De 2011 até 2017, a estatal Eletrobrás investiu R$ 8,4 bilhões nas distribuidoras que o governo quer vender pelo preço de seis carros populares
O processo de privatização da Companhia Energética do Piauí (Cepisa), distribuidora da Eletrobrás cujo leilão está marcado para a próxima quinta-feira (26), está “bem encaminhado”, na avaliação do entreguista que ocupa a presidência da estatal, Wilson Ferreira Júnior. A Cepisa será a primeira das seis distribuidoras da Eletrobrás que serão doadas à iniciativa privada a preço de um carro popular, R$ 50 mil.
A avaliação do presidente da Eletrobrás é contestada pelo Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético (Ilumina). “Quanto vale uma empresa num horizonte de 30 anos? Difícil responder, não? Mas, o atual presidente da Eletrobrás sabe que valem 6 carros populares e não está barato! Para justificar sua acalorada defesa dos compradores, diz que eles, coitados, terão que investir R$ 2,4 bilhões no futuro”, questionou o diretor do Ilumina, Roberto D’Araujo.
Segundo Wilson Ferreira, juntas, as distribuidoras dão prejuízo de cerca de R$ 300 milhões por mês para a Eletrobrás, ou R$ 10 milhões por dia. Isso poderá ser revertido com corte de custos de operação e manutenção, planos de demissões voluntárias e financiamentos mais baratos. Ele disse ainda que as distribuidoras da estatal não estão baratas, vão precisar de investimentos bilionários e de muito tempo para darem retorno aos novos acionistas.
“Dizem que o preço de compra equivale ao valor de seis carros populares. Mas no dia em que os investidores comprarem as empresas terão de depositar R$ 2,4 bilhões em investimentos, como se fosse um ‘dote’”, comparou. “E, apesar disso, o investidor já estará devendo R$ 10 milhões, e mais R$ 10 milhões no dia seguinte. Já na primeira semana serão R$ 70 milhões”, disse.
Mas o Ilumina denuncia que “o atual presidente da Eletrobrás nunca cita qual foi o investimento feito nos últimos anos nessas empresas. Segundo os relatórios de administração da Eletrobrás, de 2011 até 2017, apenas sete anos, a Eletrobrás investiu R$ 8,4 bilhões, mais do que o triplo do comprometimento dos futuros compradores”.
“Logo após a privatização, os compradores vão poder se gabar daqueles investimentos recentes da Eletrobrás como se fossem do pujante setor privado. E a mídia aplaudirá freneticamente. O Brasil vende empresas sob uma filosofia que ninguém pratica”.
Em comentário no portal do Ilumina, Roberto D’Araujo relembra que após o processo de privatização iniciado por FHC na década de 90, a Eletrobrás acabou assumindo as regiões deficitárias para que os estados não ficassem no escuro. “Portanto, a história completa é: Venderam-se vários setores, inclusive 26 empresas elétricas, mas deixaram o pepino para a Eletrobrás”.
STF
Nesta segunda-feira (23), a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, negou o pedido de liminar feito pela Associação dos Empregados da Eletrobrás (Aeel) para suspender o leilão de distribuidoras estaduais de energia elétrica, subsidiárias da Eletrobrás.
No pedido liminar que chegou ao Supremo, a associação dos empregados contestou a liminar proferida pelo presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), desembargador André Fontes, que liberou o leilão, após uma decisão da primeira instância que barrou a venda das empresas.
No último dia 18, o BNDES havia confirmado o leilão da distribuidora para o dia 26, na ocasião, o banco também informou que o leilão da Companhia de Eletricidade do Acre (Eletroacre), da Centrais Elétricas de Rondônia (Ceron), da Boa Vista Energia (Roraima) e da Amazonas Distribuidora de Energia (Amazonas Energia) será dia 30 de agosto.
O leilão da Companhia Energética de Alagoas (Ceal) continua suspenso devido a uma decisão judicial tomada pelo ministro Ricardo Lewandowski, no STF, após ação movida pelo governo de Alagoas.
A decisão pelo adiamento do leilão das outras distribuidoras foi tomada em razão do calendário do Senado. Aprovada na Câmara dos Deputados no início de julho, a medida provisória que autoriza a privatização das distribuidoras ainda aguarda apreciação dos senadores.
PREJUÍZOS
Segundo o professor e vice-presidente do Instituto de Energia e Ambiente (IEA) da USP, Ildo Sauer, “não há necessidade nenhuma de vender essas empresas. O que tem de ser feito é sanear a gestão delas. Um dos piores exemplos de má gestão era a Cemar do Maranhão. Foi privatizada, passou para um grupo financeiro e hoje dá lucro porque houve reajuste das tarifas e o governo federal assumiu o prejuízo”, disse.
“Todo processo de privatização de empresas desse tipo [distribuidoras] levaram à piora da qualidade dos serviços de energia e aumento extraordinário dos preços [tarifas]. Além do mais, pelo que se sabe da legislação aprovada agora, grande parte do prejuízo existente e alguns futuros serão assumidos pelo Poder público”, afirmou Sauer.
O pretexto do governo Temer para a privatização é que essas distribuidoras dão prejuízo.“Em nenhum lugar do mundo um sistema essencial para a vida das pessoas dá prejuízo”, disse Sauer.
As seis distribuidoras do Norte e Nordeste do país que o governo Temer quer privatizar atendem mais de 13 milhões de brasileiros em 29% do território nacional. É um mercado cativo. Um tremendo filé mignon. Tanto assim, que a italiana Enel – que recentemente adquiriu a Eletropaulo – já manifestou desejo em comprar duas.
MPF
O Ministério Público Federal (MPF) no Amazonas expediu recomendação ao ministro de Minas e Energia e ao superintendente da área de Desestatização e Estruturação de Projetos do BNDES para que suspendam o leilão da Amazonas Energia.
Segundo a recomendação, a realização do leilão da Amazonas Energia no momento atual ocorreria “de maneira precipitada, em virtude de fatores como insegurança nos campos jurídico, econômico e financeiro”, alegada ausência de autorização legislativa prévia para a realização do ato, decisões judiciais que determinaram em caráter liminar a suspensão do leilão.