“A Amazônia é patrimônio brasileiro. É ingenuidade pensar que a comunidade internacional vai deixar de perceber e avaliar como o Brasil cuida de seu capital natural. Isso é essencial”
O embaixador Everton Vieira Vargas afirmou que é “vergonhoso” o país perder investimentos porque o governo não tem uma política de proteção ao meio ambiente e de reprimir o desmatamento.
“Perder esse investimento, que não é do governo A, B ou C, mas da sociedade, deixar isso morrer por não ter estratégia para coibir o desmatamento, coisa que a gente também sabe fazer, é vergonhoso”, declarou em entrevista para Felipe Frazão do portal Terra.
“Ninguém quer comprar carne, soja ou qualquer outro produto que venha de uma região onde ocorreu desmatamento”, destacou.
Diplomata com 43 anos de carreira, Everton Vargas chefiou a frente da diplomacia ambiental brasileira e teve participação direta nas tratativas com países nórdicos para trazer ao Rio a ECO-92.
Por conta do avanço do desmatamento e das queimadas sob o governo de Jair Bolsonaro, “a gente corre um sério risco nessa área comercial, em particular com a Europa, mas não só”, alertou o embaixador, que já representou o Brasil em Berlim, Buenos Aires e Bruxelas, em contato com a União Européia.
Segundo ele, “todo lugar onde têm grandes empresas com interesses internacionais, com necessidade de recursos financeiros e que querem ter ações em bolsa, elas têm que ter hoje um boletim bastante limpo a respeito de como atuam em regiões onde há problemas ambientais”.
Nesse cenário, as restrições podem acontecer por todo o mundo. “Vai além da Europa porque muitos países que não pertencem a União Européia adotam os mesmos critérios para efeito de importação de produtos agropecuários, sobretudo, quando se refere às questões sanitárias”.
“Eu vi isso quando houve a [Operação] Carne Fraca aqui no Brasil. Eu estava como embaixador em Bruxelas. Foi minha grande batalha evitar que a União Europeia fechasse seu mercado à carne brasileira. São questões que temos que cuidar. Eu não vejo uma grande trading japonesa querendo comprar soja, carne do Brasil que tenha uma mancha de ter sido produzida numa região desmatada”, relatou.
“A Amazônia é patrimônio brasileiro, seus efeitos no sistema climático extrapolam fronteiras. É ingenuidade pensar que a comunidade internacional vai deixar de perceber e avaliar como o Brasil cuida de seu capital natural. Isso é essencial”, argumentou.
Para Vargas, “toda vez que o Brasil investiu em conhecimento foi extremamente bem-sucedido. Pega o caso da agricultura, da pecuária, da aviação, do etanol, da exploração de petróleo em águas profundas. Nesses cinco, em todos eles o Brasil é competitivo, tem a melhor tecnologia, fez uma coisa que conseguiu se manter”.
COMUNIDADES INDÍGENAS
O embaixador também ressaltou a importância da proteção das comunidades indígenas. “A imagem de qualquer país está vinculada à proteção do meio ambiente, dos direitos humanos, em particular das comunidades originárias, da adoção de padrões de produção e consumo sustentáveis, de combate ao desmatamento. Enquanto não fizer uma coisa concreta nessa área vão ter repercussões”.
“Agora, estamos vendo um fenômeno novo que é exatamente o engajamento do setor financeiro internacional em ações que vão do desmatamento às culturas tradicionais”.
Durante a pandemia de coronavírus, Jair Bolsonaro vetou a obrigatoriedade do governo federal de tomar medidas específicas para proteger as comunidades indígenas.
Devido a uma ação iniciada por partidos de oposição, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a obrigatoriedade do governo federal de tomar medidas de proteção.
Um levantamento da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) mostra que a taxa de letalidade pelo vírus entre indígenas é de 9,6%, ao passo que na população em geral a taxa é de 4%, segundo dados o Ministério da Saúde.
ONGS
Everton Vargas acredita que a “demonização” das ONGs ambientalistas feita pelo governo bolsonaro é uma questão “de sua cabeça”. “Se você acha que o mundo está contra você, não vai sair de casa. Se você acha que consegue ser persuasivo com o diálogo, você senta para conversar com as pessoas”.
“As ONGs existem e não é porque a gente não fala com elas que vão parar de funcionar. Se demonizar quem perde é você, eles vão ficar ali e, o dia que o governo mudar, eles vão lá para reclamar e dizer que ficaram de fora”.
“A ONG muitas vezes está mais presente na ponta da linha do que os órgãos governamentais, então você aprende muito, com populações ribeirinhas, indígenas, quilombolas”, afirmou.