A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, denunciou nesta quarta-feira (19) o presidente da República, Michel Temer, no inquérito dos portos. Trata-se da terceira denúncia apresentada contra Temer no exercício do mandato de presidente. As outras duas foram suspensas depois que deputados foram subornados pelo governo para impedir que o criminoso fosse punido. Na denúncia apresentada nesta quarta, de 72 páginas, Dodge pede que Temer seja condenado pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
O inquérito dos portos foi aberto em setembro de 2017 pelo ministro Luis Roberto Barroso. O ministro atendeu a pedido do então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, após depoimentos de executivos do grupo J&F. Os empresários denunciaram pagamentos a Michel Temer e o ex-assessor dele, Rodrigo Rocha Loures, envolvendo decreto editado por Temer. Rocha Loures foi flagrado pela Policia Federal com uma mala de R$ 500 mil recebida de um executivo da JBS.
Em 16 de outubro, a Polícia Federal (PF) informou ao Supremo Tribunal Federal (STF) ter encontrado indícios de que Temer e mais dez pessoas integraram um esquema para favorecer empresas específicas na edição de um decreto sobre o setor portuário. A procuradora denunciou outras cinco pessoas por corrupção ativa e passiva e lavagem. São eles Rodrigo Rocha Loures, os empresários Antônio Celso Grecco e Ricardo Mesquita, da Rodrimar, João Baptista Lima Filho, o faz tudo de Temer e Carlos Alberto da Costa, da Argeplan.
Segundo a denúncia, Temer teria recebido valores por meio das empresas Argeplan, Eliland do Brasil, PDA Administração e Participação LTDA e PDA Projeto e Direção Arquitetônica. Ao todo, é apontada movimentação indevida de R$ 32,6 milhões.
Apesar de antiga, a relação de Temer com a Rodrimar surgiu publicamente no inquérito que investigava a JBS, quando a PF descobriu que um dos intermediários para receber propinas para Temer – sugerido pelo carrega-malas deste, Rodrigo Rocha Loures – era um diretor da Rodrimar, Ricardo Conrado Mesquita.
Esse diretor da Rodrimar apareceu no encontro entre Ricardo Saud, da JBS, e Rocha Loures, realizado na cafeteria Santo Grão, em São Paulo, no dia 24 de abril de 2017, gravado e filmado pela Polícia Federal.
No mesmo diálogo gravado, Saud e Loures referem-se, também, a Antônio Celso Grecco, presidente da Rodrimar.
A JBS – isto é, a Eldorado, produtora de celulose que pertencia ao mesmo grupo – comprou um terminal em Santos da Rodrimar.
Em seu depoimento na Procuradoria Geral da República, Saud declarou: “Ele (Rocha Loures) veio com a ideia do Ricardo (Mesquita), que é esse rapaz que ele tinha me apresentado. Ele enfiou a mão no bolso, tirou um cartão, e falou, então, você vai entregar [a propina para Temer] ao Ricardo da Rodrimar. Eu falei, não, nós já tivemos um problema com o Celso (dono da Rodrimar), já te falei, eu não vou entregar pro Ricardo”.
Temer controla o Porto de Santos desde o governo Fernando Henrique. No ano 2000, Érika Santos, ex-esposa de Marcelo Azeredo, que Temer colocara, em 1995, na presidência da Companhia Docas de Santos (Codesp), denunciara o esquema de propinas instalado na administração da estatal. Marcelo Azeredo foi processado por improbidade administrativa ao assinar em 1997 o 9º Aditivo a um contrato de ampliação do Terminal de Containers do Porto de Santos, que só ocorreria no ano seguinte. O Aditivo acrescentou R$ 144 milhões a um contrato de R$ 295 milhões.
Érika Santos copiou documentos que estavam no computador do ex-marido, mostrando que a Libra Terminais Ltda, operadora portuária, pagara uma propina de R$ 640 mil a Temer e outra, evidentemente menor, para Marcelo Azeredo.
No mesmo caso, apareceu o notório coronel João Batista Lima, hoje implicado no caso Rodrimar, também como receptador de propina da Libra, que ganhou dois terminais em Santos.
Em seu depoimento, em maio do ano passado, Ricardo Saud, da JBS, também se refere ao “coronel Lima”: “… eu autorizei o Florisvaldo entregar 1 milhão de reais a mando do Michel Temer, para o Coronel Lima (…). Lá na Argeplan”.
João Batista Lima é proprietário da empresa Argeplan Arquitetura e Engenharia.
Sobre o caso da Rodrimar, “os elementos colhidos”, escreveu o ministro Luís Roberto Barroso, “revelam que Rocha Loures, homem sabidamente de confiança do presidente Temer, menciona pessoas que poderiam ser intermediárias de repasses ilícitos para o próprio presidente, em troca da edição de ato normativo de específico interesse da Rodrimar”.
