“So What?”, traduziu o Guardian inglês, acrescentando que Bolsonaro “desdenha do total crescente de mortos no Brasil”: “ultrajante”
O acintoso “E daí?” do presidente Jair Bolsonaro, sobre as mortes no Brasil pelo coronavírus já terem passado de 5 mil, superando o total de óbitos da China, foi registrado com espanto e ultraje pela imprensa internacional, do Guardian inglês à Bloomberg norte-americana, assim como nos dois principais jornais argentinos, Clarín e Página 12, e em editorial do Le Monde Diplomatique.
Sob o título “So What? [e daí?] Bolsonaro desdenha do crescente total de mortos pelo coronavírus no Brasil”, a matéria do Guardian enfatizou o “ultraje” provocado por tal resposta ao tomar conhecimento, pelos repórteres, do tenebroso recorde alcançado na terça-feira (28) – 474 novos mortos – e que o Brasil já tinha mais mortes de Covid-19 que a China.
A matéria era ilustrada com uma foto de um enterro em tempos de Covid-19 no Rio de Janeiro, com uns poucos parentes, de máscara facial, permitidos, e os coveiros o melhor protegidos que podiam, da cabeça aos pés. Cena que se repete especialmente em São Paulo, Manaus e Recife.
A desfaçatez de Bolsonaro, ao acrescentar “eu sinto muito. O que você quer que eu faça?”, sem a mínima empatia e, ao contrário, em clima de chacota com seus cabos eleitorais, impressionou o jornal inglês que transcreveu suas exatas “10 palavras”.
Cujo resultado – como notou o Guardian – foi desencadear uma “fúria imediata” no país inteiro. Tratava-se, assinalou o jornal, da “mais recente de uma série de comentários depreciando a pandemia”.
O Guardian citou a primeira página do jornal o Estado de Minas como exemplo do sentimento de indignação que prontamente se espraiou na sociedade brasileira. As palavras do presidente estampadas “em uma primeira página preta ao lado do número de mortos no Brasil: 5.107”.
A publicação inglesa também reproduziu o deboche de autoria do presidente brasileiro: “Meu nome é Messias. Mas eu não posso fazer milagres”.
O Guardian relatou a “onda de repulsa” que tomou as redes sociais quando a notícia dos comentários do presidente se espalhou. “Um sociopata”, tuitou o músico Nando Moura.
“É um escárnio. Um insulto. É intolerável”, tuitou Mariliz Pereira Jorge, roteirista e comentarista. O deputado federal Marcelo Freixo tuitou que além de “um péssimo presidente”, Bolsonaro é “um ser humano desprezível”.
Outro crítico – acrescentou o jornal inglês – “sobrepôs as palavras de Bolsonaro a uma fotografia das covas enlameadas em que dezenas de corpos brasileiros estão sendo depositados todos os dias”.
O Guardian afirmou, ainda, que desde que o Brasil confirmou seu primeiro caso de coronavírus, em 26 de fevereiro, “Bolsonaro tem continuamente minimizado a pandemia, rejeitando a ‘histeria’ da mídia sobre seus perigos e sugerindo que os brasileiros poderiam nadar em excrementos e sair ilesos”.
A publicação – que chama Bolsonaro de “populista admirador de Trump” – assinalou como ele “também prejudicou propositalmente as diretrizes de distanciamento social, misturando-se com apoiadores e demitindo seu ministro da saúde em 16 de abril, depois que ele desafiou publicamente o comportamento do presidente”.
Enquanto Bolsonaro fazia tais observações, jornais e programas de televisão estavam repletos de histórias sobre mães, pais, filhos e filhas perdendo suas vidas para a pandemia – pacientes e trabalhadores da saúde.
O Guardian registrou o temor de especialistas de saúde de que a Covid-19, que inicialmente afetou áreas de classe média e alta, devaste as comunidades mais carentes e vulneráveis do Brasil. E citou Josiete Pereira do Carmo, da favela de Vila Operária, na zona norte do Rio, onde pelo menos 10 moradores morreram, incluindo quatro membros da família dela, a mãe e três tios.
“Estou com medo”, disse Josiete Pereira do Carmo, que perdeu a mãe e três tios, a uma rede de TV local. “Não podemos perder mais ninguém.”
A norte-americana Bloomberg assinalou que Bolsonaro se recusou a seguir as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e de seu Ministério da Saúde no combate ao coronavírus. “Ele criticou os governadores que pediram quarentena […] foi pessoalmente às ruas sem máscara protetora, apertando as mãos e visitando padarias e mercados lotados”.
HERMANOS
O jornal argentino Clarín afirmou que Bolsonaro “menosprezou a aceleração dos contágios e ironizou sobre seu segundo nome”, acrescentando que o presidente brasileiro “se recusou” a falar de comentário de Donald Trump que era ‘séria’ a crise de saúde no Brasil e poderia suspender os voos para Miami.
Para o Página 12, Bolsonaro “volta a surpreender por sua falta de sensibilidade” diante da pandemia do coronavírus. “Desde o começo da pandemia, Bolsonaro se opõe à quarentena nos Estados e minimiza o impacto do que chama de ‘gripezinha’”.