“O Conselho de Administração da Petrobras, aprovou, em 27 de outubro de 2020, a revisão da política de remuneração aos acionistas, com objetivo de possibilitar que a administração proponha o pagamento de dividendos compatíveis com a geração de caixa da companhia, mesmo em exercícios em que não for apurado lucro contábil”
PAULO CÉSAR RIBEIRO LIMA, PHD
A Petrobrás prevê pagar dividendos de US$ 60 bilhões a US$ 70 bilhões para os seus acionistas entre 2022 e 2026, conforme apresentado na Figura 1, extraída do novo plano estratégico da estatal¹. Esse valor de dividendos é maior que o fluxo de caixa de investimentos, estimados entre US$ 50 e 60 US$ bilhões.
A geração de caixa prevista, após impostos e depósitos judiciais, é de US$ 150 bilhões a US$ 160 bilhões. Essa geração de caixa, também mostrada na Figura 1, e os dividendos de US$ 60 bilhões a US$ 70 bilhões foram previstos a partir dos preços do Brent previstos na Figura 2.
¹Disponível em https://api.mziq.com/mzfilemanager/v2/d/25fdf098-34f5-4608-b7fa17d60b2de47d/6d98b296-503c-53cc-1f9e-153a904e8066?origin=2. Acesso em 26 de novembro de 2021
Se os preços do Brent forem maiores que os mostrados na Figura 2, os dividendos poderão ser ainda maiores.
Como os estrangeiros detém cerca de 43% do capital social da Petrobrás, apenas a título de dividendos, cerca de US$ 25,8 bilhões a US$ 30,1 bilhões poderão ser transferidos para o exterior, em vez de serem investidos no Brasil.
É importante ressaltar que o Conselho de Administração da Petrobras, aprovou, em 27 de outubro de 2020, a revisão da política de remuneração aos acionistas, com objetivo de possibilitar que a administração proponha o pagamento de dividendos compatíveis com a geração de caixa da companhia, mesmo em exercícios em que não for apurado lucro contábil.
Registre-se, nesse contexto, que, nos anos de 2018, 2019 e 2020, o lucro contábil recorrente anual médio da Petrobrás foi de R$ 24,6 bilhões, o que corresponde a uma média anual de apenas US$ 4,5 bilhões, se utilizada uma taxa de câmbio de 5,5 reais por dólar. É possível, então, que os altos lucros recorrentes de 2021, que totalizaram US$ 11,3 bilhões nos primeiros três trimestres, não ocorram nos anos de 2022 a 2026.
Mas não são apenas dividendos que serão transferidos para o exterior. As amortizações líquidas e as despesas financeiras de US$ 15 bilhões a US$ 25 bilhões, apresentadas na Figura 1, também serão, basicamente, transferidas para o exterior.
Serão ainda transferidos para o exterior grande parte das amortizações de arrendamentos, haja vista que as sedes das empresas arrendadoras estão localizadas em outros países.
A geração de caixa mostrada na Figura 1, de US$ 150 bilhões a US$ 160 bilhões, decorre, principalmente, da produção dos campos do Pré-Sal operados pela Petrobrás.
Parte dessa produção é refinada no Brasil, a partir de um baixo custo da matéria-prima, que é o petróleo bruto; outra parte é exportada. Em ambos os cenários, a geração de caixa livre é muito alta.
Essa grande “transferência do Pré-Sal” para o exterior é ainda muito maior no caso de empresas estrangeiras como a Shell Brasil Ltda, Petrogal Brasil S.A., TotalEnergies EP Brasil Ltda, Repsol Sinopec Brasil S.A., Petronas Brasil Ltda e Equinor Energy do Brasil Ltda. Muitas dessas empresas são parceiras da Petrobrás em campos do Pré-Sal, onde estão localizados os poços mais produtivos do mundo.
Desse modo, proporcionalmente, a “transferência do Pré-Sal” para o exterior será ainda maior no caso das empresas de capital estrangeiro que produzem na plataforma continental brasileira e exportam o petróleo sem pagamento de impostos.
A Petrobrás é a grande operadora do Pré-Sal, além de exportadora de petróleo bruto do Pré-Sal. No 3º trimestre de 2021, o custo total de produção da estatal foi de apenas US$ 34 dólares por barril, conforme mostrado na Figura 3.
