“Conhecendo os ambientes de maior contaminação pela Covid-19, é possível definir protocolos mais efetivos e adaptados a cada contexto”, argumentam os pesquisadores
Estudo feito por pesquisadores da UnB, reunidos no Boletim Covid-19 DF, na sua segunda edição, recomenda complementar as medidas de distanciamento social e orientações sanitárias com métodos de vigilância que permitam uma maior compreensão de como se comportam as pessoas infectadas para o conhecimento dos mecanismos de disseminação da pandemia do novo coronavírus.
Reportagem da revista Metrópoles com os autores da pesquisa, chama a atenção para a necessidade de mudanças de estratégia de enfrentamento da pandemia. O momento é de caminhar do isolamento geral para a “inteligência epidemiológica”, argumentam os autores do estudo (link).
ENTREVISTAS E BUSCA ATIVA
Isso pode ser feito, segundo o trabalho, “entrevistando-se os contaminados recentes para identificar os possíveis locais de contaminação”.
“Por exemplo, quantos fazem uso de transporte coletivo? Onde (trabalho, feira, casa de familiar, etc.) estiveram no intervalo provável de infecção? O próprio infectado pode ter sugestão de onde contraiu a doença. Conhecendo os ambientes de maior contaminação, é possível definir protocolos mais efetivos e adaptados a cada contexto”, argumentam os pesquisadores.
O documento visa subsidiar o poder público em suas ações de combate à pandemia.
Roberto Bittencourt, doutor em Saúde Pública e professor do Programa de Pós Graduação da Escola Superior em Ciências da Saúde do Distrito Federal, que também assina o estudo, afirmou, em entrevista ao HP, que considera que “as ações de Inteligência Epidemiológica devem ser implantadas imediatamente para se evitar um longo e arrastado período de surtos do Coronavírus, tanto nas capitais como no interior do país”.
EVITAR O PROLONGAMENTO DA PANDEMIA
“Na medida em que o isolamento social vai sendo substituído gradativamente por medidas de flexibilização, novos contingentes de pessoas sem imunidade vão se contactando com pessoas infectadas, na sua maioria assintomáticos e, nesse momento novos ciclos de contagio vão se estabelecendo. Portanto, todo o esforço ainda deve ser para se manter o isolamento social, mais ou menos restritivo, em especial, nas regiões onde a transmissão, denominada R(t), está acima de 1, em curva de crescimento”, explica o especialista.
A taxa de transmissão R(t) acima de 1 significa uma pessoa transmite o vírus para mais de uma pessoa e a epidemia avança. Se o R(t) é menor que 1, cada pessoa transmite para menos de uma pessoa, e a epidemia começa a reduzir seu ímpeto)
“Considera-se essa intervenção como Fase I”, explica Bittencourt.
“Mas em paralelo, prossegue o professor, “deve-se iniciar a intervenção clássica do enfrentamento epidemiológico das epidemias, considerada a Fase II, qual seja: identifica os casos, classifica o risco clínico, rastreia os contactantes, isola seletivamente os infectados e, finalmente interrompe a transmissão.”
“O volume de informações para se identificar os casos, infelizmente, no Brasil já é altíssimo. Hoje, 29/05, temos mais de 465 mil casos confirmados de Coronavírus, sendo que perto de 200 mil pacientes recuperados e próximo de 30 mil mortes. Essas informações, assim como as testagem em curso, estão sendo subutilizadas e servem apenas para somar os novos casos da Covid”, observa.
USO INTENSIVO DA EPIDEMIOLOGIA E DA VIGILÂNCIA
Para Bittencourt, há necessidade de uso intensivo da epidemiologia e da vigilância para o combate eficaz à pandemia. “Em torno das pessoas infectadas deve-se organizar as ações da Fase II, com uso de Inteligência Epidemiológica. Em especial, nas cidades do interior do país, onde é plenamente exequível realizar o rastreamento, isolamento e supressão, com sucesso”, explica.
