Teve início nesta sexta-feira (30) em Buenos Aires a cúpula anual do G20 – o grupo das principais economias do mundo -, com os holofotes acesos sobre Trump e sua guerra comercial contra todos, especialmente a China; o cancelamento da reunião Trump-Putin; a prevista desaceleração global no próximo ano acompanhada de alertas sobre a volta dos riscos sistêmicos ao sistema financeiro; a alta de juros nos EUA e o aperto nos países emergentes; a ressaca do Brexit e a erupção da xenofobia; tudo isso em meio à crise econômica do país anfitrião, já sob ferros do FMI.
Mas nada chama tanto a atenção quanto a presença do ditador saudita, Mohamed bin Salman, desfilando pelos salões do G20 com as mãos empapadas de sangue de dezenas de milhares de civis iemenitas e do jornalista Jamal Khashoggi.
Dois dias antes, o Senado dos EUA havia aprovado por 63 a 37 uma resolução pedindo o fim do apoio dos EUA à guerra contra o Iêmen. Até o senador republicano que é conhecido como o ‘Lockheed-boy’, Lindsey Graham, votou a favor de punir os sauditas. Dizem as más línguas que é porque, dos US$ 110 bilhões em compras de armas prometidas por Mohamad bin Salman a Trump, só se concretizaram US$ 14,5 bilhões.
Há quem diga que essa mudança de estado de espírito se deve também a que a Arábia Saudita segue adiando a privatização parcial da estatal de petróleo, negócio do maior interesse do Goldman Sachs e outras entidades beneméritas de Wall Street.
Naturalmente, essas são razões menores e provavelmente o que pesou mesmo foi o esquartejamento do jornalista ex-colaborador da ditadura saudita. Isso, depois de terem levado quatro anos para notar que as bombas norte-americanas, despejadas por aviões sauditas de fabricação americana, reabastecidos por aviões-cisterna americanos, sobre alvos escolhidos por conselheiros militares americanos, estavam matando diariamente mulheres e crianças iemenitas. Antes tarde do que nunca.
A Human Rights Watch inclusive pediu que um procurador argentino indiciasse MbS por crimes de guerra, embora não haja considerado estender a medida a Trump, que assume abertamente a cumplicidade, e ao antecessor, Obama, que deu sua bênção à agressão ao Iêmen.
No debate do tema no Senado dos EUA, também ficou visível que a CIA e Trump não têm exatamente os mesmos planos sobre o futuro do príncipe.
É difícil acreditar que Gina Sanguinária, a diretora da CIA nomeada por Trump, se impressione com a carnificina em Istambul, dizem que ela “ouviu as fitas”, mas acha que um príncipe menos açodado e mais dócil seria melhor para as Sete Irmãs. Aquele outro príncipe, mais conhecido como ‘Bandar Bush’, é muito querido na Casa.
Trump, que menos de um mês antes da carnificina no consulado de Istambul entrou em uma polêmica aberta com o príncipe saudita, dizendo que a Arábia Saudita não duraria “duas semanas” sem a proteção americana, agora passou para a defesa incondicional de MbS, de quem já disse que “pode ou não” ter sabido do assassinato brutal.
Nos últimos dias, Trump elogiou Riad pelo aumento da produção de petróleo – que tinha exigido – e queda no preço do petróleo, depois de ficar evidente sua contrariedade com a OPEP junto com a Rússia, isto é, a associação entre a Arábia Saudita e a Rússia em defesa de um preço mais justo para os produtores.
Se isso não bastasse, há ainda o famoso acordo Washington-Riad da década de 1970 – depois que Nixon acabou unilateralmente com a conversão do dólar em ouro – que impôs que todo o comércio de petróleo no planeta fosse exclusivamente em dólares, o que se tornou a âncora real da manutenção do dólar enquanto divisa internacional (além das 1000 bases e milhares de bombas nucleares, claro).
Apenas agora, começa um movimento mais amplo de estender a outras divisas – como o yuan e o euro – a venda do petróleo. Assim, do ponto de vista da plutocracia e seus apaniguados, o que seriam dezenas de milhares de civis mortos, ou milhões de famintos, e um jornalista trucidado? Ainda mais, se, como assevera Trump, houver a promessa saudita de investir quase meio trilhão de dólares nos EUA.
O presidente francês Macron, que quer sua parte nesse latifúndio, sugeriu ao ditador saudita incluir “peritos internacionais” nas investigações sobre o assassinato de Khashoggi. Parar com a venda bilionária de armas, nem pensar.
Para livrar a cara do ‘príncipe’, a promotoria saudita já acusou subalternos, sendo que cinco correm o risco de acabarem degolados. O assessor direto de MbS, que teria ouvido, direto de Istambul, o aviso de que “está feito”, não foi incluído, embora tenha sido colocado expressamente na lista da CIA e incluído nas sanções.
A cúpula do G20 promete. Os russos já disseram que a verdadeira causa do cancelamento da reunião Putin-Trump não foi a provocação de Poroshenko na Ucrânia, mas as “questões domésticas”. Forma polida de se referir à confissão no tribunal do ex-advogado pessoal do presidente norte-americano de que mentira sobre “negócios imobiliários de Trump em Moscou”. Trump, assim que chegou, chamou de “depredadora” a ação da China no comércio mundial.
Enquanto isso, em Hodeidah, o porto do Iêmen de que milhões de pessoas dependem para não morrer de fome, os bombardeios sauditas voltaram no dia seguinte da partida do enviado da ONU, que tenta marcar uma cúpula de paz para o próximo ano na Suécia.
ANTONIO PIMENTA