O jornal “O Estado de S. Paulo”, em sua edição dominical, traz uma entrevista com o economista Mauro Benevides Filho, apresentado como “responsável pelo programa econômico de Ciro Gomes”.
Se o jornal está certo ou errado nessa apreciação sobre o economista, não sabemos. Mas o entrevistado se apresenta como se fosse o próprio Ciro – e como se este tivesse definido que sua política econômica consiste em alguns lugares-comuns e inanidades neoliberais das mais vulgares e surradas.
Como Ciro sempre fez questão de enfatizar que pensa com a própria cabeça – o que é, aliás, saudável – achamos estranho um sujeito emitir frases do tipo “quero que a taxa de juros baixe logo com a mudança de expectativas”, como se fosse o candidato a presidente – ou como se o presidente estivesse eleito e ele nomeado para o Ministério da Fazenda.
Fora isso, somente neoliberais – e dos mais tacanhos – acham que os juros são determinados pela “expectativa” ou que é o mercado que estipula a taxa de juros. Deve ser por isso que, de 45 em 45 dias, a diretoria do Banco Central se reúne, no Copom, para estipular a taxa básica de juros…
POSIÇÕES
Nos últimos meses, Ciro Gomes disse o seguinte (as frases foram retiradas de vários pronunciamentos seus, desde o início deste ano):
“O Brasil abriu mão de ter um projeto nacional de desenvolvimento. Há um desmonte do Estado para entregar a forças de mercado. O neoliberalismo foi um mecanismo estúpido. Regredimos aos valores de 1910, hoje a indústria não chega a 9% do PIB. Se nos tornarmos uma nação exclusivamente agroexportadora, seremos condenados à miséria e a uma posição periférica global (…).
“… nenhuma experiência de sucesso econômico no mundo se deu sem (…) uma taxa de juros baixa, que equivalha a menos que o lucro médio dos negócios produtivos. A transferência de dinheiro público, através dos juros, é a maior encalacrada de finanças públicas da história do Brasil. De juro para banco, o Brasil gasta 11% do PIB.
“… 80% da química fina de nossos remédios são importados. As fibras que fazem as nossas roupas são estrangeiras. Os celulares são importados. O resultado prático disso é a geração de um desequilíbrio nas contas externas que não temos como pagar.”
AJUSTE
Porém, segundo o economista Mauro Benevides Filho, apresentado como o “responsável pelo programa econômico de Ciro Gomes”, não é nada disso.
O que importa mesmo é o “ajuste fiscal”.
Resta saber que “ajuste fiscal” ele quer fazer no país (atribuindo tal desejo a Ciro), depois de quatro anos de ajuste fiscal de Levy/Dilma e Meirelles/Temer, que devastaram o país, arrastaram 7 milhões e 237 mil trabalhadores para a rua – sem contar os subempregados – e faliram milhares de empresas.
Poderíamos até repetir, sobre o “ajuste” atual, a avaliação de Ciro sobre outro “ajuste”, o de Fernando Henrique:
“É uma tragédia econômica e financeira, a maior estatística de falências e concordatas, desemprego e inadimplência, além do maior índice de desnacionalização da economia. É uma tragédia pública, porque esse sacrifício todo não leva a lugar nenhum”.
Mas o economista Mauro Benevides Filho acha que ainda não foi suficiente. Quer mais ajuste neoliberal. Parece, portanto, determinado a fazer com que Ciro não ganhe as eleições. Pelo jeito, prefere que algum tucano ou peto-tucano ocupe a cadeira de presidente.
Mas, diz ele, “ajuste não pode ter ideologia”.
Aqui, penetramos no perigoso campo da burrice ou da demagogia (ou dos dois).
Porque é óbvio que o ajuste neoliberal tem uma ideologia: a de passar o máximo possível da renda (e, consequentemente, de propriedade) do Estado e dos setores produtivos, para o setor improdutivo, parasitário da economia – o setor financeiro, o cartel formado pelos monopólios financeiros.
Por isso é que seu resultado é sempre afundar a economia.
Mas não é porque seja bom para o país que os neoliberais querem aumentar o tacão especulativo – principalmente externo – sobre a economia, e sim porque essa é a sua ideologia, já que são serviçais do setor financeiro.
É exatamente isso o que o economista está propondo: limitação das despesas com “pessoal, custeio e Previdência”; gigantescos “superávits primários”, isto é, dinheiro público destinado aos juros; contração da economia para “honrar minha dívida” – como se essa dívida não fosse uma função dos juros estúpidos durante os governos Fernando Henrique, Lula, Dilma e Temer.
É isso que os neoliberais chamam de “ajuste fiscal”: o aumento do assalto ao produto social pelos bancos e fundos estrangeiros, multinacionais, e alguns pistoleiros do “mercado financeiro”.
Assim, o economista pretende mais privatização (“O Brasil tem 144 estatais. O grosso disso poderá ser privatizado”), exceto onde Ciro já disse que é contra a privatização: na Petrobrás e na Eletrobrás.
Da mesma forma, quer fazer o que Meirelles não conseguiu: uma “reforma da Previdência” que diminua o máximo das aposentadorias para três salários mínimos (em valores de hoje: de R$ 5,6 mil para R$ 2,9 mil) e institua um “regime de capitalização de contas individuais”.
Para quê isso? Para transferir dinheiro da Previdência ao sistema financeiro.
Ah, sim, em um dos países mais escancarados e com uma das economias mais desnacionalizadas em todo o mundo, o economista “quer” maior abertura econômica “para assegurar competitividade, eficiência e aumento da produtividade”. Entretanto, diz ele, “não pode ser de imediato. Tem de criar condições” – mas só acha isso porque sabe o que Ciro já disse sobre o tema.
C.L.
Veja o pronunciamento de Ciro no lançamento da Frente Parlamentar em Defesa da Soberania Nacional: