O juiz e clérigo Seyyed Ebrahim Raisi venceu as eleições presidenciais no Irã em 2021 por larga margem no primeiro turno, com quase 18 milhões de votos, anunciou no sábado (19) o ministro do Interior, Rahmani Fazli.
A votação ocorreu na sexta-feira, com uma participação de quase 29 milhões de pessoas (48,8%). A eleição foi realizada sob pandemia e sanções excruciantes movidas pelos EUA. Os apoiadores de Raisi saíram às ruas de Teerã (capital) e de outras cidades do país para comemorar o triunfo.
Os três outros candidatos, o ex-comandante da Guarda Revolucionária Mohsen Rezaei, o ex-governador do Banco Central Nasser Hemmati e o deputado Amir-Hossein Ghazizadeh-Hashemi, tiveram respectivamente 3,4 milhões de votos (11,79%), 2,4 milhões (8,39%) e quase um milhão (3,45%). Eles já reconheceram a vitória de Raisi. Foram também computados mais 14% de votos brancos ou nulos. Os jovens constituem grande parte do eleitorado, com quase metade da população com menos de 30 anos.
Como Raisi venceu por mais de 50% dos votos válidos – teve 61,9% – não há necessidade de segundo turno. Na eleição passada (2017), em que Hassan Rouhani se reelegeu, ele havia ficado em segundo lugar. Desde 2019, vinha exercendo o cargo de chefe do Judiciário.
A campanha de Raisi teve como mote “Governo Popular, Irã forte”, com um programa de erradicação da corrupção no poder executivo, criação de empregos, contenção da inflação, combate à pobreza e à desigualdade e defesa da soberania e do desenvolvimento. “As queixas de nosso povo sobre as deficiências são reais”, disse Raisi ao votar em Teerã .
Além de eleger o presidente do país, os iranianos também sufragaram representantes municipais e do Conselho de Peritos, uma instituição da revolução iraniana que cumpre o papel constitucional de supervisionar o líder supremo.
Apontado pela mídia ocidental como “ultraconservador”, Raisi está numa lista de sancionados por Washington. O presidente russo Vladimir Putin enviou mensagem de parabéns, assim como o presidente sírio Bashar Al Assad, o presidente turco Recep Tayyip Erdogan e o primeiro-ministro paquistanês, Imran Khan.
Putin expressou “esperança de um maior desenvolvimento da cooperação bilateral construtiva em vários campos, bem como da interação em questões internacionais, observando que isso é do interesse dos dois países”, registrou a agência russa Ria Novosti.
“NAÇÃO IRANIANA VENCEU”
A eleição de Raisi foi também saudada pelo líder religioso Ali Khamenei, chefe da mais alta instituição da República Islâmica, e que considerou que “o grande vencedor das eleições de ontem foi a nação iraniana, que se levantou mais uma vez diante da campanha de propaganda da mídia mercenária inimiga e das tentações dos malfeitores e mostrou sua presença no seio do campo político”.
No final do dia, o presidente cessante Rouhani foi até o quartel-general da campanha de Raisi para parabenizá-lo pessoalmente e ofereceu a cooperação total de sua equipe para a transição.
Na eleição anterior, em 2017, sem epidemia e sem sanções drásticas em vigor, a participação havia sido de 70%.
BLOQUEIO INCLEMENTE
Nos anos recentes, o Irã havia logrado obter um acordo com os EUA, para manter um programa civil de desenvolvimento da energia nuclear sob o mais estrito plano de monitoramento (JCPOA) já instituído pela Agência Internacional da Energia Nuclear, em troca da normalização das relações e fim das sanções, assinado e em vigor desde 2015, com o respaldo dos países do Conselho de Segurança da ONU, mais a Alemanha e a União Europeia.
Acordo que o governo Trump violou unilateralmente, instituindo o retorno das sanções e submetendo terceiros países e respectivas empresas às sanções caso comerciassem com o Irã, e exigindo que seu bloqueio à venda de petróleo do Irã fosse obedecido por todos.
Agressão econômica voltada para matar o povo iraniano de fome, na expectativa de que se revoltasse contra o governo e aceitasse um governo fantoche no lugar. “Fazer a economia gritar”, se dizia no tempo de Nixon.
Além do veto ao petróleo iraniano, na prática Teerã ficou impedida de usar o sistema de compensação internacional Swift, submetido a Washington, tornando ainda mais difícil ao país obter insumos e tecnologia de que necessitava e, com a pandemia, até as vacinas.
