A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, recorreu na terça-feira (23) da decisão tomada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, de impedir as investigações que vinham sendo feitas pelo Ministério Público do Rio de Janeiro do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ).
O pretexto usado por Toffoli para acobertar o senador bolsonarista e seu auxiliar Fabrício Queiroz, é de que dados financeiros e fiscais para serem compartilhados por órgãos de inteligência têm que ter autorização judicial. Segundo membros do Ministério Público, esta medida vai prejudicar milhares de processos que envolvem tráfico de drogas, combate ao crime organizado, ações de facções criminosas e crimes do colarinho branco.
De acordo com a decisão do presidente do STF, até que o plenário julgue o caso, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) não poderá enviar relatórios de inteligência financeira, que apresentam informações detalhadas sobre movimentações bancárias de pessoas suspeitas.
Raquel Dodge quer esclarecimentos sobre o alcance da decisão, quais processos ficam paralisados até o julgamento do caso pelo plenário do STF, marcado para 21 de novembro. Ao longo do documento de 45 páginas, a chefe do Ministério Público afirma que “a engrenagem antilavagem existente no país” depende do compartilhamento de informações. “Menos do que isso levará à inefetividade dessa engrenagem e, assim, ao enfraquecimento do combate à lavagem de capitais”, ponderou a procuradora-geral.
No recurso utilizado por ela, os chamados “embargos de declaração”, Raquel Dodge aponta “obscuridades” que, em sua avaliação, precisam ser esclarecidas na decisão de Toffoli. Segundo ela:
A decisão foi mais ampla do que a discussão original do recurso que espera análise da Corte e em que houve o pedido de Flávio Bolsonaro. A PGR afirma que o caso tratou de contribuintes multados pela Receita em 2003, e não sobre compartilhamento do Coaf.
As ações citadas por Toffoli, decididas pelo plenário do STF em 2016 autorizando a Receita a obter dados bancários sem autorização judicial, não trataram de compartilhamento de dados com o Ministério Público. A decisão não poderia ter alcançado todos os processos em andamento, incluindo pessoas presas, mesmo contra o fato de que o STF já decidiu, em outra ocasião, que não pode haver suspensão de inquérito policial e procedimento do MP em repercussão geral (instrumento usado por Toffoli).
Ainda de acordo com Raquel Dodge, a lei de lavagem de dinheiro que permite a troca de informações e o repasse de dados globais “não é suficiente” para o início das investigações. “Para que a finalidade de coibir lavagem de dinheiro, corrupção e crime organizado possa ser alcançada, o Coaf deverá fornecer ao Ministério Público […] todas as informações necessárias não apenas para demonstrar a presença dos indícios de crime, mas também para possibilitar a instauração de inquérito e a fundamentação de pedido judicial de quebra de sigilo bancário e fiscal.”
A procuradora-geral também destacou que a decisão pode provocar “desmantelamento” do sistema antilavagem de dinheiro e “irá alongar o tempo das investigações e pode comprometer seu resultado útil, pois em delitos relacionados à lavagem de dinheiro a celeridade é imprescindível para a recuperação dos valores angariados ilegalmente”.
Ao decidir, Toffoli considerou que o tema – o repasse de informações por parte do Coaf, da Receita Federal e do Banco Central para o Ministério Público e polícias – tem gerado “multiplicação de decisões divergentes” nas instâncias inferiores e que a suspensão de ações “é salutar à segurança jurídica”. Ele disse também que a decisão de proteger Flávio Bolsonaro visava “proteger o cidadão”.
Flávio Bolsonaro era investigado depois que o Coaf revelou uma movimentação financeira suspeita no gabinete do então deputado Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Esta movimentação, operada por Fabrício Queiroz, ex-motorista de Flávio, chegou a R$ 7 milhões entre 2014 e 2017. Foram detectadas também movimentações suspeitas na conta do próprio deputado. Foram feitos 48 depósitos por ele de R$ 2 mil reais em espécie num espaço pequeno de tempo, gerando suspeitas, por parte do Coaf, de que a movimentação caracterizava lavagem de dinheiro.
Leia a íntegra da decisão de Dodge