Toda a estrutura da atenção básica de saúde deve ser colocada a serviço do combate à pandemia, defende Roberto Bittencourt. “A fim de implementar a Fase II devem ser utilizados dois componentes a pleno vapor:
(1) As Equipes de Saúde da Família associadas as equipes da Defesa Civil, ambas com grande capilaridade nas comunidades e no interior do Brasil, com capacidade de acompanhar os casos.
(2) As plataformas de Georreferenciamento disponíveis amplamente, que permitirão identificar dos principais focos, por CEP, verificar os fluxos de contágio e mapear as zonas mais atingidas”, afirma.
“A estratégia de supressão da transmissão é a única capaz de interromper a atual pandemia, além de organizar o sistema de saúde de maneira permanente, para enfrentar as próximas epidemias, que seguramente ocorrerão”, completa o espacialista.
PRESSÃO SOBRE O SISTEMA DE SAÚDE AUMENTA
A pressão sobre o sistema de saúde público e particular aumentou no DF, segundo dados oficiais. O estudo projetava para 25 de maio a necessidade de 121 internações, sendo 44 em UTIs, no cenário típico. Mas, segundo o Governo do Distrito Federal (GDF), foram ocupados 248 leitos e 114 unidades intensivas, o que está dentro da estimativa mais pessimista traçada pelos pesquisadores da Universidade de Brasília. “O dado real está superestimando o cenário típico. O pico de hospitalização pode ser muito próximo do cenário pessimista”, pontuou o pesquisador do GigaCandanga, Paulo Angelo Alves Resende.
Do ponto de vista dos autores do boletim, que é feito quinzenalmente, o GDF e demais autoridades não devem tomar novas decisões sobre flexibilizações até o diagnóstico real da pandemia, principalmente no mapeamento dos focos de transmissão da doença. “Para resolver isso, a gente recomenda que não continuem flexibilizando ou apertando medidas de isolamento. Não tome decisões enquanto não analisar melhor o que está acontecendo”, alertou Resende, que chama a atenção para a necessidade de um maior investimento na infraestrutura hospitalar para tratar dos casos graves da doença.
ISOLAMENTO FOI IMPORTANTE. AGORA É ISOLAR FOCOS
O pesquisador avalia que o isolamento social foi importante no começo da pandemia para salvar vidas contra um inimigo desconhecido. Mas, agora, é fundamental a descoberta dos focos de contaminação a fim de garantir a retomada segura das atividades sociais e econômicas, evitando, por exemplo, o desabastecimento de comida. Ele cita um exemplo que ocorreu na Europa e que reforçou a necessidade da vigilância epidemiológica e das ações norteadas por ela.
“Teve um caso famoso na Inglaterra em que eles tiveram um surto de cólera e foram pesquisando aonde a pessoa foi, o que fez. E identificaram analisando, caso a caso, que era um poço o ponto de contaminação. Fechou e resolveu. Isso nós não temos. Não estamos fazendo”, advertiu Paulo Angelo Alves Resende.
Até porque, segundo Paulo Angelo Alves Resende, o isolamento social por longo período não é sustentável e compromete, inclusive, a saúde mental da população. “Fechar tudo e esconder as pessoas dentro de casa é uma medida desesperada e cega. Foi útil no início da pandemia. Passados três meses, não dá para continuar com a medida cega. Temos que sentar com inteligência analisar o que está acontecendo e tomar as medidas acertadas”, aconselhou. De acordo com Rezende, para encontrar os focos da doença as autoridades precisam entrevistar as pessoas contaminadas nas últimas três semanas, perguntando o possível local de infecção, data provável de contaminação e atividades feitas após o contágio.
O documento aponta diretrizes de atuação para subsidiar decisões do poder público. Além da adequação da estrutura assistencial, “investir em inteligência epidemiológica para compreender os meios de contaminação que necessitam de melhores controles. Além disso, “investir na inteligência geográfica como instrumento de análise e apoio na compreensão da dispersão da contaminação por região, tendo como base os dados de testes positivados que estão sendo efetuados pela Secretaria de Saúde, para gerar protocolos regionais de ação e previsão, vinculando às disponibilidades hospitalares e a previsão de necessidades futuras”, completa o estudo do Boletim Covid-19 DF.
SÉRGIO CRUZ