Além disso, os EUA sob Trump assassinaram, em emboscada com drone armado com míssil, o principal líder militar iraniano, general Qassem Soleimani, atraído a Bagdá para receber uma carta dos sauditas sobre negociações de paz.
No período, o Irã ainda teve de se sacrificar para apoiar a luta da Síria contra o esquartejamento sob os jihadistas movidos a dólar e para dar assistência à luta heroica do povo do Iêmen contra a intervenção saudita a serviço de Washington.
EXPECTATIVAS
A expectativa é de que o novo governo Raisi mantenha as negociações para restauração do chamado ‘Acordo Nuclear’ JCPOA, em curso com o governo Biden, que até aqui ainda não revogou as criminosas sanções impetradas à revelia do direito internacional pelo antecessor Trump.
Em abril, China e Irã assinaram um acordo de cooperação econômica estratégica de 25 anos, com previsão de investimentos de US$ 400 bilhões, que vão da indústria ao petróleo, passando pelo transporte e agricultura, e oficialização da participação do país na Iniciativa da Nova Rota da Seda em novo patamar.
DEMOCRACIA IRANIANA
Desde a derrubada do regime ditatorial do Xá em 1979, o sistema instituído pela revolução iraniana fez uma fusão entre mecanismos democráticos tradicionais e conselhos criados durante o processo, para enfrentar a intervenção norte-americana no país, ligados aos clérigos xiitas que prevaleceram na luta que se seguiu à fuga de Reza Pahlavi, que a CIA e os britânicos haviam colocado no poder na década de 1950, após o golpe contra Mossadegh.
No sistema político iraniano, os pré-candidatos têm que ter seus nomes aprovados pelo chamado Conselho de Guardiões da Constituição, cuja incumbência é velar pela preservação da soberania do país e da revolução iraniana.
O Conselho dos Guardiões da Constituição é formado por 12 juristas e teólogos, metade indicados por Khamenei e metade pelo judiciário e aprovado pelo parlamento. Os membros são eleitos para um mandato de seis anos, com metade dos membros mudando a cada três anos.
Cabe a esse Conselho escrutinar todos os projetos de lei aprovados pelo parlamento, com o poder de vetá-los. Também pode vetar candidaturas ao parlamento, à presidência e à Assembleia de Peritos.
Os 290 membros do parlamento, o Majlis, são eleitos por voto popular a cada quatro anos. O parlamento tem o poder de introduzir leis e rejeitar o orçamento anual, bem como de convocar e destituir ministros do governo e o presidente.
A Assembleia de Peritos, composta por 88 clérigos islâmicos, é responsável por nomear o Líder Supremo – atualmente Khamenei – e monitorar seu desempenho e, em caso de incapacidade deste em cumprir seus deveres, tem o poder de removê-lo.
Seus membros são eleitos por voto popular direto a cada oito anos. Por causa da idade avançada de Khamenei, é visto como um órgão cada vez mais importante. Em caso de incapacitação ou morte, caberia à Assembleia de Peritos escolher o sucessor por votação secreta e maioria simples.
AS VIÚVAS DO XÁ
Mais de quinhentos nomes se apresentaram nessa eleição e entre os excluídos estão o ex-presidente Mahmoud Ahmadinejad, considerado nos países ocidentais como o arquétipo da linha dura, e o ex-presidente do Parlamento, supostamente mais moderado, Ali Larajani. Sete nomes de candidatos foram aprovados, mas três desistiram em algum momento.
Ao invés de perceberem que o pêndulo para a suposta ‘linha dura’ não passa de uma reação legítima ao brutal bloqueio sob Trump, os comentaristas com o raciocínio made in USA se arrepiam todos diante de qualquer sinal de alguém que não tenha como hábito fazer genuflexões a cada instante.
Assim, a revista The Economist atribuiu ao candidato desistente, e dito ‘reformista’, Mohsen Mehralizadeh, a declaração, durante um debate na tevê, de que os clérigos governantes haviam alinhado “sol, lua e céus para tornar uma pessoa em particular o presidente”.
A BBC, também britânica, foi mais longe no apavoramento. A vitória de Raisi significa que “a linha-dura terá conquistado todos os centros de poder: tanto o Executivo, quanto o Legislativo e o Judiciário”, asseverou.