Em um discurso no Clube Nacional de Imprensa em Canberra, capital da Austrália, o editor do WikiLeaks, Kristinn Hrafnsson, denunciou que a tentativa de enviar o jornalista Julian Assange da Grã-Bretanha para os EUA, onde ele enfrenta acusações sob a Lei de Espionagem e ameaça de prisão perpétua, não passa de uma “nova forma de rendição forçada” – aquela entrega às escondidas, por parte dos governos satélites, dos supostos suspeitos, direto para as mãos da CIA e de seus cárceres negros. “Agora sem um macacão laranja, mas sob a fachada do sistema jurídico do Reino Unido e aparente apoio do governo australiano ”.
A presença de Hrafnsson, ocorrida no dia 3, marca um importante avanço quanto à Austrália abraçar a defesa de Assange, um cidadão australiano, apesar de seu governo. E, em particular, de parte dos jornalistas australianos – e nesse aspecto se somando às recentes manifestações de solidariedade de parte das entidades de jornalistas alemã e francesa, assim como de organizações ligadas à liberdade de expressão em dezenas de países.
O editor do WikiLeaks caracterizou a prisão de segurança máxima de Belmarsh, onde Assange está sendo mantido, como um “inferno de privações sensoriais”. Na Inglaterra, é conhecida como a ‘Guantánamo britânica’.
Assange, disse Hrafnsson, “sacrificou tudo para que os denunciantes pudessem iluminar sérias irregularidades, para que o público pudesse entender as verdades sobre o nosso mundo e os princípios da liberdade de imprensa”.
Assange – acrescentou – está sendo perseguido por seu papel como editor e jornalista que expôs guerras ilegais e intrigas de Estado. Ele “não deveria morrer por esses princípios”, afirmou Hrafnsson. “Ele não deve ser torturado, como atestou o especialista em tortura da ONU.”
Trata-se, apontou, de um ataque sem precedentes à liberdade de imprensa que precisa ser contestado por todos os jornalistas e defensores dos direitos democráticos no mundo inteiro.
Como declarou ao portal wsws, “o caso de Julian Assange é, em todos os sentidos, o ponto de virada. É o maior e mais grave ataque ao jornalismo e à imprensa livre em décadas, se não 100 anos. Se essa extradição prosseguir, jornalistas de todo o mundo perderão tanto que será muito difícil, se não impossível, recuperar os direitos que tínhamos antes”.
CERCO SE ROMPENDO
O vergonhoso bloqueio de parte do submisso establisment australiano à luta pela libertação de Assange vem sendo quebrado nos meses recentes, através de manifestações e declarações de personalidades como o cineasta John Pilger e da família de Assange, sendo que agora se conseguiu constituir um grupo multipartidário no parlamento australiano em defesa do mais notável denunciante da década, com onze deputados, a cujos co-líderes, presentes, Hrafnsson agradeceu. Andrew Wikie (independente) e George Christensen (Partido Nacional) anunciaram o compromisso de visitar Assange em Belmarsh no início do próximo ano.
Há poucos dias, no principal evento de mídia da Austrália, Walkley Awards, o agraciado do ano, o respeitado jornalista Kerry O’Brien, em seu discurso de agradecimento, havia feito questão de registrar que “enquanto nos sentamos aqui hoje à noite, Julian Assange está em uma prisão britânica aguardando extradição para os Estados Unidos” e exigido do governo australiano que demonstrasse “seu compromisso com a imprensa livre, usando sua influência significativa com seu aliado mais próximo para obter seu retorno à Austrália”. O’Brien lembrou a todos que quem recebeu o Gold Walkley Award de 2011 foi Julian – e pelas mesmas publicações pelas quais os EUA estão tentando extraditá-lo.
Também o ex-primeiro ministro australiano Kevin Rudd passou a considerar que a extradição de Assange para os EUA seria “inaceitável”
“TRAGAM JULIAN PARA CASA”
O editor também enfrentou a recusa de sucessivos governos australianos, tanto conservadores quanto trabalhistas, em cumprirem sua obrigação constitucional de defender Assange, que é cidadão australiano – e possivelmente hoje o mais conhecido cidadão australiano do planeta -, o que se repete desde 2010. Referindo-se ao primeiro-ministro Scott Morrison, Hrafnsson perguntou: “O que ele fez para levar Julian para casa?”
Na semana anterior, Morrison rejeitou apelo da atriz Pamela Anderson para que seu governo intervenha para bloquear a extradição de Assange e garantir sua liberdade.
Morrison, que tem emprestado credibilidade à farsa judicial perpetrada contra Assange na Grã-Bretanha, cinicamente disse que seu governo não tinha poder para fazer nada além de oferecer “assistência consular” inútil e não especificada.
Alegação covarde prontamente refutada por Hrafnsson, que relembrou precedentes da ação de Canberra em prol de outros perseguidos de nacionalidade australiana. Está na hora de Morrison “defender um cidadão australiano”, exortou o editor atual do WikiLeaks.
“Seu governo tomou medidas para garantir a liberdade de James Ricketson, também de Melinda Taylor, também de Peter Greste”, assinalou.
No caso de Melinda, trata-se inclusive de uma advogada que representou Assange e WikiLeaks, e que foi presa e acusada de espionagem pelo governo instaurado pela Otan na Líbia, após ser enviada pelo Tribunal Penal Internacional para advogar em nome do filho de Muhammar Kadhafi e cativo, Saif al-Islam. O então ministro das Relações Exteriores australiano, Bob Carr, viajou a Trípoli para garantir a libertação de Melinda e seu retorno à Austrália.
Já Ricketson, que é documentarista e fora condenado por “espionagem” no Camboja, foi libertado no ano passado após gestões diplomáticas do governo australiano. O jornalista da Al Jazeera Peter Greste, condenado por “terrorismo” pelo regime do general Sissi, foi libertado pelo Egito após pedido do governo australiano em 2015.
Casos que demonstram, como destacou Hrafnsson, que o governo australiano tem uma gama de poderes diplomáticos e legais que poderia usar em defesa de Assange, se houvesse vontade política para tal. Em outra manifestação do alargamento do apoio a Assange, Hrafnsson foi convidado e se reuniu na véspera com cerca de 100 jornalistas e funcionários da Australian Broadcast Corporation, o equivalente australiano da BBC.
A.P.