O assassinato de duas lideranças do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), ocorridos no dia 8 de dezembro, em Alhandra, na Paraíba, é o retrato de uma triste realidade do conflito de terras no país, mas que no último ano tem se apresentado com características diferentes, com um maior número de atentados contra líderes de movimentos de trabalhadores rurais, lideranças indígenas e quilombolas.
Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra, em 2017, das 71 mortes no campo, 22% eram lideranças. Em 2018, dos 24 assassinatos registrados até agora, 54% são especificamente de lideranças.
O levantamento mostra que, embora o número de casos tenha diminuído – 2017 apresentou um número recorde de mortes causadas por chacinas, como a de Pau d’Darco, no Pará, onde foram mortos 10 posseiros (nove homens e uma mulher) durante uma ação de reintegração de posse -, essa queda, embora real quanto ao número de assassinatos, não representa diminuição da violência, mas que ela tem se apresentado mais direcionada, no sentido de intimidar a organização e a luta dos trabalhadores rurais e trabalhadores sem terra.
“Se no ano passado a matança era indiscriminada, inclusive com chacinas, neste ano os alvos são líderes de movimentos”, diz Ruben Siqueira, membro da coordenação executiva nacional da CPT.
No dia 10 de dezembro, após o enterro dos dois militantes do MST assassinados em Alhandra, a Procuradoria Geral da República (PGR) divulgou uma nota de repúdio aos assassinatos, que também foi assinada pelo Ministério Público Federal.
A nota, lançada às vésperas da comemoração dos 70 anos da Declaração dos Direitos Humanos, diz que o fato é preocupante “diante do contexto sombrio de violência contra os movimentos sociais e demonstra quão distante ainda estamos da efetivação dos direitos garantidos pela Declaração”.
As declarações da nota são extremamente pertinentes, principalmente quando nos atentamos para o momento por que passa o nosso país, com um presidente que acaba de ser eleito e que, a cada momento, demonstra sua ojeriza aos trabalhadores de todas as categorias, sejam eles do campo ou da cidade.
Seus discursos durante a campanha eleitoral e depois de eleito, insuflam ações contra comunidades ameaçadas pelo agronegócio, como os trabalhadores rurais, comunidades vulneráveis como índios e quilombolas, e os defensores de áreas demarcadas.
Como afirma o coordenador do MST em Pernambuco, Jayme Amorim: “Quando ele tipifica a luta pela reforma agrária como crime, ele está incentivando, para que esses malucos do agronegócio, especificamente do latifúndio improdutivo, se utilizem da violência histórica para matar trabalhador sem terra”.
Jayme Amorim está se referindo à entrevista dada pelo então candidato do PSL Jair Bolsonaro, no Rio Grande do Sul, em 29 de agosto, durante sua campanha eleitoral. “Nós temos que tipificar suas ações como terrorismo. Invadir propriedade rural ou urbana é inadmissível, e um dos pilares da democracia é a propriedade privada”, declarou.
Na mesma ocasião, Bolsonaro defendeu a impunidade para quem agir, segundo ele, “em legítima defesa”. “Um elemento cometendo um ilícito. Caso ele venha a ser abatido, esse que o abateu não pode ser processado, não pode ir para tribunal de Júri. Afinal de contas, nós defendemos a legítima defesa da vida própria e de terceiros. E defendemos a propriedade própria e de terceiros”, disse.
Em um discurso em Vitória (ES), em novembro de 2017, o então deputado federal e já provável candidato à presidência disse: “No que depender de mim, o agricultor, o homem do campo, vai apresentar como cartão de visita para o MST um cartucho (de) 762”, em uma referência ao fuzil de 7,62 mm.
“Àqueles que me questionam se eu quero que mate esses vagabundos, quero, sim. A propriedade privada numa democracia é sagrada. Invadiu, pau nele”.
Falas como estas são um incentivo para que aumente não só a matança de trabalhadores rurais, mas também a impunidade, apontada pela Pastoral da Terra como um dos principais fatores que alimenta essa cadeia de violência contra o homem no campo.
“Os ocupantes não são a causa da violência no campo. A impunidade é a grande mantenedora da violência no campo”, afirmou o presidente da CPT, Dom Enemésio Lazzaris.
Segundo ele, existem duas formas de intimidação, “ou matando indiscriminadamente [como no caso das chacinas], ou matando lideranças [para enfraquecer o movimento], e as duas coisas estão acontecendo”, diz.
ANA LÚCIA