O engenheiro e economista Paulo Feldmann, professor da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP, publicou na quarta-feira (8) no Jornal da USP, o artigo, intitulado “É a alta taxa de juros que prejudica o País”. Ele demonstra de forma cabal, com este texto, que as atuais taxas de juros praticadas pelo Banco Central são extremamente prejudiciais ao Brasil.
Os argumentos do professor Feldmann estão na linha de vários outros economistas brasileiros e também de diversos membros do atual governo, inclusive o presidente da República, que alertam para os riscos de recessão e crise financeira, caso essas essas taxas de juros, que são as maiores taxas reais de juros do mundo, não sejam reduzidas o mais rapidamente possível.
Temos a satisfação de reproduzir o artigo do professor Paulo Feldmann na edição de hoje do HP, não só pela importância do alerta feito pelo seu autor, mas também pela simplicidade e clareza com que ele expõe os seus argumentos. Uma simplicidade de alguém que, até pelo cargo que ocupa, conhece a fundo o tema, mas que tem a habilidade de transferir esse conhecimento de uma forma que todos entendam perfeitamente os riscos que o país está correndo com eles. Confira!
É A ALTA TAXA DE JUROS QUE PREJUDICA O PAÍS
PAULO FELDMANN
Acabam de ser divulgados os números referentes ao crescimento da economia brasileira em 2022. O PIB cresceu 2,9 % em relação a 2021. Teria sido muito maior não fora o fato de que, no quarto trimestre, o crescimento foi negativo, ou seja, não houve.
Quando nos debruçamos para entender o que aconteceu, verificamos que a taxa Selic – a taxa de juros básica que norteia toda economia – começou 2022 num patamar razoável, mas ao longo dos meses foi subindo e chegou ao ápice no final do ano. A taxa de juros é definida pelo Banco Central, que agora é uma entidade autônoma do governo federal. O Banco Central impõe uma taxa alta quando teme que possa haver inflação. O impacto da taxa de juros, que é a redução no crescimento da economia, não se dá exatamente no trimestre em que ela sobe, mas fica evidente alguns meses depois.
A teoria de que a taxa de juros precisa ser alta para combater a inflação está ultrapassada na grande maioria dos países. A justificativa dessa teoria é que, quando a taxa de juros está alta, o consumo diminui, porque as pessoas (consumidores) evitam tomar dinheiro emprestado. Esse fato, segundo os defensores da ideia, inibe o consumo e, com menor procura por bens, os preços tendem a cair, com a consequente redução do crescimento econômico. Além disso, empresas que eventualmente iriam investir em si próprias – comprando máquinas, gerando novos empregos etc. – deixam de fazê-lo, pois é preferível para elas aplicar aquele dinheiro em títulos de governos que pagam, como agora, taxas muito maiores que os retornos dos investimentos poderiam trazer.
Após a crise financeira de 2008, ficou claro que essa teoria não funcionava, e a grande maioria dos países a abandonou. Hoje no mundo há diversos países que enfrentam altíssimas taxas de inflação, no entanto raros usam uma taxa de juros equivalente à do Brasil. Como a taxa no Brasil é de 13,75% e a inflação é de 5,8%, há um ganho real para quem aplica em títulos públicos da ordem de 7,5% ao ano. É a maior rentabilidade mundial. O México vem em segundo lugar, mas oferece apenas a metade desta rentabilidade.
O mais interessante é que apenas os economistas ditos do “mercado” defendem altas taxas de juros para o Brasil – e dizem que no nosso país elas são necessárias porque nosso endividamento é elevado. Acontece que o que leva ao endividamento é o fato de o governo não conseguir pagar suas contas, por arrecadar menos do que gasta. Assim, por exemplo, em 2022, fechamos o ano com um déficit nominal de 4,7% do PIB: ou seja, o governo federal gastou muito mais que arrecadou. Faltou a bagatela de R$ 460 bilhões. Mas esse rombo é pura consequência do pagamento de juros que, no ano passado, atingiu R$ 594 bilhões.
Se os juros não fossem tão altos, não teríamos tido esse rombo estratosférico. Diga-se de passagem, o programa Bolsa Família vai custar R$ 151 bilhões em 2023, e vai atender 84 milhões de brasileiros em condições de vulnerabilidade, ou seja, quase 40% da população. Em compensação, mantidos a atual taxa de juros e o nível de endividamento do País, a previsão é que o governo federal tenha que pagar, apenas a título de juros neste ano, algo em torno de R$ 700 bilhões. Ou seja, 4,5 vezes mais que o Bolsa Família. Só que, neste caso, estes rendimentos serão usufruídos por menos de 5% da população brasileira, que são aqueles poucos que conseguem poupar e aplicar suas divisas.
Não fossem as altas taxas de juros, o País poderia crescer em 2023. Com crescimento, haveria geração de empregos e, como decorrência, consumo e pagamento de impostos. Isso garantiria o aumento da arrecadação dos governos. E por que não se faz isso? Porque o Banco Central não pensa no País, mas exclusivamente na saúde do sistema bancário e dos privilegiados que conseguem aplicar seus recursos e se beneficiar dessa taxa Selic.
Reproduzido do Jornal da USP