Em gravação de conversa telefônica, Rocha Loures discute o decreto dos portos com Gustavo Rocha, subchefe de Assuntos Jurídicos da Casa Civil:
GUSTAVO ROCHA: “É uma exposição muito grande para o presidente se a gente colocar isso. Já conseguiram coisas demais nesse decreto”.
ROCHA LOURES: “O importante é ouvi-los.”
GUSTAVO ROCHA: “A minha preocupação é expor o presidente em um ato que é muito sensível. […] Esse negócio vai ser questionado”.
Esse é o decreto que, segundo as palavras de Temer, “moderniza e dá segurança jurídica para os investimentos”.
Um relatório interno elaborado por técnicos do Tribunal de Contas da União (TCU) desmonta totalmente o principal argumento de Temer de que a Rodrimar, empresa que atua no Porto de Santos, não foi beneficiada com o Decreto 9.048/2017, o chamado Decreto dos Portos, assinado por ele. O Planalto alega que somente empresas que assinaram contrato após 1993 seriam beneficiadas pelo decreto e que a Rodrimar tem contrato de concessão anterior a esta data.
O documento do tribunal garante que o Decreto dos Portos cria um contexto que poderá beneficiar empresas com contratos anteriores a 1993. Esta brecha serve à Rodrimar, empresa que teria passado propina para Temer. O relatório desmente a defesa do presidente porque o principal argumento dele sobre o tema, até agora, é o de que a Rodrimar não poderia se beneficiar das regras que entraram em vigor em maio do ano passado.
Os técnicos do TCU entendem que o decreto dá margem para que novos decretos beneficiem empresas como a Rodrimar no futuro. Para os técnicos da Secretaria de Fiscalização de Infraestrutura Portuária e Ferroviária (Seinfra) do TCU, existe um “forte indício de infração aos princípios da isonomia, da vinculação ao instrumento convocatório e da seleção da proposta mais vantajosa pelo Decreto 9.048/2017”. Para eles, o decreto “contempla disposições normativas com fortes indícios de ilegalidade (…) e com base nas novas regras trazidas pela norma infralegal poderão ser assinados mais de cem termos aditivos a contratos de arrendamentos portuários, cristalizando direitos e trazendo novas relações jurídicas viciadas do ponto de vista da legalidade”.
Para os analistas, o decreto daria ao presidente a possibilidade de prolongar contratos em desacordo com as regras da época em que foram assinados. E isso poderia incluir até os contratos anteriores à lei de 1993, como o da Rodrimar. “Aceitar que regulamentações vindouras possam alterar cláusulas essenciais de contratos administrativos em vigor pode levar a um quadro de total insegurança jurídica e regulatória no setor portuário. Considerando que, em tese, sobrevenha novo Decreto que reduza o prazo máximo permitido da concessão, é esperado que os detentores de contratos já firmados aleguem o princípio do pacta sunt servanda [os contratos assinados devem ser cumpridos] para não se submeterem à limitação”, diz o documento.
O documento diz que nada obstaria futuros alargamentos de vigência contratual via edição de atos unipessoais do chefe do Poder Executivo, o que acarretaria, na prática, a existência de contratos administrativos com prazo indeterminado, o que é vedado pela legislação. No mesmo raciocínio, também não haveria óbice para que as extensões de prazo fossem autorizadas aos arrendatários de terminais concedidos antes da Lei 8.630/1993″, diz o relatório.
A análise feita pelos técnicos do TCU se opõe ao entendimento do governo e do presidente Michel Temer sobre o alcance do decreto. Em resposta a uma questão da Polícia Federal sobre a possibilidade do decreto beneficiar a Rodrimar, o presidente Michel Temer disse que “as empresas do Grupo Rodrimar não foram beneficiadas com a edição do Decreto nº 9.048/2017, conforme demonstram os documentos do Ministério dos Transportes constantes dos autos de investigação” e que “deve-se realçar que as empresas que já possuíam a concessão antes de 1993 não foram beneficiadas pela prorrogação”. Esta alegação caiu por terra.
O trabalho dos técnicos do TCU ajudou a embasar as investigações da Polícia Federal. Em março, o delegado responsável pelo caso, Cleyber Malta Lopes, pediu ao TCU acesso ao processo sigiloso que trata dos efeitos do decreto. O delegado também pediu acesso à relação das empresas que pediram a prorrogação de contratos com base no decreto, cópias de processos do TCU relacionados às empresas do grupo Rodrimar e informações sobre o TCU estar analisando pedido da Rodrimar de adaptação do contrato celebrado pela empresa em 1993.
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