Dois professores e dois alunos foram mortos nesta quarta-feira (4) em uma escola de ensino médio da Geórgia, Estados Unidos, por um atirador, que feriu também outros nove, no enésimo episódio em meio a tiroteios em escolas nos EUA, que afligem o país desde a tragédia em Columbine nos anos 1990, que gerou filme com nome da escola por Michael Moore, passando por Sandy Hook e outras tantas.
A escola, a Apalachee High School, em Winder, a uma hora da capital do Estado, Atlanta, foi evacuada, após o alerta de tiroteio por volta de 10h30 (hora local), em meio às cenas dramáticas de alunos se barricando dentro de salas de aula e mensagens em desespero às famílias.
As vítimas tiveram seus nomes revelados: os estudantes Mason Schermerhorn e Christian Angulo, e os professores Christina Irimie e Richard Aspinwall.Os nomes das vítimas não foram divulgados. Os feridos foram levados para “vários hospitais”, incluindo o Grady Memorial Hospital. A polícia chegou à escola em minutos após o alerta.
Um estudante de 14 anos, posteriormente identificado como Colt Gray, foi preso e acusado de assassinato, depois de se render. Haverá uma vigília esta noite no Jug Tavern Park, na cidade.
Winder tem uma população de pouco menos de 19 mil habitantes em 2022, de acordo com o Bureau do Censo. Com 2 mil alunos matriculados, a Apalachee High School é uma das três escolas de ensino médio do Sistema Escolar do Condado de Barrow.
Outras fontes policiais disseram à CNN que poderia haver até 30 pessoas feridas, embora não esteja claro quantos destes são por ferimentos a bala. A polícia entrou no prédio principal da escola e conseguiu retirar centenas de alunos. Eles foram levados ao campo de futebol americano do colégio. Imagens aéreas transmitidas pelo canal de notícias local “WJCL” mostraram a movimentação intensa de pessoas, além de viaturas e ambulâncias. A situação foi declarada “controlada” depois das 12h.
“ALGUÉM ESTÁ MORTO”
Em entrevista à ABC News, o estudante Sergio Caldera, de 17 anos, contou que estava na aula de química quando os tiros começaram a ser ouvidos. “Minha professora abriu a porta para ver o que estava acontecendo. Outra professora veio correndo e falou para ela fechar a porta porque tinha um atirador”.
Todos correram para o fundo da sala enquanto ouviam gritos do lado de fora. Em determinado momento, alguém bateu na porta da sala e ordenou: “Abram!”. Quando as batidas pararam, Caldera disse que ouviu mais tiros e gritos.
A Reuters relatou que pais de alunos passaram por uma espera “aterrorizante” após saberem do ataque a tiros à escola, citando uma mãe que, no trabalho, recebeu mensagem do filho Ethan, que está no último ano, dizendo: “Tiroteio na escola agora. Estou com medo, por favor, não estou brincando”.
À CNN, Erin Clark disse que seu filho ouviu oito ou nove tiros antes de fechar a porta da sala de aula. Ele e outro colega moveram cadeiras e mesas para bloquear a porta. Em um momento, ele diz à mãe: “alguém está morto”. “Eu acabei de ver ambulância e polícia indo nessa direção”, ela respondeu.
Mais tarde, mãe e filho se reencontraram nas arquibancadas do campo de futebol, para onde os alunos haviam sido levados após retirados da escola. Clark se declarou “em choque total que isso estava realmente acontecendo”.
NA PAUTA DE NOVEMBRO
A cada vez que esse tipo de tragédia em que os EUA tristemente se “especializaram” acontece, é retomada a discussão sobre o problema das armas – nos EUA é mais fácil um garoto de 14 anos ter acesso a uma arma semiautomática do que a uma latinha de cerveja -, e sobre a violência que caracteriza a sociedade norte-americana. O que, ainda mais em tempo de eleição e em um Estado-pêndulo, onde se decide a vitória no colégio eleitoral, é ainda mais certo.
O governador republicano da Geórgia, Brian Kemp, o prefeito democrata de Atlanta, Andre Dickens, a Casa Branca e a candidata Kamala Harris já fizeram as costumeiras mensagens às famílias das vítimas e menções à tragédia. Já os trumpistas devem asseverar que, se alunos e professores estivessem armados até os dentes, o número de vítimas seria menor, ou o atirador sequer apareceria.
Em tiroteio anterior, o senador democrata Chris Murphy, havia denunciado que “temos mais assassinatos em massa do que dias no ano. Nossas crianças estão vivendo com medo. Toda vez que elas pisam na sala de aula, pensam que vão ser as próximas”.
Em 2012, em seu Estado, Connecticut, o massacre na escola Sandy Hook matou 26, dos quais 20 crianças. O comentário foi em 2022, quando do massacre na escola primária Robb, em Uvalde, no Texas, com 19 crianças mortas.
Murphy lembrou que “em nenhum lugar isso acontece, exceto aqui nos Estados Unidos, e isso é uma escolha. É a nossa escolha deixar isso continuar”, referindo-se à falta de leis que limitem a posse de armas de guerra a qualquer um, como é atualmente nos EUA.
‘DOENÇA AMERICANA’
O ataque a tiros na Apalachee High School é a mais recente manifestação da ‘doença americana’ – os tiroteios em massa contra pessoas a esmo, inclusive em escolas, inclusive com crianças como vítimas. E também em cinemas, supermercados e até locais de trabalho.
Em última instância, o que precisa ser respondido é o que leva indivíduos a responderem às frustrações, com um ritual de chacina contra desconhecidos, sem demonstrar a mínima empatia por quem quer que seja.
Resposta a ser encontrada na própria história dos EUA, e sem dúvida reforçada pelo estímulo à violência glamourizado no cinema e na mídia norte-americana, além da licenciosidade no acesso a armas letais.
História fundada na escravidão e na guerra de extermínio aos indígenas, mitologicamente descrita como a ‘conquista do Oeste’. A que se sucederam as incursões “dos palácios de Montezuma às praias de Tripoli”, como exalta o hino dos marines, até às “guerras sem fim” do século 21, passando pelas Filipinas, Coreia, Vietnã, Afeganistão, Iraque, Líbia e Síria – e massacres relacionados.
Na típica expressão norte-americana, trata-se de que – como afirmou Malcolm X, assim que soube da morte de John Kennedy – “as galinhas voltam para ciscar em casa”, depois de um século de chacinas, de que Mi Lai é um símbolo e um sintoma.