em débito com o mundo.
Dentro desse quadro, não podemos abrir mão de terreno conquistado. E não temos o que temer. O Cinema Brasileiro tem uma história de talento e universalidade. Mas é preciso produzir. Produzir muito!
Um pra curtir e um pra relaxar (se der)
Hitchcock está em vídeo com “Marnie, Confissões de Uma Ladra” (64). Suspense a partir do romance de Winston Graham. Hitch define o filme como estória de “… um amor fetichista, onde um homem quer dormir com uma ladra porque ela é uma ladra, como outros têm vontade de dormir com uma chinesa ou uma negra”. Esse homem é Mark Rutland (Sean Connery no auge de 007) e a ladra é Tippi Hedren (atriz de “Os Pássaros”). Quando Mark percebe que Marnie “limpa” seu cofre, ele simplesmente gama; repõe o dinheiro e pede a garota em casamento. Casam-se, e Mark vai saber que, além de cleptomaníaca, Marnie é frígida e tem alucinações com a cor vermelha, ou seja, uma neurótica. Bom, ele também é outro, o problema é saber quem é mais…
A situação caminha para o divã do analista (que o próprio Hitchcock, em seus diálogos com Truffaut, reconhece mal resolvida) e uma dolorida regressão à infância de Marnie. Investigações, policial e analítica, são conduzidas pelo mestre Hitch, o primeiro a confessar a dificuldade de manter a ação correndo intensa nos dois planos. É importante ver um artista alcançar a fatura fílmica de “Marnie…” e ter a sinceridade de expor dúvidas e sofrimentos da criação. Procurem ver.
Já um “Príncipe em Nova York” (88), de John Landis, é para escorregar o domingo. O príncipe Akeem é Eddie Murphy, que esbanja simpatia e exibe qualidades histriônicas. Mas vejamos a estória: príncipe africano abandona mordomias pela liberdade de poder escolher uma esposa. E a liberdade é Nova York, para onde ele segue acompanhado de seu fiel valete Sammi (Arsênio Hall), para morar em espeluncas e fazer serviço pesado. E assim, incógnito, será possível encontrar o amor puro, desinteressado e verdadeiro. O que de fato acontece, em meio a muitos tropeços, correrias e uma galeria de tipos humanos interessantes. Claro que tudo isso com muita grana no bolso, o que permite ao príncipe Akeem uma constante exibição da “mobília”. Como se vê, uma reedição negra de mitos “cinderela”, “príncipe encantado”.
Só que, embora ridicularize o Rei e a corte, não me agrada ver uma nação africana tão estúpida como aquela. Explica qualquer apartheid. Me senti um pouco nos tempos menos sutis, quando eu vibrava pelo “Gunga Din” que, hoje eu sei que não passava de um traidor. Quanto a Murphy, seduz por suas habilidades como acrobata, lutador e ator; e ator de muitos recursos. Mas é bom não contar uma das atrações de “Um Príncipe…” e que você só poderá confirmar no final do filme, graças a Rick Baker. Quem é?… um técnico maquiador. Se der pra você alienar o besteirol da corte africana, o filme fica sendo uma comédia.