Com direção de Silvio Tendler, documentário “Ousar Viver! Histórias da Maria na (e pós) resistência” trará o depoimento de Maria Pimentel sobre a participação das mulheres na resistência à ditadura, na luta pela redemocratização e no movimento sindical brasileiro
Uma parte importante da história do nosso país, a partir da participação das mulheres na resistência à ditadura, na luta pela redemocratização e no movimento sindical brasileiro, será contada no longa documental “Ousar Viver! Histórias da Maria na (e pós) resistência”, que será dirigido pelo premiado cineasta Silvio Tendler.
O projeto do documentário, concebido pelo Instituto Angelim, que desenvolve ações de educação, ciência e arte para promoção e igualdade de gênero na economia produtiva do país, acaba de ser aprovado pelo ProAc SP (Programa de Ação Cultural da Secretaria de Estado de São Paulo), e finalmente vai poder sair do papel.
A personagem principal do documentário é Lúcia Maria Pimentel – conhecida no mundo político e sindical brasileiro e internacional simplesmente como Maria -, que começou a militar muito jovem no Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR8) e, hoje, aos 74 anos, continua uma ativa militante.
A ideia do documentário é, a partir de entrevista inédita com Maria Pimentel, “abordar a história de outras mulheres, e resgatar, através de suas atuações na vanguarda pela democracia e pelo respeito à vida, a memória coletiva da história do nosso país”. A entrevista tem como objetivo resgatar suas memórias de militante na luta contra a ditadura após o Golpe de 1964, quando foi presa em 1969, exilada na Argélia, depois na Suíça até seu retorno ao Brasil em 1975, e a sua trajetória política até os dias atuais, no movimento sindical nacional e internacional.
Em entrevista ao HP, Maria Pimentel conta que ficou muita surpresa quando “as meninas” se reuniram com ela para informar que estavam trabalhando num projeto de fazer um documentário sobre ela e que o Silvio Tendler já tinha topado. “Fiquei meio paralisada… Eu?”, disse Maria.
“Pensei muito, mas depois conclui que isso seria uma forma de homenagear aquelas mulheres que, como eu, eram muito jovens, estudantes que se indignaram com o golpe de 1964 como Iara Iavelberg, companheira de Lamarca, Sônia de Moraes Angel, Marilena Villas-Bôas, esposa do Mario Prata, Vera Sílvia de Magalhães, Maria Augusta Carneiro Ribeiro, Helena Simões Bocayuva, militantes do MR8 e hoje, com exceção de Helena Bocayuva, já mortas ou assassinadas pela ditadura”, diz.
Maria lembra que “foram períodos muito difíceis para todos que viveram aquela época, barra pesada, particularmente para aqueles jovens inexperientes, mas cheios de ideais”. Mas, “mais difícil ainda foi para aquelas mocinhas que, além de enfrentarem riscos e passarem por toda a pressão familiar, quando presas eram mais barbaramente torturadas, desrespeitadas e humilhadas pelos carrascos da ditadura pelo fato de serem jovens e mulheres que ousavam lutar e sair do padrão de esposas e do lar”.
Conforme a presidente do Instituto Angelim, a professora, pesquisadora e doutora em sociologia Mirlene Simões, que coordena o projeto, “cerca de 30% dos militantes de organizações ou partidos de esquerda eram mulheres, e essa porcentagem é ainda maior nos movimentos pelos Direitos Humanos e pela Anistia dos Presos Políticos”.
Ela conta que a ideia do filme sobre “as mulheres na política” surgiu exatamente dessa premissa de “esquecimento” da participação delas, que até hoje persiste.
Mirlene relata que quando esteve à frente de um projeto anterior, este sobre a história das mulheres cientistas em São Carlos, no interior paulista, “na cidade onde está sediado o nosso Instituto, que conta com dois campus universitários e é conhecida como ‘Capital da Tecnologia’, quando fomos pesquisar sobre mulheres cientistas, parecia que elas não existiam, que não haviam mulheres na ciência, daí surgiu a ideia de fazermos também esse resgate das mulheres militantes, das mulheres na política”, disse.
Além da luta contra a ditadura e pela redemocratização do país, de forma interligada, a trajetória de Maria Pimentel se confunde com a própria história do movimento sindical brasileiro, pós 64 e depois da redemocratização.
Após retornar do exílio em 1975, quatro anos depois foi eleita diretora do Sindicato dos Gráficos de São Paulo. No ano seguinte, foi eleita diretora da Federação dos Trabalhadores nas Indústrias Gráficas do Estado de São Paulo (sendo a primeira mulher a ocupar cargo numa federação de trabalhadores) e, em 1981, participou da comissão organizadora da 1ª Conferência Nacional da Classe Trabalhadora – CONCLAT. Em 1986, integrou a Comissão Organizadora da 1ª Conferência Nacional da Mulher Trabalhadora e da Fundação da CGT. Em 1992, assumiu a Secretaria de Relações Internacionais da CGTB e passou a integrar a delegação brasileira nas Conferências da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Foi secretária de Relações Internacionais da Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB) e hoje faz parte da diretoria executiva da Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB).
“A importância de registrar e apresentar a memória deste período, através da história e da vida de mulheres que atuaram nestas ações, pauta-se em um gesto de preservação de nossas bases democráticas”, diz a justificativa do projeto.
O texto afirma ainda que o documentário, que tem como insígnia a frase “Laços, vidas, amizades e um objetivo: a liberdade como esperança”, é um “incentivo para que as jovens conheçam as histórias e origens da democracia, do sistema representativo e plural em que vivemos. Atuamos, assim, contra o desconhecimento e o apagamento de suas histórias”.
Como conclui Maria: “Creio que através desse documentário que, embora partindo da minha pessoa, não pretende ser um quadro da minha vida pessoal, possamos fazer uma homenagem a todas as mulheres, jovens e absolutamente comuns que, como eu, ousaram se engajar numa importante luta contra as injustiças, contra a miséria, pela liberdade e pela democracia”.
Além da direção de Silvio Tendler, que conta em sua trajetória com mais de 70 filmes de curta, média e longa metragem, e mais de 60 prêmios, entre eles o Prêmio Salvador Allende no Festival de Trieste, na Itália, pelo conjunto da obra, o documentário, que também será produzido em parceria com a equipe do diretor, na Caliban Cinema e Conteúdo, tem como roteiristas Lenice David Antunes e Maria Beatriz da Rocha Alarcon.
O projeto conta também com a parceria de sindicatos e associações de trabalhadores, associações políticas e sociais ligadas aos direitos das mulheres e de museus e espaços de preservação da memória e da história do Brasil.