Vida de ponta cabeça, com prisões, blitz e aumento de preços, desde que eclodiram os bombardeios do governo israelense, sob o ultradireitista Benjamin Netanyahu, e o beneplácito dos EUA
A rotina e o cotidiano mudaram muito para quem vive na Cisjordânia, desde que eclodiu a mais nova radicalização do Estado de Israel contra os palestinos. É o que narra o servidor público palestino-brasileiro Akram Affaneh, de 43 anos, ao portal UOL.
As tensões têm se acirrado ainda mais após o ataque ao Hospital Batista Al-Ahli Arab, localizado no centro da cidade de Gaza, na última terça-feira (17). Todavia, Israel negou a autoria, inegável.
A Cisjordânia é um território sem saída para o mar, perto da costa mediterrânea do Levante, que faz fronteira com a Jordânia e o Mar Morto ao leste e com Israel ao sul, oeste e norte. Sob ocupação israelense desde 1967, a área está dividida em 167 enclaves palestinos sob governo civil parcial da ANP (Autoridade Nacional Palestina) e 230 assentamentos israelenses.
“GUERRA LONGA E DOURADORA”
A intensificação dos ataques na Faixa de Gaza tem elevado a tensão e a preocupação da população civil, que vive na Cisjordânia. Akram Affaneh vive há 3 décadas na região e relata que o ataque ao hospital e à igreja ortodoxa que abrigava pessoas que buscavam se proteger da guerra provocaram pânico. “É difícil ter esperança esses dias. Estamos muito tristes”, diz o palestino-brasileiro.
O ataque a campo de refugiados na Cisjordânia, na última quinta-feira (19), também causou desespero na população. A ofensiva ocorreu em Nour Shams e deixou ao menos 13 mortos, de acordo com balanço do Ministério da Saúde palestino divulgado sexta-feira (20).
“Embora os ataques estejam ocorrendo mais fortemente em Gaza, o palestino daqui não é diferente do que vive lá”, diz. Affaneh diz ainda que há sentimento de solidariedade e compaixão coletiva diante das notícias sobre as vítimas do conflito. Principalmente, em relação às crianças, as vítimas mais frágeis da sanha do governo israelense.
ESTADO POLICIAL-MILITAR
O palestino-brasileiro relata também que pessoas que protestam nas ruas da cidade têm sido presas preventivamente.
“Quando eles [soldados israelenses] sentem que algum palestino pode participar de protestos no futuro, os aprisionam e levam para prisões. Nesses dois últimos dias, têm se intensificado as prisões e os protestos, especialmente depois dos bombardeios.”
RUAS BLOQUEADAS E AUMENTO DE PREÇOS
O servidor público vive com a família, a mulher e 3 filhos, na cidade de Ramallah. Ele conta que, desde o início da ofensiva israelense, houve aglomerações em postos de combustíveis e em supermercados. “As pessoas temem uma guerra longa e duradoura”, afirma Affaneh.
Segundo Affaneh, as ruas também foram bloqueadas por soldados israelenses. “Os israelenses cortaram as ligações da cidade com blitz nas ruas e mandavam os carros voltarem.”
Ainda segundo ele, alguns dias os bloqueios são mais recorrentes, outros, menos. As interrupções nos trajetos provocaram o aumento dos preços de alimentos e dos combustíveis.
“Vemos a preocupação no rosto das pessoas, o medo que a guerra possa se prolongar muito e como isso pode afetar nossa economia e as condições de segurança. Não sabemos o que pode acontecer nos próximos dias, as ruas estão esvaziadas”, afirma Akram Affaneh, servidor público palestino-brasileiro e morador da Cisjordânia.
CONFINAMENTO COMPULSÓRIO
Muitos moradores evitam deixar suas casas e preferem passar o tempo com filhos. “A gente fica mais em casa”, diz.
O palestino-brasileiro conta ainda que as aulas na escola em que os filhos dele estudam foram interrompidas e, nos últimos 3 dias, suspensas. Os filhos de Affaneh faziam aulas de futebol, mas, segundo ele, os treinos também foram cancelados.
JORNADA DE TRABALHO REDUZIDA
Algumas empresas alteraram o horário de expediente para que os funcionários não precisem se deslocar durante à noite. “Antes, a gente trabalhava 8 horas por dia. Hoje, trabalhamos por 5 ou 6 horas para chegar em casa mais cedo antes do anoitecer”, relata.
“A vida se reduziu ao mínimo possível. Só fazemos o que é muito necessário, como compras no mercado”, acrescenta Akram Affaneh.
“ESPERANÇA EM UM ACORDO DE PAZ”
Affaneh nasceu em Corumbá, em Mato Grosso do Sul. Ele conta que se mudou para a Cisjordânia após os Acordos de Paz de Oslo, em 1993. As tratativas da década de 1990 se referem a conjunto de acordos firmados na cidade de Oslo, na Noruega.
Os acordos foram firmados entre o governo israelense, representado pelo ex-primeiro-ministro de Israel, Yitzhak Rabin, e a OLP (Organização de Libertação da Palestina), representada então pelo presidente, Yasser Arafat.
As negociações foram mediadas pelo então presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton.
“Vim na esperança que teríamos um processo de paz”, diz o brasileiro. Affaneh afirma que os avós foram expulsos da cidade que viviam ao redor de Jerusalém. “Meus pais nasceram em Belém e foram para o Brasil em 1976 em busca de uma vida melhor. Depois, voltaram com a esperança de melhores condições por aqui.”
Pai de uma menina de 11 anos e 2 meninos de 14 e 15 anos, o palestino-brasileiro diz que os filhos acompanham diariamente os jornais. “Deixamos a tevê sempre ligada. Eles me perguntam e sabem o que está acontecendo porque a vida deles foi muito afetada. A tensão aumentou muito.”
QUANDO INICIOU A RADICALIZAÇÃO DO CONFLITO
A radicalização do conflito teve início em 7 de outubro, um sábado. O grupo islâmico Hamas bombardeou Israel em ataques com bombas deixando centenas de mortos.
O ataque — na verdade, revide, pois a ditadura de Israel massacra a população palestina há 75 anos — foi considerado um dos maiores dos últimos anos. Ao assumir a ofensiva, o Hamas afirmou que seria para o início de ação para a tomada de território.
Foram disparados milhares de foguetes de Gaza em direção a Israel. Militantes armados derrubaram as barreiras israelenses de alta tecnologia que cercavam a faixa, iniciando ataques por terra com reféns. Combatentes também entraram em Israel pelo mar.