“Gravíssima a nova denúncia de que o relatório Focus, do BC, é manipulado pelos agentes do mercado financeiro. Foi o próprio gestor de um desses fundos, Pedro Cerize, da Skopos, que apontou a fraude”, disse a deputada federal e presidente do PT
A presidente nacional do PT e deputada federal Gleisi Hoffmann, classificou como “gravíssimas” as denúncias feitas pelo fundador da Skopos Investimentos, Pedro Cerize, de manipulação no resultado do boletim do Banco Central (BC), por agentes do mercado financeiro.
“Gravíssima a nova denúncia de que o relatório Focus, do BC, é manipulado pelos agentes do mercado financeiro. Foi o próprio gestor de um desses fundos, Pedro Cerize, da Skopos, que apontou a fraude. É o mercado que manda no BC ‘autônomo’. É crime e tem que ser investigado”, afirmou Hoffmann, em sua rede social.
Para o relatório Focus, semanalmente, o Banco Central consulta mais de 100 instituições financeiras referente às suas expectativas para a evolução do PIB, câmbio, inflação (IPCA) e taxa básica de juros da economia (Selic), sendo estas usadas como referência ao Comitê de Política Monetária (Copom) para estabelecer o nível dos juros.
Já se sabia que quem manda nas decisões do BC são os bancos e os banqueiros, como há muito vêm denunciando economistas e políticos. No entanto, é um agente do “mercado” financeiro quem agora confessa, mesmo sem querer, o crime.
No Cenário Brasil – Oportunidades e Riscos, no Convex Day 2024, um evento realizado em São Paulo, o fundador da Skopos Investimentos (em 2001), Pedro Cerize, afirmou que o mercado financeiro organiza grupos para “ajustar” o boletim Focus, com o objetivo de influenciar as decisões do Banco Central.
“O mercado financeiro forma grupos que se organizam para ajustar Relatório Focus e influenciar as decisões do Banco Central. É tudo combinado. Eles já sabem o que fazer. Essa é a grande farsa que ninguém expõe”, comentou Cerize, conforme divulgado pela Convex Research, em relatório enviado a clientes.
Pedro Cerize prosseguiu sua fala argumentando que “mesmo que eu fale sobre isso, ninguém me chama para desmentir, porque eu sei quais são os grupos e onde eles combinam: ‘Você ajusta o Relatório Focus, eu também ajusto…’ Está tudo articulado entre eles, e o Banco Central, por dolo ou inocência, acaba sendo conduzido”, observou e seguiu.
“Essa é a realidade do mercado. O Banco Central não conduz o mercado. Ele tem o controle de uma ferramenta, que é a taxa de juros de curto prazo. Mas no Brasil, isso não acontece da mesma forma. Aqui, quem controla os juros de curto prazo é o Relatório Focus e esses grupos que fazem as combinações”.
Pedro Cerize também afirmou que “Roberto Campos Neto (atual presidente do Banco Central) errou ao desmanchar três ‘guidances’ consecutivos”. Guidance é uma sinalização aos agentes do mercado de qual deve ser o próximo passo do BC na política monetária.
“Você nunca verá o Federal Reserve (Fed) anunciar que vai cortar os juros na próxima reunião e não cumprir”, disse Cerize. O Fed jamais faria isso. E o nosso Banco Central fez isso três vezes e ainda fala de credibilidade? Ele não tem credibilidade nem para um planejamento de 30 dias”, ironizou.
“Além disso”, seguiu o executivo, “o diretor do Banco Central ganha apenas 12 mil reais por mês (atualizados para cerca de R$ 18 mil bruto, ou R$ 14,5 mil líquido). Para muitos, isso é como um MBA, um estágio. Você passa um tempo ali, faz um sacrifício, e depois busca uma posição melhor no mercado”, completou.
Neste ano, o subprocurador-geral do Ministério Público, Lucas Furtado, entrou com uma representação no Tribunal de Contas da União (TCU) para que o fórum apure a possível manipulação nos indicadores do Boletim Focus do Banco Central (BC), por parte de bancos e instituições financeiras, além de eventuais desvios de finalidade pelo Copom na definição da taxa Selic.
Na representação, datada em 14 julho, o subprocurador-geral do Ministério Público, Lucas Furtado, afirmou que considera um possível “risco moral” por parte dos efeitos do Focus nas previsões, que deveriam ser elaboradas pela autoridade monetária.
“Ora, se a taxa de juros básica que conduzirá relações financeiras no país é definida levando em consideração previsões dos próprios agentes que irão reger tais relações, vejo que se pode estar diante de uma gama de possibilidades de manipulação de índices por essas instituições”, diz outro trecho do documento.
Há um “constante aumento dos indícios de que pode estar havendo manipulação de índices macroeconômicos por parte de grandes bancos e instituições financeiras, sobretudo por meio do denominado Boletim Focus e do seu efeito nas decisões tomadas pelo Copom”, escreveu o procurador.
“Ademais, vejo que se pode estar diante de fatos que podem comprovar que a definição da taxa básica de juros do país em níveis estratosféricos não possui o efeito de controlar a inflação, conforme alega o Bacen [Banco Central], mas sim o de quebrar o país, enriquecendo alguns aplicadores do mercado”, criticou.
No documento, ainda, Furtado pediu que o tribunal passe a vigiar a atuação dos membros do Copom, após o fim de seus mandatos, “de modo a evitar possíveis danos à política monetária e o enriquecimento desses agentes em decorrência do exercício de suas funções públicas” no BC. Atualmente, o TCU acompanha a atuação dos ex-diretores do BC apenas durante o período de quarentena.
A representação tem como base denúncias feitas pelo economista Eduardo Moreira, no portal ICL Notícias, que tratam sobre a manipulação do Focus.
Em setembro, o Comitê de Política do Banco Central (Copom) do Banco Central (BC) acrescentou 0,25 pontos percentuais na taxa Selic, que subiu de 10,5% para 10,75% ao ano, atendendo a demanda dos banqueiros e demais especuladores no mercado financeiro, que pressionam – seja via elevação das expectativas ou por seus porta-vozes na mídia – por aumentos dos juros – que garantem lucros maiores vindos do pagamento de juros da dívida interna. Em 12 meses (até agosto), o gasto do setor público com o pagamento dos juros somou R$ 855 bilhões.