“Já são 355 assassinatos de dirigentes e militantes de movimentos sociais e de organizações dos direitos humanos desde a assinatura do Acordo de Paz entre o governo e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), em 2016, havendo um aumento da perseguição e do clima de terror desde então. O documentário ‘Nos estão matando’ mostra como, para favorecer as transnacionais e o narcotráfico, querem voltar à guerra, voltar a matar as pessoas”. A afirmação é do economista e pesquisador Héctor Mondragón, refugiado político colombiano e assessor dos movimentos camponês, indígena e afro-descendente, que denuncia a onda de crimes cometida na disputa pelo controle territorial, pela mineração ilegal e por cultivos ilícitos.
Há mais de dez anos no Brasil, Mondragón fez a apresentação do documentário, que revela “um massacre em câmera lenta”, e faz parte do Circuito Cultural Colombiano, na noite de terça-feira, no Hostel Paulista. Neste momento, sublinhou, “nada é mais importante do que a luta pela vida, lutar para que não nos matem, lutar pelos nossos direitos”.
Para dar nome aos frios números das estatísticas, durante um ano, dois cineastas estadunidenses e um produtor colombiano acompanharam o dia-a-dia de dois combatentes pelos direitos humanos ameaçados de morte no norte do departamento de Cauca, um dos mais violentos do país vizinho: o líder indígena Feliciano Valencia e o dirigente afro-descendente Héctor Marino Carabalíe. A partir de cenas que relatam a disposição de luta e de sacrifício pessoal e coletivo, o documentário torna didática a denúncia do regime de terror instalado há décadas por uma elite extremamente subserviente aos Estados Unidos.
“O terrorismo de Estado se utiliza de mercenários treinados por militares israelenses. Assim, na década de 80 vimos ser assassinados todos os 35 prefeitos da União Patriótica (UP), os dois senadores e 70% dos vereadores, sendo exterminados milhares de militantes”, descreveu Mondragón. Entre as horripilantes práticas para incutir medo nas lideranças, citou os “quartos de esquartejamento”, locais em que militantes eram torturados, “fatiados vivos para que seus gritos fossem ouvidos, com o medo se espalhando pelas famílias e pela vizinhança”. Com base nas ameaças e no pânico estabelecido, descreveu, somente neste ano mais de 100 lideranças de movimentos sociais já abriram mão da representação.
Entre os que resistem como Feliciano e Carabalíe, Mondragón citou o padre Francisco de Roux, presidente da Comissão Nacional da Verdade, que vem enfrentando uma intensa campanha de difamação por defender o Acordo de Paz, chamado de narco-terrorista e outras barbaridades. Pela nossa experiência, disse, “estas difamações são feitas quando querem justificar os assassinatos e desaparecimentos”. “Precisam da política repressiva para implementar sua política ultra-neoliberal com a privatização da empresa petrolífera e a redução dos impostos para os ricos”, frisou.
“A dominação na Colômbia tem peculiaridades, com a violência sendo usada para eliminar o contraditório. Sendo assim, o paramilitarismo é uma filosofia de Estado hiperexcludente, comparada ao fascismo”, descreveu o professor Pietro Alarcón, lembrando os 8 milhões de deslocados pelo conflito interno e os 5 mil militantes da União Patriótica assassinados durante a década de 80.