Alta de juros não resolve o problema. Inflação não é de demanda, afirma o economista José Luis Oreiro
O economista José Luis Oreiro afirmou, em entrevista ao HP, que o aumento dos juros não tem nenhum impacto sobre a inflação de alimentos, da energia elétrica ou dos combustíveis, mas é negativo sobre a economia, porque “atua no sentido de retardar a recuperação cíclica da economia brasileira”. Segundo o professor da Universidade de Brasília (UnB), “a inflação está de volta por fatores relacionados ao lado da oferta da economia. É uma inflação de custos, não é uma inflação de demanda”. Ou seja, “trata-se de uma sequência de choques de oferta que estão produzindo uma elevação de caráter temporário da taxa inflação”.
HORA DO POVO – Por que a inflação está de volta?
JOSÉ LUIS OREIRO – A inflação está de volta por fatores relacionados ao lado da oferta da economia. É uma inflação de custos, não é uma inflação de demanda. Basicamente, o que está pressionando a inflação nos últimos doze meses? Nos últimos doze meses nós tivemos pressão inflacionária devido ao aumento dos preços dos alimentos, devido ao aumento do preço das commodities no mercado internacional, notadamente o petróleo, que tinha caído muito no início da pandemia do Covid-19, mas ele voltou a subir muito a partir do segundo semestre do ano passado em função da forte recuperação da economia chinesa e depois a forte recuperação da economia norte-americana, então, essa a segunda razão, o aumento do preço das commodities. E a terceira razão, foi a fortíssima desvalorização da taxa de câmbio, observada ao longo do ano de 2020, em que, se a gente pegar a cotação no dia 1º de janeiro de 2020, o dólar estava em torno de R$ 4,20 e ele chega a quase R$ 6 no segundo semestre de 2020.
Então, a combinação de inflação de alimentos, que por sua vez foi resultado da estiagem do ano passado, que nós tivemos o pior índice de chuvas desde 1931, junto com o aumento da demanda por alimentos a nível internacional em função da constituição de estoques precaucionais de alimentos por uma série de países, também o fim dos estoques reguladores da Conab, feito pelo Paulo Guedes em 2019, todos esse fatores contribuíram para a elevação dos preços dos alimentos.
O aumento do preço das commodities bateu no preço do petróleo e portanto no preço dos combustíveis aqui no Brasil, elevando a inflação a partir do segundo semestre de 2020. Além disso, o regime de chuvas, muito abaixo da média histórica, o pior desde 1931, também contribuiu para o aumento do preço de energia. Então, todos esses fatores somados explicam a elevação da inflação, ou seja, trata-se de uma sequência de choques de oferta que estão produzindo uma elevação de caráter temporário da taxa inflação.
HP – Qual o impacto da elevação dos juros pelo Banco Central sobre a inflação?
JOSÉ LUIS OREIRO – Os juros não têm nenhum impacto sobre o preço da energia elétrica, não têm nenhum impacto sobre o preço dos alimentos, não têm nenhum impacto sobre o preço das commodities. Portanto, os juros não têm nenhum impacto direto sobre a inflação, que, como eu disse, por ser um choque de oferta é de caráter puramente temporário. Se a economia estivesse superaquecida, estivesse operando próxima do pleno emprego, então você deveria, sim, subir os juros para evitar que os chamados efeitos secundários do choque de oferta, ou seja, o repasse do aumento do preço da energia, do preço dos combustíveis, do preço dos alimentos, para os preços dos serviços, etc.
Embora o núcleo de inflação e a inflação de serviços tenham mostrado uma elevação nos últimos meses, mostrando a existência de algum efeito de repasse, ele é muito pequeno. Então, essa elevação muito forte da taxa de juros certamente não vai ter impacto sobre a inflação, ela vai cair naturalmente uma vez dissipados os efeitos do choque de oferta.
Agora, o efeito do juro é negativo sobre a economia, por dois mecanismos. Primeiro, porque aumenta o custo de rolagem da dívida pública e portanto aumenta o déficit público, o déficit nominal aumenta. Em segundo lugar, porque torna mais caro o crédito para o financiamento de bens de consumo duráveis, para o financiamento da aquisição de imóveis, portanto ele atua no sentido de retardar a recuperação cíclica da economia brasileira.
HP – Na sua opinião, o que pode ser feito neste caso?
JOSÉ LUIS OREIRO – Não sei se dá muito mais o que fazer nessa altura do campeonato. Guedes não deveria ter acabado com os estoques reguladores da Conab. Nós poderíamos ter moderado o ritmo de desvalorização do câmbio, não só com um intervenção mais forte do Banco Central no mercado de câmbio, introduzindo controles à saída de capitais, porque muitos capitais saíram da economia brasileira em 2020 por conta das maluquices governo Bolsonaro, seja da atitude do governo com respeito à Amazônia, o que está fazendo com que uma proporção cada vez maior de investidores internacionais se sintam desconfortáveis em manter investimentos no Brasil, seja pelo próprio fracasso do controle da pandemia, que também gera incerteza, e por fim os reiterados ataques do governo Bolsonaro, seja ao estado democrático de direito, seja à China, que é o nosso principal parceiro comercial.
Tudo isso gera incerteza, a incerteza gera a desvalorização de ativos, ou seja, a nossa moeda se desvaloriza frente ao dólar e isso acaba tensionando a inflação. Enfim, poderíamos ter feito uma série de medidas, mas não fizemos por conta da pessoa que ocupa a cadeira da Presidência da República.