“Não podemos achar que a esquerda sozinha dá conta de recolocar o Brasil no caminho da democracia. Precisa conversar com os partidos de centro e ter uma agenda conjunta com eles (…) Tem algo que precisa ser derrotado no Brasil. E esse algo é o autoritarismo, a negação da democracia”, asseverou
O atual prefeito reeleito de Araraquara (SP) e ex-ministro do governo Dilma, Edinho Silva (PT), em entrevista ao jornal Valor, afirma como “necessária a organização de uma frente de esquerda e, mais, de um campo democrático que vá além da esquerda. Não que isso vá desembocar numa aliança eleitoral. Mas que a gente possa ter algumas bandeiras em comum com os partidos de centro para que a gente dialogue neste momento histórico do Brasil. O PT tem que se abrir para esse diálogo”, defendeu. E concluiu sobre o tema: “não podemos achar que a esquerda sozinha dá conta de recolocar o Brasil no caminho da democracia. Precisa conversar com os partidos de centro e ter uma agenda conjunta com eles”.
“É importante que se dialogue com o PSDB, o MDB, com o Cidadania, com setores do DEM e do PP, do Republicanos, e assim por diante. Com os partidos que reivindicam essa essência democrática, principalmente o PSDB e o MDB. A gente tem que se abrir para esse diálogo, fundamental”, argumentou.
Edinho justificou a necessidade desse diálogo amplo: “Bolsonaro é forte porque o bolsonarismo é maior do que ele. Se a eleição fosse hoje, ele iria para o segundo turno. Bolsonaro conseguiu dar vazão e materialidade a um conservadorismo que sempre existiu no Brasil, mas muitas vezes se sentia constrangido. Ele legitimou esse conservadorismo. Se nós não entendermos isso, dificilmente vamos recolocar o Brasil no caminho de um país verdadeiramente democrático e inclusivo, que considere nossa desigualdade e diversidade”, assinalou.
O ex-ministro falou ainda da necessidade do seu partido, o PT, “ter sensibilidade para entender esse momento histórico. É extremamente grave. Se errar no diagnóstico, erra no remédio, como eu disse. O momento não é simples de ser compreendido e nem é simples enfrentá-lo. Primeiro: o PT tem que se rejuvenescer. E não é questão etária. É sensibilidade para o que o Brasil vive no século 21, novas demandas, novos interlocutores”, defendeu.
AUTORITARISMO, O INIMIGO PRINCIPAL – “O velho pode ser inspiração e o novo pode carregar o velho. Um dos erros cometidos na história, por falta de compreensão, e maior desastre do século 20, foi o nazismo. Tem algo que precisa ser derrotado no Brasil. E esse algo é o autoritarismo, a negação da democracia, a negação de um país que seja inclusivo e respeite a diversidade racial, sexual e de etnia”, avaliou Edinho Silva.
RELAÇÃO COM JOÃO DORIA – Sobre a relação com o governo do PSDB de João Doria, o prefeito petista afirmou que “no geral, tenho plena concordância com a conduta dele enquanto governante. A relação foi a melhor possível. Ele sempre tratou Araraquara, mesmo sendo governada pelo PT, de forma muito republicana. Repito que, se pudesse, gostaria de aconselhá-lo a não entrar nas armadilhas do governo federal”, enfatizou.
ENFRENTAMENTO DA PANDEMIA – Em relação ao enfrentamento da pandemia em seu município, Edinho lembrou que a cidade teve reconhecimento internacional: “o Libération (jornal francês) mandou uma equipe lá porque chamou a atenção que uma cidade do interior de São Paulo tivesse desenvolvido medidas que levaram a uma letalidade tão baixa, que é 1,1 hoje”. E explicou o porquê desse resultado: Não medimos esforços para fazer exames. 100% da população que procurou a rede fez exame. E fizemos busca ativa. Todo teste rápido que fazíamos, tinha busca ativa. Adotamos um protocolo, fazíamos internação precoce, porque montamos um hospital de campanha. Tenho certeza de que as medidas preventivas foram as responsáveis por essa baixa letalidade”, explicou.
ARROCHO FISCAL NO MUNICÍPIO E DESMONTE DO PACTO FEDERATIVO – Segundo Edinho, o governo federal liberou recursos muito aquém das necessidades reais das cidades médias e grandes, enquanto muitos pequenos municípios foram beneficiados por emendas parlamentares.
“É parecido com o que se viveu na ditadura, recursos para os grotões. A concepção da década de 70. Cria uma base social nas cidades menores. Raros serão os municípios que não vão carregar déficit em 2021. É o desmanche total do pacto federativo. Se não for feita uma reforma, os municípios terão muitas dificuldades”.
Edinho lembrou que “há uma gama enorme de serviços municipalizados sem recursos equivalentes para a prestação. A segurança pública, por exemplo, praticamente foi incorporada pelos municípios, com as guardas municipais. É fácil estabelecer teto de gastos na União e no Estado. Quando alguém bate na minha porta na busca de cirurgia eletiva, vou dizer que o teto está congelado e vou deixar ela morrer? A União e o Estado têm medidas de austeridade, só que todo o custeio fica para o município”, explicou.