O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, na quinta-feira (9), validar o decreto de indulto natalino editado pelo ex-presidente Michel Temer em 2017. Com a decisão, pelo placar de 7 votos a 4 pela constitucionalidade do ato presidencial, a Corte conferiu legitimidade às regras que afrouxaram o perdão da pena de condenados por corrupção e pelos chamados crimes de “colarinho branco”.
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, autora de uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) ajuizada em dezembro de 2017, logo após a edição do decreto, avaliou que o resultado do julgamento é preocupante.
Segundo Dodge, o decreto de indulto extrapolou o poder presidencial, além de “representar um retrocesso” no enfrentamento a crimes como corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
Temer reduziu de um quarto (25%) para um quinto (20%) o tempo mínimo do cumprimento da pena para conseguir o indulto no caso dos crimes praticados “sem grave ameaça ou violência a pessoa”. O decreto, que também extinguiu o limite máximo da pena dos condenados que poderiam ter acesso ao benefício, foi considerado o mais generoso dos últimos 30 anos.
Tanto na petição inicial quanto na fase de instrução da ADI, a Procuradoria-Geral da República argumentou que houve violação aos princípios da separação de poderes, da individualização da pena e o da proibição, prevista na Constituição, de que o Poder Executivo legisle sobre direito penal.
Dodge destacou que a autonomia do chefe do Poder Executivo para editar indulto não é absoluta e, portanto, não pode ultrapassar limites estabelecidos na Constituição Federal. “A competência constitucional para indultar não confere ao Presidente da República a prerrogativa de suprimir injustificadamente condenações penais”, diz.
Em memorial enviado aos ministros em novembro de 2018, a procuradora-geral reforçou a importância de a Corte determinar a inconstitucionalidade de dispositivos do decreto.
“Sem justificativa minimamente razoável, [o decreto] amplia desproporcionalmente os benefícios e cria um cenário de impunidade no país. Reduz em 80% o tempo de cumprimento da pena aplicada, extingue penas restritivas de direito, suprime multas e o dever de reparar o dano pela prática de crimes graves”, pontuou.
No documento, ela enfatizou ainda a preocupação de que condenados por crimes contra a administração pública pudessem ser beneficiados, mesmo tendo cumprido apenas uma pequena fração (um quinto) da pena imposta pela Justiça e não tendo recolhido as multas pecuniárias que integram a condenação.
Raquel Dodge frisou que o decreto incluiu no rol de beneficiados pessoas que cometeram crimes que, “embora praticados sem violência, são tão ou mais danosos à sociedade brasileira, do que os crimes violentos”.
Na sessão de ontem, o Supremo concluiu o julgamento iniciado em novembro do ano passado – mas que tinha sido suspenso por um pedido de vista. A Corte derrubou a decisão do ministro Luís Roberto Barroso, relator da ação, que suspendeu o indulto.
Em março de 2018, Barroso entendeu que o texto inovou ao prever a possibilidade de indulto para condenados que cumpriram um quinto da pena, incluindo crimes de corrupção e correlatos, além de indultar penas de multa. Segundo o ministro, o indulto só poderia ser aplicado após o cumprimento de um terço da condenação.
Condenados pelos crimes de peculato, corrupção, lavagem de dinheiro e associação criminosa, em penas superiores a oito anos de prisão, também não poderiam ser beneficiados.
Os ministros que votaram a favor do indulto de Temer foram Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Dias Toffoli. Barroso, Edson Fachin, Cármen Lúcia e Luiz Fux votaram contra.
Agora, todos que preencherem os requisitos do decreto na data de sua edição poderão ser libertados, inclusive os condenados a crimes do colarinho branco.
Depois que o julgamento foi concluído, houve um bate-boca entre ministros que votaram contra e a favor do decreto que envolveu Fux, Lewandowski, Gilmar Mendes e Marco Aurélio.
“Isso quer dizer que os absurdos todos vão valer”, disparou Fux. Marco Aurélio contestou: “Absurdo na visão de vossa Excelência”. Gilmar Mendes entrou em ação e disse que o tribunal estava apenas “declarando constitucional o decreto”.
Barroso pediu a palavra então, para fazer um resumo do que foi decidido. “O Supremo está decidindo que é legítimo o indulto coletivo que foi concedido com cumprimento de um quinto da pena, independente de ela ser de 4 ou 30 anos, inclusive pelos crimes de peculato, corrupção, tráfico de influência, lavagem de dinheiro e organização criminosa”, disse em tom irônico.