No Pré-Sal, o custo de extração no 3º trimestre de 2021 foi de apenas US$ 2,5 por barril. Como o preço médio de venda do petróleo foi de US$ 69,54 por barril e o custo total de produção foi de US$ 31,5 por barril, o lucro operacional da Petrobrás foi de 107%.
Assim sendo, as “parceiras” da Petrobrás e a própria estatal apresentam altíssimos lucros operacionais no Pré-Sal. Nesse contexto, essas empresas poderiam pagar imposto de exportação, sem comprometer significativamenteseus lucros operacionais.
Se ao custo total de produção de US$ 31,5 por barril fosse acrescentado um imposto de exportação de US$ 14 por barril, o custo total de produção seria de US$ 45,5 por barril. Para um preço de venda de US$ 69,54 por barril, o lucro operacional seria de 52,8%.
Nos três primeiros trimestres de 2021, foram produzidos 800,7 milhões de barris de petróleo no Brasil. Nesse mesmo período, foram exportados 374,7 milhões de barris de petróleo, o que representa 46,8% da produção nacional.
Se fossem cobrados US$ 14 por cada barril exportado, a receita governamental seria de US$ 5,3 bilhões, que, ao câmbio de 5,5 reais por dólar, representaria uma receita de R$ 28,9 bilhões em nove meses ou cerca de R$ 38,4 bilhões em 12 meses.
Essa receita anual de R$ 38,4 bilhões poderia abrir espaço fiscal para redução de tributos sobre o consumo de combustíveis e para subvenções econômicas, o que poderia gerar significativa diminuição dos preços dos combustíveis ao consumidor.
O imposto de exportação sobre o petróleo bruto também seria um importante instrumento de política industrial, pois geraria elevados investimentos e refino. Isso poderia alterar o cenário atual do Brasil como importador líquido de derivados.
Também é importante mencionar que outra fonte de “transferência do Pré-Sal” para o exterior está relacionada ao baixo conteúdo local decorrente dos aditamentos que foram feitos nos contratos celebrados entre a União e as empresas petrolíferas.
Em 16 de abril de 2020, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP concluiu a análise dos pedidos de aditamento da cláusula de conteúdo local dos contratos de exploração e produção². Foram apresentadas solicitações para 287 contratos, que resultaram em atualização das regras para 256 blocos e 94 campos de produção, operados por 44 empresas. Assim sendo, a maior parte dos materiais, máquinas e equipamentos utilizados no Pré-Sal estão gerando empregos e renda no exterior.
Em 2010, a fim de evitar, em grande medida, a “transferência do Pré-Sal” para o exterior, foi introduzido o regime de partilha de produção no Brasil.
Esse regime, no entanto, não está sendo capaz de impedir essa transferência em razão dos baixos óleos lucros da União, especialmente nas áreas da cessão onerosa, com destaque para o campo de Búzios; dos elevados percentuais de recuperação dos custos; e dos baixos conteúdos locais.
De 2022 a 2031, dos 8,2 bilhões de barris de produção acumulada a ser partilhada, a União ficará com apenas 1,5 bilhão de barris de petróleo, conforme mostrado na Figura 4. Aos “Investidores”, caberão 6,7 bilhões de barris de petróleo. De 2022 a 2026, a produção acumulada da União é quase desprezível. Dessa forma, fica difícil imaginar que o “óleo da União” possa ser usado como fonte de recursos para um fundo de estabilização dos preços dos combustíveis no Brasil.
² Disponível em https://epbr.com.br/anp-conclui-analise-dos-pedidos-de-aditamento-deconteudo-local/. Acesso em 26 de novembro de 2021
Em suma, sem a cobrança do imposto de exportação sobre o petróleo bruto, em grande medida, haverá a “transferência do Pré-Sal” para o exterior, sejam pelos dividendos da Petrobrás, sejam pelos caixas livres gerados pelas empresas de capital estrangeiro, sejam pelos arrendamentos, sejam pelas contratações em outros países.
Os brasileiros “perdem” o Pré-Sal e ainda pagam caro pelos combustíveis.
(*) Paulo César Ribeiro Lima foi engenheiro da Petrobrás e é Consultor Legislativo aposentado